Esse relato cobre os eventos de 23/09/2018 a 02/10/2018
Olá, aflito leitor(a). Pode acalmar seu coração e alegrar a alma, o bálsamo de cada dia para combater as mazelas da realidade e a dureza chamada vida está de volta. Espero que o capítulo de hoje não o faça desistir de tudo. Calma, alguma coisa ainda vale a pena. Eu espero. Pelo menos hoje eu conto como já quase vomitei em restaurantes japoneses, então viva o suficiente para ler sobre isso.
O último relato tratou apenas de Tóquio, mas a partir de agora vou acelerar um pouco as coisas, ou terei que escrever sobre essa viagem para sempre.
Nosso próximo destino no Japão foi Kyoto, um lugar que curtimos demais. Calma, tradicional e animadinha ao mesmo tempo. O melhor jeito de classificar Kyoto, para mim, é dizer que é uma baita cidade gostosinha.
Demais ver a vida da cidade florescendo as margens do Shirakawa. A melhor coisa que fizemos lá foi alugar umas bicicletas e se perder, se perder foi legal (de novo). Passamos pelo templo dourado, pela floresta de bambus (não encontrei o Silvio Santos lá), pelo magnífico rio cor de jade até chegar, já a noite, em uns bairros residenciais afastados, onde vi uma molecada jogando baseball a beira do rio. Perguntei se eles assistiam Super Campeões e ninguém me deu moral. Fui chamado de Gaijin por uma senhora e ainda comemos em um restaurante local. Um belo dia.
Kyoto foi isso pra mim, uma cidade incrível com vários templos fascinantes e cenográficos, mas que ao mesmo tempo não se resumia apenas a cultura, pois consegue mesclar isso com diversão e comida (que é um sinônimo de diversão). E falando nisso, quase ia me esquecendo, rolou mais um momento de leve euforia emocional – visitei, sem querer, um templo pertíssimo de uma das batalhas mais famosas do Musashi (foi o Sanjūsangen-dō). É aquela em que ele acaba de vez com o clã Yoshioka. Aliás, o templo em si era bem legal, tinham 1001 estátuas de uma mesma entidade budista, e não era qualquer estátua mequetrefe não, posso dizer com segurança que a empreitada deu trabalho viu. Só estátua TOP (me perdoem o uso da palavra). Se você não sabe quem é Musashi desculpe a menção aqui, mas a sua história foi parte integral da minha adolescência e também culpada em me viciar em assuntos nipônicos e fazer eu pensar que um dia poderia ser o samurai estrangeiro que chega do nada no Japão e começa a quebrar todo mundo na porrada. Eu. Que mal sei andar sem escorregar. Enfim, em um momento da minha vida essa fantasia foi intensa e real.

Ainda em Kyoto fizemos uma viagem bate e volta pra Nara, que tem vários templos, um parque bacana, uns veados e mais uma porção de turistas. Legal mesmo lá. Talvez o local mais cenográfico do Japão, um país extremamente cenográfico. E também com o melhor “Big Buda” de todos os Budas gigantes que já vi pela viagem. Mas o mais bacana foi ter ido lá, sem querer, no dia em que estava acontecendo um festival local. Era em homenagem a uma mulher da corte do imperador (Nara já foi capital do Japão) que foi rejeitada por ele e se afogou num laguinho local (rapaziada intensa né). Enfim, o festival consiste no lago ser enfeitado com lanternas (bem bonito) e gelo seco enquanto uns barcos ficavam passando com atores cantando e encenando a história toda. Foi bem interessante, mas fiquei decepcionado. Digo isso pois: sei lá por qual razão enfiei na cabeça que no fim da encenação eles colocariam fogo nos barcos. Ia ser uma baita visão, já estava escuro, seria legal de tirar fotos. Imagina o barco pegando fogo em contraste com a luz das lanternas? Mas porra, fiquei esperando, esperando e nada das chamas surgirem. Quase fui eu lá encher tudo de gasolina e jogar um fósforo. Nara me agradou, mas não satisfez minhas fantasias piromaníacas.

Depois disso fomos para Osaka, cidade em que não fizemos nada e foi demais. Quer dizer, SOBREVIVEMOS a um tufão lá (que no fim foi só uma chuva forte). E comemos. Muito. Porra, achei Osaka demais para comer. Tem um centrinho animado, (de novo) a beira do rio, tudo iluminado, beira o ataque epilético. Mas é bacana. Ficamos dormindo em Osaka e fizemos algumas viagens de 1 dia para cidades “próximas”. Fomos para Miyajima, Hiroshima e Himeji. Miyajima é a Ilhabela japonesa, viraria um pescador lá com certeza, muito bonito. Em Hiroshima só visitamos o Memorial da Paz – pesado, intenso e algo que todo mundo deveria conhecer.

Himeji é uma é baita cidade legal, parece moderna, mas é calma. E aí no meio dos Predio tem um PUTA castelão bonito. Um colosso branco pairando sobre a cidade. Entrar lá foi uma experiência bem interessante, ainda mais para quem jogou muito Tenchu quando jovem. Tentei fazer um desenho do castelo uma hora que sentei em um de seus terraços, sabe, dar uma de artistão que puxa o caderninho no meio do rolê para desenhar algo? Então, queria ser assim, mas eu sou reprimido demais. Qualquer pessoa que passava atrás de mim quase me causava um infarto. Não preciso nem dizer que o desenho ficou tão bom quanto o plantel das últimas eleições no Brasil. Ficou ohh. Show. Depois visitamos o jardim anexo ao castelo. Amigos, que mágica que tem os jardins japoneses né? Uma capacidade de acalmar a alma impressionante, sem brincadeira. Um tanque com carpas no quintal faz toda diferença, pode providenciar um agora.

Em Himeji também experimentei um dos pontos baixos da minha vida. Entramos em um game center (lugar dos sonhos com um milhão de fliperamas legais, mas os japoneses só escolhem os mais estranhos de música para jogar) e perdi para Marina no Mario Kart (após ganhar uma, claro). Não perdia no Mario Kart desde 1997 – podem procurar essa informação que tem na internet.

Ainda em Osaka aconteceu um fato bizarro. Tinha um francês muito chato no nosso hostel, e ele não era apenas chato, ele era maluco. Sabe aquele personagem bem estereotipado do doidão que ficou mais maluco ainda por causa do uso de drogas? Que é tão caricato que você nem acha real? Era ele. O cérebro do cara devia ter derretido já, sem falar que o sotaque (ao falar inglês) era puxado demais pro francês. Não dava para entender nada do que ele dizia e ainda dava vontade de rir. O cara me pediu dinheiro, me pediu meias (??), queria me mostrar umas músicas que ele fazia. Ele grudou em mim. Até ai tudo bem, eu fugia dele pelo hostel e ele parecia bonzinho. Até um dia em que fomos cedinho pegar nossas roupas no topo do prédio (estavam secando, pois tínhamos lavado) e quem estava lá, dormindo ao relento como um escoteiro de meia idade que abusou da bebida nos últimos anos? Nosso amigo francês. E não, ele não estava dormindo, que erro, ele estava MUITO acordado, a mente a um trilhão por hora enquanto eu tinha acabado de abrir os olhos. Sei que ele falou, falou, falou e quando olhei o rapaz estava pendurado no parapeito do prédio (perninhas balançando pra baixo e tudo), olhando pra mim e perguntando “Será que eu morro se cair daqui?”. Sim, ele morreria.
Eu estava tão entorpecido que só pensei “Ah pronto, agora o cara vai morrer e vai fuder nosso passeio do dia”. No fim deu tudo certo, ele não caiu, conseguiu se puxar de novo pra cima e eu pude sair de lá o mais rápido possível. Quando voltamos para o hostel ele tinha ido embora, mas depois vimos ele andando em uma avenida em Osaka, em direção ao horizonte. Lendas dizem que ele anda até hoje procurando alguém para encher o saco. Vá com deus meu doce príncipe.
E agora que eu já falei sobre todas essas cidades, posso contar das vezes em que eu quase vomitei nelas. Uma em Tóquio e outra em Hiroshima. Ambas ao comer algo que não consegui processar direito no restaurante. Mas quero tirar uma coisa da frente – adorei a comida no Japão, mesmo. Não sou o maior admirador de peixes e frutos do mar e mesmo assim gostei muito, mas tem algumas coisas que não me descem. O primeiro causo aconteceu quando tentei comer um okonomiyaki de frutos do mar. Um jeito rude de descrever o okonomiyaki é dizer que ele é uma espécie de omelete, e nesse restaurante em que fomos (como em outros vários), o garçom prepara o prato na sua mesa, que é na verdade uma chapa quente. Então ele joga tudo ali: peixes, camarão, ovo, outros bichos estranhos e faz a massa. Bom, comecei a comer, estava até que curtindo, mas aí me deparei com um gosto intragável pro meu paladar. Dei aquela leve arqueada pra frente, sabe o semi movimento estomacal que seu corpo faz para avisar que algo vai sair pela boca? Me segurei, respirei fundo e tentei de novo. Opa, quase regurgitei tudo de novo. Foi nessa hora que a Marina percebeu o que estava acontecendo e invés de me ajudar começou a gargalhar histericamente. Eu ali tentando vomitar com discrição e ela estragou tudo. Bom, respirei mais uma vez e pensei “agora vai”. Não foi. Quase que um okonomiyaki desconstruído voltou a mesa, e pior que era uma chapa, então ia virar omelete de novo. Vendo o absurdo da situação e não aguentando mais as risadas de minha amada mulher resolvi cuspir de forma discreta o maldito pedaço de comida.
A outra vez em que quase passei vergonha no restaurante foi em Hiroshima e essa nem tem nada a ver com frutos do mar. Eu singelo e com fome resolvi não errar e pedi um arroz frito com frango. Mas, meus amigos, veio o frango mais vivo e triste da história no arroz. Eu quase podia ouvir ele implorando “não me coma”. De novo resolvi encarar, de novo não deu certo e de novo a Marina riu de mim. Dessa vez fui mais rápido em desistir do prato.
Essas foram minhas desventuras gastronômicas no Japão, espero que elas não tenham estragado o apetite de alguém. E sim, eu sempre consigo introduzir algum detalhe escatológico nos textos. Desculpe.
Bom, por hoje é isso.
Beijos Quentes