A volta dos que não foram

Algumas coisas acabam com um grande estouro, outras falecem devagar e de forma deprimente. Esse blog acabará apenas com um punhado de bobagens escritas em uma época um pouco mais raivosa da minha vida. Foi logo que voltamos para o Brasil e eu me deparei com o fim da viagem e o limbo que me esperava. Confusão é eufemismo para definir. 

É impactante essa história de peregrinar por aí. Peregrinamos sim, sem direcionar a devoção a algum credo ou religião, mas sim a vida. Foi uma lufada de oxigênio em nossas existências que já estavam se asfixiando. 

Foi bom, mas foi complicado voltar (para mim). 

Enfim, leia para entender. Apesar de já haver tempo que o texto original foi escrito, algumas sensações persistem. Outras não. A partir do parágrafo abaixo é o texto quase original já em terras brasileiras.

Escrevo mais uma vez acompanhado do bolor agourento que habita o fundo do poço escuro que existe dentro de todos nós. Sim, esse é um capítulo especialmente soturno, até para meus padrões, pois é a última atualização deste blog. Ele vai acabar, como tudo na vida. É melhor que as coisas cheguem logo ao fim, o encontro com o verme primordial é o maior evento na existência de qualquer ser (?) e eu já estava prolongando esse sofrimento além da conta. O blog respirava por aparelhos e eu estou agora puxando todos os fios possíveis da tomada. 

Na última e longínqua atualização eu descrevi a última parte de nossa viagem grega, com a visita ilustre de Vera Miguel na terra do Minotauro. 

Saímos do ensolarado mediterrâneo para a sempre misteriosa e enevoada Londres. O plano era visitar alguns amigos queridos antes de voltarmos para o Brasil. Sim, isso mesmo, já tínhamos traçado o plano de pisar em solo tupiniquim desde nossa viagem de carro pela Turquia. A Marina foi acometida pelo mal da saudade e do desejo de começar uma vida nova, eu, sempre teimoso, insisti em continuar a jornada de aventuras e brigas pelo mundo. No fim chegamos a um acordo no meio do caminho: em Agosto iríamos para o Brasil por um mês e depois partiríamos para a África, para a pernada final da viagem. A Europa foi riscada dos projetos, afinal ninguém estava a fim de vender o corpo para continuar a aventura. 

Resumindo, a ideia era passar uma semana em Londres, visitar amigos, beber, partir para o Brasil e depois partir para a África, arranjar mais brigas (possivelmente com um leão), fazer amizades, beber, descobrir uma cidade perdida e depois, quem sabe, voltar para o Brasil como os maiores aventureiros vivos. 

Não deu nada certo. 

Mentira. O plano deu parcialmente certo.

De fato fomos para Londres, ficamos abrigados na casa de amigos, descansamos, bebemos, comemos e nos divertimos demais. Se tem uma coisa que essa viagem me ensinou foi a valorizar os encontros com pessoas queridas e fico feliz de ter visto um pessoal que é raro pelas bandas das Américas. Inclusive fica aqui o meu agradecimento pelo melhor acolhimento possível. Não vou entrar em detalhes sobre as peripécias inglesas porque elas envolvem risadas inebriadas e piadas internas, ou seja, você teria que estar lá para apreciar. A cidade é incrível, mas melhor do que eu descrever para vocês é assistir Velozes e Furiosos 6 (um dos melhores da franquia), que apresenta Londres de forma estupenda. Não mostra os grandes museus, as charmosas feiras de rua ou os milhares de programas interessantes que existem nessa metrópole cosmopolita, mas mostra uns baita carrões acelerando perto daquela roda-gigante pega turista trouxa. Assista. 

E eis que após a curtição chegou a hora de voltar. Claro que antes de pisar no Brasil não poderíamos deixar de nos enfiarmos em mais um “perrengue transportacional”. Acompanhe só o rôle. Saímos de Londres dia 31 de Julho às 16 horas. Pegamos um ônibus até Genebra e por isso atravessamos a França inteira durante a madrugada. Chegamos à Suíça lá pelas 11 horas da manhã. Esperamos um pouco e aí às 15 horas do dia 1 de Agosto pegamos um avião, sabe para onde? Isso mesmo. Londres. Voltamos para onde estávamos, esperamos mais umas boas horas e aí sim, lá pelas 22 horas, embarcamos pro Brasil. Oras, para que fazer tudo isso? Porque o voo saía bem mais em conta dessa forma, não me pergunte a razão. Nós só seguimos o fluxo maluco do capitalismo aéreo. 

E foi assim que no dia 2 de Agosto pisamos no Brasil de novo. Mas por pouco tempo, certo?

Não. Foi nesse ponto que nosso plano ruiu. A nossa ponte brasileira foi engolida por um tsunami de sensações e sentimentos e, para resumir uma fase bem atribulada dessa jornada, acabamos ficando por aqui. A África tornou-se um sonho febril para dias futuros que talvez nunca cheguem, mais um objetivo que morreu e virou estrelinha na constelação das ideias que não aconteceram. Quem quiser entender melhor os motivos dessa mudança toda pode acompanhar o Instagram da Má (@sejogaai), não vou entrar nesses detalhes aqui, senão o texto ficará maior do que a paciência de vocês.

Tentamos também fazer uma jornada pelo Brasil (para compensar a África), que foi um fracasso parcial. Viajamos por mais ou menos duas semanas, passamos por lugares incríveis, mas não atingimos nenhum dos nossos grandes objetivos e então tivemos que voltar. Se pensarmos bem tudo na vida é um fracasso parcial, esse foi só mais um.

Posso falar, no entanto, sobre como é voltar. Vou resumir, porque eu tinha escrito um desabafo de mais de 2 mil palavras, mas já é 2021 e sei que todo mundo tá bem cansado.

A volta é foda.

Não no começo, nem no final, nem no meio. É foda de um jeito diferente. É bom. Mas é foda.

É uma onda de alegria. Tem a surpresa e o sorriso das pessoas que te amam e a certeza de que alguém ainda gosta de você (será?). Mas aos poucos, como um ser rastejante no escuro, a dúvida vem. E a dúvida, nesse caso, é uma grande enfermidade. É a doença de chagas da alma. 

Foi o sentimento mais agridoce que já senti. Nunca me senti tão em casa e tão deslocado ao mesmo tempo.

A dúvida coloca em cheque a volta. Não o ato de pisar de novo no país e na cidade natal, mas a volta verdadeira, a volta que começa quando você sente o calor claustrofóbico do abraço da rotina e das pulgas infernais que pulam em você a partir desse contato desconfortável. A falta de dinheiro, a pressão para um emprego decente, o caminho esperado. Afinal você já desperdiçou um tempo da sua vida né? Melhor colocar tudo nos trilhos agora. Mas também tempo é o que não falta, o que são alguns meses de rebeldia calculada frente às décadas regradas. Nada. Assim como foi também o ato de escapar. Será que não foi nada? Será que no fundo os revoltados de boutique foram recolocados na colossal esteira da inexorável produção em massa que rege nossas vidas com a mesma facilidade que um homem faminto abre a geladeira na madrugada? Sim e não. Lembro que pensei nisso quando, em uma festa, disse para um amigo que também gostaria de viajar que “um ou dois anos não são nada perto de uma carreira longa”. Na hora eu falei como algo positivo e encorajador, mas depois a ferida da dúvida começou a infeccionar. Será que existia algum valor no que tínhamos feito se depois de tudo poderíamos ser engolidos de novo pelos mesmos monstros que lutamos para escapar?

Enfim, é mais ou menos assim que a dúvida começa a atacar. Fazendo você questionar o valor das suas experiências, fazendo você se comparar com outros e fazendo você se sentir inseguro sobre qualquer decisão, seja ela referente a sair por aí ou não. 

Mas no fundo é claro que o que foi feito tem seu valor. Trouxemos conosco uma série de aprendizados e experiências que nem a rotina mais insossa pode apagar (espero muito). A vida não se mede só por quem se acha mais rebelde ou desalinhado, afinal o que é se desalinhar dos caminhos esperados? No fundo somos todos escravos de alguma coisa, não importa o quão desconectado e desapegado você seja. A gente gosta é de se enganar. 

Então acho sim que tudo o que fizemos teve algum (muito) valor e o negócio depois é tentar moldar o mínimo a rotina para um caminho que interesse mais e esteja mais alinhado com os aprendizados da jornada. Mas é custoso entender esse sentimento. Isso é. Eu passei essas últimas linhas todas tentando me convencer disso.

O objetivo é ficar em paz. Ou ser sempre incomodado. O meio termo não dá. Dá sim para entender que a felicidade (se existe), essa, não tem mesmo um percurso claro. Não precisamos fazer isso ou aquilo ou aquilo lá. Não digo para ninguém se conformar com uma vida merda ou nada dessas baboseiras (ser conformado é uma bosta), mas só para ter certeza que suas decisões refletem o que você quer. Só faça algo. De uma forma ou de outra todo mundo é otário. Melhor ser um otário (parcialmente) feliz.

Confuso né? Oras, essa volta é confusa.

E olha que eu abordei só uma das grandes aflições que o fim da jornada proporciona. Ninguém merece escutar (ler) mais sobre isso.

Feliz 2021

Beijos Quentes

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