
Olá, voyeurs da desgraça, glutões da vergonha alheia e acumuladores de experiências terceirizadas. Para os bravos que ainda leem isso aqui venho com mais uma dose de trevas importadas. Preparam-se, minha alma está sombria, afinal este é mais um capítulo em que falo sobre os malditos deslocamentos de viagem.
Quem acompanha o blog há certo tempo já sabe que esses momentos de transferência de localidade são sempre estressantes. Sim, nós estávamos de carro na Turquia e dirigir por estradas estrangeiras é quase sempre um prazer, mas depois de visitar as praias do sudoeste do país precisávamos voltar (de carro) até a Capadócia, pegar um ônibus para Istambul e depois pegar mais outros dois ônibus para a Bulgária. E a Turquia não é um país pequeno, então imagina a trabalheira que foi fazer isso tudo. Olha, quem disse que o importante é a jornada e não o destino com certeza não ficou mais de 20 horas torto em um banco de transporte coletivo com a coluna gritando socorro e o nariz captando os mais desagradáveis cheiros. O negócio é não ter destino, pois aí tudo é jornada e tudo destino e as experiências boas e ruins se misturam em um grande caldeirão borbulhante que não dá a mínima para seus anseios por conforto, ou seja, eu fui usar uma metáfora e não sei mais do que estou falando.

Voltamos por uma rota diferente da vinda e dessa vez fomos beirando o mar por boa parte do caminho. Passamos por cânions, vales e vilas praianas lindas, tudo no meio daquele cerrado mediterrâneo que é ao mesmo tempo familiar e estranho. Em dado momento viramos para o norte, em direção ao miolo do país, e foi aí que o caminho ficou realmente interessante. Cortamos uma bela cadeia de montanhas, um amontoado de rochas poderosas que ainda não tínhamos visto na Turquia. O sol queimava com gosto no céu, mas sem força, pois o ar estava quase gelado. Certa hora as nuvens tomaram conta do firmamento e a luz deu aquela impressão de se espalhar por aí filtrada por uma lente, o que deixou o percurso todo ainda mais único. De repente começamos a ver vários vendedores de mel na estrada, como se estivessem brotando do chão. Resolvemos parar em uma das mil barraquinhas que dizia ter o melhor mel da região, todas sinceras e todas mentirosas, para tomar um chá. Alguns minutos e uns dois chás depois tínhamos um novo amigo, que provavelmente era gentil por exercício da profissão e tudo bem, pois nós estávamos, mesmo que inconscientemente, cumprindo nossa cota de contato local (coisa que tanto nos cobramos). No fim foi uma transação comercial nos mais diversos sentidos. Engraçado isso de “contato local”. É possivelmente uma das coisas mais valiosas que a viagem pode trazer, mas em certos momentos, principalmente quando você não quer falar nem com a sua mãe com um bolo de cenoura na mão, é também um dos maiores pesos para se carregar, porque você fica se cobrando o tempo inteiro se não está inserido na cultura do país, se não está fazendo amigos, se não conheceu pessoas com histórias incríveis e etc… E tem horas meus amigos, tem horas que tudo que o “coitado” do viajante quer é pagar barato numa cerveja e contemplar a paisagem sem qualquer atividade que envolva comunicação profunda com outros seres.

Depois de terminado nosso rabisco pelas colinas turcas finalmente voltamos para Konya, onde passamos uma noite e depois voltamos para Capadócia por uma parte do caminho que, aí sim, já tínhamos percorrido.
Tivemos uma última madrugada na Capadócia antes de devolver o carro na tarde seguinte, por isso decidimos tentar ver mais uma vez os malditos balões que salpicam o céu de Göreme e região. Fizemos (de novo) todo o ritual: acordamos às 3 da manhã, andamos no escuro até um mirante, experimentamos um leve frio e esperamos. Para quem não se lembra, um tempo antes passamos mais de uma semana na região e não vimos um mísero voo de balão devido ao mau tempo, mas desta vez estávamos esperançosos, pois pelo caminho até o topo do morro encontramos diversos balões sendo preparados para darem bom dia para o sol já na altitude.
Nosso azar “balonesco” tinha ido embora. Será? Talvez. Não. Acho que não. Droga. Ele não foi embora.
Foi mais ou menos assim a sequência de pensamentos que passou pelas nossas cabeças até percebermos que mais uma vez a Capadócia iria nos “decepcionar”. Malditos balões, fomos até a grande área, sofremos pênalti, convertemos a cobrança e aí o VAR veio para anular tudo. Não me pergunte a razão, mas de última hora tudo foi cancelado e mais uma vez ficamos sozinhos nas colinas de Göreme. Não é de todo ruim, afinal testemunhamos mais um rasgar de luz no céu do nosso amigo cheio de hélio naquela região esplendorosa, mas, de novo, sem balões. Pro inferno com balões. Agora já estou até conformado e feliz que esses aeróstatos horrendos não atrapalharam nossa vista. Menos lona no céu e mais natureza. Abaixo a intervenção do homem no espaço aéreo.

Depois de mais essa tentativa frustrada deixamos Göreme para devolver o carro em Kayseri, uma cidade próxima. De lá começamos o rodeio do transporte público: esperamos algumas horas em uma rodoviária, pegamos um ônibus de mais de dez horas, chegamos em Istambul, ficamos em um hotel na rodoviária que gostaria de ser motel, pegamos um ônibus (de mais umas boas horas) logo no dia seguinte para Burgas, passamos pela fronteira, chegamos e esperamos mais um tempo para pegar outro ônibus para Sófia. Foram mais ou menos 5 dias desde que saímos de Ölüdeniz para finalmente chegar ao nosso destino na Bulgária. O melhor é que dava para ir direto de Istambul para Sófia, mas por uma mudança de planos repentina e uma pitada de nossa corriqueira burrice aumentamos ainda mais o tempo de viagem. Não foi nenhum perrengue extremo e tudo foi bem tranquilo, mas estávamos naquele momento da viagem que qualquer coisa que demorasse mais de alguns minutos enchia o saco, então imagine o nosso humor após essa dose nada módica da malha rodoviária turco-búlgara.

Alguns dos ônibus que pegamos tinham televisões embutidas no encosto de cabeça do banco da frente, como a maioria dos aviões, mas com um sistema bem mais precário. Tão mais precário que grande parte das televisões não funcionavam, mas em uma das pernas da viagem assisti um filme inteiro. Um filme chinês. Em turco. E deu para entender tudo. E não é piada não, realmente deu para acompanhar a história, mas claro, era um filme de artes marciais (coisa que eu amo), por isso o enredo não era dos mais rebuscados e dependente de falas. Nada como a linguagem universal da porrada.
E foi assim, de forma cambaleante, meio torta e movida a muita batatinha e refrigerante que demos tchau para a Turquia, um país que chegou de mansinho no nosso itinerário, mas que nos cativou e rejuvenesceu nosso desejo por conhecer. Ficamos mais de mês por lá e ainda faltou muito para desbravar, por isso digo sem medo, podem ir para a Turquia, é um país incrível.

E aproveitem, porque caso ocorra um acidente e vocês acabem um pouco a esquerda do mapa em um lugarzinho chamado Europa, aí meus amigos, aí o monstro que devora contas bancárias aparece e não sobra ninguém vivo. Mas nossas aventuras na terra das coisas caras serão temas dos próximos blogs.
Beijos quentes