Japão ou o capítulo do karaokê embriagado

Esse relato cobre os eventos de 03/20/2018 a 11/10/2018

Olá,

Amigos, amigas e aventureiros virtuais

Sim, sou eu com mais um relato da nossa jornada por esse mundão bizarro. Antes de começar o relato gostaria de descrever o contexto em que ele foi escrito originalmente (lembrando que esse blog é uma adaptação da minha newsletter). Escrevi boa parte do texto no avião indo para Hong Kong (saindo do Japão) e sempre quis pagar de executivo atarefado e importante. Fiquei o tempo todo imaginando que a chinesa ao meu lado estava espiando com o rabo do olho eu digitando furiosamente em um IPad e imaginando que eu talvez fosse o fundador de alguma startup que parece cool mas no fundo é só tosca (como a maioria), ela atuaria em algum segmento perverso que expulsasse a decadência da nossa sociedade – talvez um serviço como Uber, mas em que o motorista sempre tivesse a mesma opinião política que você, algo assim. Enfim, o importante é que para ela eu era uma figura misteriosa, um “big shot” do vale do Silício com uma esposa colombiana exótica (não falem pra Marina que chamei ela de colombiana), não uma pessoa medíocre com um complexo de grandeza escrevendo memórias para meia dúzia de almas amarguradas que encontram (ou não) uma fuga fácil de suas vidas nessas palavras tortas. O fato é que não consegui manter essa ilusão por muito tempo, pois logo comecei a me sentir enjoado devido a combinação da atividade de escrever com o balanço do avião. Minha meteórica carreira no vale do silício tinha chegado ao fim.

As casinhas de Shirakawa

O último relato cobriu diversas cidade por onde passamos no Japão, mas ainda tinha mais o que visitar por lá.

Ao sair de Osaka fomos para Takayama, uma cidadezinha simpática mais perto das montanhas. Foi lá que eu fiquei no melhor hostel de toda minha vida: limpo, aconchegante, banheiros ótimos, muita informação sobre a região e um pessoal que não puxava papo no hall. Eu sei, conhecer pessoas é muito legal durante viagens, às vezes a parte mais legal, mas eu não sou muito aberto para esse lance de novas amizades e acho um saco ter que começar uma conversa com alguém que nunca vi na vida. Tem gente que ama esse tipo de coisa, como tem gente que tem fetiche com xixi. Sempre vai ter um maluco para gostar de coisas estranhas (e por estranhas leia: qualquer coisa que eu não goste. O quê? O blog é meu, eu que defino o que é estranho por aqui).

Para continuar com minha tradição de comparar lugares com cidades do estado de São Paulo, poderia dizer que Takayama tem uma pitada de Campos do Jordão. Arrumada, bonita e com preços exorbitantes. Ainda bem que ficamos pouco tempo por lá. Aliás foram só duas noites, nosso grande objetivo era visitar uma vilazinha perto da cidade chamada Shirakawa.

Shirakawa é um lugar incrível, uma vila nas montanhas, à beira de um rio cor de jade e cercada de muito verde. É um dos raros locais no Japão que ainda mantém um estilo específico de arquitetura tradicional (veja as fotos) e por isso é um patrimônio mundial da UNESCO. Vou ser extremamente clichê e brega, mas preciso dizer isso: visitar Shirakawa é como voltar no tempo. Me senti olhando o cenário de algum filme do Kurosawa, talvez “Os Sete Samurais”. Caso Kikuchiyo aparecesse correndo feito um ensandecido brandindo uma espada e gritado eu juro que não me surpreenderia. No fim Shirakawa é uma vila com grande valor histórico, mas para quem cresceu assistindo Os Sete Samurais e lendo Musashi esse tipo de lugar tem uma aura especial. É aquela magia do Japão que atingi a turma mais estranha que acabou mergulhando fundo demais na cultura oriental.

Ainda em Shirakawa

Depois da nossa visita à Shirakawa voltamos para Tóquio. Que lugar, que lugar. Uma cidade especial, com certeza. É difícil falar em local favorito no Japão, pois tem Kyoto nesse páreo, mas acho que pra mim fica empatado. Tóquio tem aquela magia de grandes metrópoles de que qualquer coisa é possível, de que seu dia pode começar de um jeito e terminar de uma maneira completamente inesperada. Sabem como é? Acho que São Paulo consegue passar essa impressão nos seus melhores dias – afinal você pode começar no trânsito, passar por um boteco legal e interessante no centro e depois terminar numa vala qualquer. Então, Tóquio tem isso e além. Além porque é uma grande metrópole, mas que funciona, diferente do que temos no BR, por exemplo. Além porque lá dá para ir de 0 a 100 em algumas estações – da avalanche epilética que são lugares como Shibuya e Shinjuku a calmaria de Mitaka e Itabashi. Além porque lá é a terra de Dragon Ball, Pokémon, Nintendo e eles fazem questão de lembrar você toda hora disso. Enfim, já toquei nesse ponto no texto anterior, só queria reforçar essa aura especial que tem a cidade.

Harajuku – muitas pessoas, poucos cosplayers

Nosso primeiro dia de volta à casa do Ultraman foi marcado por uma possível burrice. Eu, que já reclamava da quantidade de eletrônicos que carrego na viagem fui lá e fiz o que? Isso mesmo, comprei um Nintendo Switch. Em uma ode aos deuses da impulsividade adquiri mais uma coisa. Precisava? Não. Temos dinheiro para isso? Não, eu estourei o budget, obviamente. Estou me divertindo até o momento? Sim. Acho que valeu a pena então. Um leve adendo – como jogar Overcooked sem se divorciar?

Resultado disso tudo, minha mala ficou mais pesada, mas depois me livrei de várias coisas então tudo se equilibrou. Quem precisa de vestimentas quando se tem um videogame?

Falando em despachar eis aqui o gancho para nosso segundo dia, que foi marcado pelo nosso primeiro e único embate com a burocracia japonesa. Nosso plano sempre foi despachar coisas do Japão. Tanto nossas mochilas menores quanto os mochilões estavam pesados. Eu na verdade só iria despachar a base do Switch e deixar algumas roupas no país mesmo. Mas a Má tinha um monte de coisa para enviar pro Brasil, desde roupa, até um tênis de trilha e uma parte da mochila dela. Tudo isso mais souvenires que compramos pra famílias.

Chegando no correio, após aquela corrida matinal na chuva que alegra qualquer alma, já fomos agraciados com uns funcionários mau-humorados, coisa rara no Japão. Queríamos comprar uma caixa para colocar tudo, mas o infeliz que estava no balcão pegou nossa sacola de muambas e começou a xeretar. Aí japonês vai, japonês vem, conversa com a supervisora, da risada da nossa cara, etc… o resultado desse processo foi o seguinte: poderíamos despachar apenas os souvenires, as outras coisas usadas não. Claro, ninguém falava inglês e o rapaz ria toda hora que eu mostrava o Google tradutor. No fim foi isso, estávamos com frio, fome e metade das nossas coisas ainda em mãos. Obviamente a culpa foi nossa, pois somos desinformados e perdidos e não tínhamos ideia do que se poderia enviar para outro país ou não. Olha só, para pessoas que saíram por aí viajando o mundo nós conseguimos ser bem burros algumas (muitas) vezes.

Rainbow Bridge

Essa segunda temporada na cidade também foi marcada por encontros especiais. Primeiro uma noite regada a cerveja com o Sukita e a Surya, uma dupla bacana demais que encontramos mais de uma vez em Tóquio (e minha amizade com o Sukita era basicamente online, por isso acreditem em seus amigos virtuais, só desconfie se eles te chamarem pra um encontro em um beco escuro em horários pouco convencionais), depois foi a vez de conhecermos a Nat e o Ale do @360sabados, um casal querido que encontraríamos de novo pela viagem e, claro, encontramos o Ale, que já mencionei no primeiro texto sobre o país.

Claro que encontros assim podem levar ao consumo de álcool, mas é complicado ficar bêbado no Japão, muito caro. Quem diria que cair de maduro no meio da estação de metrô seria apenas para os mais abastados. Aliás essa é uma cena que acontece de verdade, em certa sexta-feira à noite voltando tarde de Shibuya tinha uma galera doida de pedra caída na estação. Talvez sejam reflexos de uma sociedade um pouco reprimida – quem mora aqui nos falou que é assim, muita gente bebe até cair mesmo, mais de uma vez por semana.

Aliás essa foi a vez que peguei o metrô mais lotado da minha vida. Bom demais pegar o último trem pré fim de semana em um bairro boêmio e turístico. Rolou até guardinha empurrando a galera para caberem mais pessoas no vagão (como vemos na TV). Realmente o japonês pensa muito no coletivo, me admirou ver o indivíduo se aglutinando à massa de carne e suor para voltar para a casa como uma unidade, um ser único.

Eu achei divertido, sou turista né, mas se estivesse voltando para o lar após um dia estressante de trabalho ficaria o tempo todo rosnando minhas ameaças vazias pra galera, como faço no trânsito de SP.

Metrozão cheio – mas aí já estava bem mais vazio do que quando entramos

O dia seguinte foi marcado por uma visita decepcionante a Harajuku, onde eu esperava ver uma turma vestindo roupas esquisitas e uns cosplayers que decepcionam os pais diariamente, mas só encontrei lojas, uma multidão de gente e a única pessoa vestida de forma “engraçada” que eu vi foi um turista usando saia. Mas o bairro é gostosinho e fica bem melhor sem 45% da população do Japão nele (voltei lá depois).

Nesses dias de Tóquio também fizemos duas viagens relâmpagos, uma para. Kamakura, cidade perto do oceano e com um clima muito gostoso. Clima não, “vibe”. O clima em si estava horrível, quente demais, estou transpirando até agora só de lembrar. Lá tem alguns templos bonitos e um Buda gigante bem legal, da um Google aí. Esse dia também foi marcado por um almoço com uma amiga japonesa da Marina (fomos com ela) em que pagamos a conta por gentileza e por um momento achei que não teria dinheiro nem para voltar. Tivemos que fazer um malabarismo econômico pra sobreviver às horas seguintes.

O Buda de Kamakura

Outra viagem que fizemos foi para o monte Takao, um lugar que tem algumas trilhas bem bacanas. A ideia era subir o monte e ver o Fuji de longe, já que não pegamos a temporada boa pra conhecer o vulcão de perto, mas tinha neblina pra tudo quanto é canto e não vimos nada. Quer dizer, dá para ver Tóquio lá de cima, o que já é incrível. As trilhas são legais, tem uma que é tomada por uma mata super fechada que acompanha o rio, parecia cenário da Princesa Mononoke. E o melhor é que saímos da natureza e no fim do dia pegamos um trem e em uma hora estávamos em Shibuya de novo, nosso último jantar em Tóquio tinha que ser lá. Finalmente a Má conseguiu ter a experiência de um “sushi de esterinha”, e eu que não sou bobo nem nada experimentei o maior feito gastronômico do Japão, o sushi de hambúrguer. Aprovado. Inclusive melhor que qualquer sushi de atum (não me matem, por favor, eu não sou fã de peixe).

Monte Takao

Mas o momento mais marcante de Tóquio parte 2 foi nosso karaokê com locais. Isso mesmo, pegamos uma noitada de karaokê com japoneses “de verdade”. Isso aconteceu pois de dia fomos contar sobre nossa viagem para uma galera na escola de inglês em que meu amigo, o Ale, trabalha. Era uma “free talk class”. Foi muito bacana e deu para interagir com uma turma diferente, desde adolescentes até senhorinhas que estão estudando a língua (até autografo demos). O melhor foi que depois recebemos o convite para um happy hour cantante e foi mágico. Para vocês terem ideia tinha um japonês no grupo com o apelido de Charlie Brown, em homenagem ao personagem de mesmo nome do Lost In Translation. A cantoria aconteceu em uma salinha minúscula com mais tons de marrons do que eu poderia imaginar que existem, mas muito bem equipada, até pandeiro eles têm para acompanhar quem canta. Claro, como se pede em um bom karaokê a galera encheu a cara, inclusive a gente. Charlie Brown é um astro, o cara cantou, dançou e conseguiu suar mais que eu quando jogo bola. Até o tema de entrada do Dragon Ball Z ele cantou, em japonês, é claro. Eu cantei. Sei que isso parece bobagem, mas quem me conhece sabe que evito os caminhos da melodia vocal com todas minhas forças, mas era o Japão e eu estava bêbado, então por que não homenagear o Seal?

A turma da nossa talking class. Consegue adivinhar quem é o Charlie Brown?

E foi nesse dia que eu aprendi algo importante – para ser japonês “de verdade” você precisa passar em algum teste de canto, não é possível. Todo mundo canta bem! Eu, que já sou um desastre, quase fui deportado quando abri a boca.

Enfim, essa foi uma noite inesquecível.

E foi assim que terminamos nossa estadia no Japão, um lugar memorável para mim. Hoje já se foram mais de 9 meses de viagem e passamos por lugares fantásticos, mas ainda tenho lembranças muito especiais de lá. É longe, é caro, mas é incrível.

Beijos Quentes

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Japão 2 ou o capítulo das muitas cidades visitadas

Esse relato cobre os eventos de 23/09/2018 a 02/10/2018

Olá, aflito leitor(a). Pode acalmar seu coração e alegrar a alma, o bálsamo de cada dia para combater as mazelas da realidade e a dureza chamada vida está de volta. Espero que o capítulo de hoje não o faça desistir de tudo. Calma, alguma coisa ainda vale a pena. Eu espero. Pelo menos hoje eu conto como já quase vomitei em restaurantes japoneses, então viva o suficiente para ler sobre isso.

O último relato tratou apenas de Tóquio, mas a partir de agora vou acelerar um pouco as coisas, ou terei que escrever sobre essa viagem para sempre.

Nosso próximo destino no Japão foi Kyoto, um lugar que curtimos demais. Calma, tradicional e animadinha ao mesmo tempo. O melhor jeito de classificar Kyoto, para mim, é dizer que é uma baita cidade gostosinha.

Demais ver a vida da cidade florescendo as margens do Shirakawa. A melhor coisa que fizemos lá foi alugar umas bicicletas e se perder, se perder foi legal (de novo). Passamos pelo templo dourado, pela floresta de bambus (não encontrei o Silvio Santos lá), pelo magnífico rio cor de jade até chegar, já a noite, em uns bairros residenciais afastados, onde vi uma molecada jogando baseball a beira do rio. Perguntei se eles assistiam Super Campeões e ninguém me deu moral. Fui chamado de Gaijin por uma senhora e ainda comemos em um restaurante local. Um belo dia.

Kyoto foi isso pra mim, uma cidade incrível com vários templos fascinantes e cenográficos, mas que ao mesmo tempo não se resumia apenas a cultura, pois consegue mesclar isso com diversão e comida (que é um sinônimo de diversão). E falando nisso, quase ia me esquecendo, rolou mais um momento de leve euforia emocional – visitei, sem querer, um templo pertíssimo de uma das batalhas mais famosas do Musashi (foi o Sanjūsangen-dō). É aquela em que ele acaba de vez com o clã Yoshioka. Aliás, o templo em si era bem legal, tinham 1001 estátuas de uma mesma entidade budista, e não era qualquer estátua mequetrefe não, posso dizer com segurança que a empreitada deu trabalho viu. Só estátua TOP (me perdoem o uso da palavra). Se você não sabe quem é Musashi desculpe a menção aqui, mas a sua história foi parte integral da minha adolescência e também culpada em me viciar em assuntos nipônicos e fazer eu pensar que um dia poderia ser o samurai estrangeiro que chega do nada no Japão e começa a quebrar todo mundo na porrada. Eu. Que mal sei andar sem escorregar. Enfim, em um momento da minha vida essa fantasia foi intensa e real.

A tradição em Kyoto

Ainda em Kyoto fizemos uma viagem bate e volta pra Nara, que tem vários templos, um parque bacana, uns veados e mais uma porção de turistas. Legal mesmo lá. Talvez o local mais cenográfico do Japão, um país extremamente cenográfico. E também com o melhor “Big Buda” de todos os Budas gigantes que já vi pela viagem. Mas o mais bacana foi ter ido lá, sem querer, no dia em que estava acontecendo um festival local. Era em homenagem a uma mulher da corte do imperador (Nara já foi capital do Japão) que foi rejeitada por ele e se afogou num laguinho local (rapaziada intensa né). Enfim, o festival consiste no lago ser enfeitado com lanternas (bem bonito) e gelo seco enquanto uns barcos ficavam passando com atores cantando e encenando a história toda. Foi bem interessante, mas fiquei decepcionado. Digo isso pois: sei lá por qual razão enfiei na cabeça que no fim da encenação eles colocariam fogo nos barcos. Ia ser uma baita visão, já estava escuro, seria legal de tirar fotos. Imagina o barco pegando fogo em contraste com a luz das lanternas? Mas porra, fiquei esperando, esperando e nada das chamas surgirem. Quase fui eu lá encher tudo de gasolina e jogar um fósforo. Nara me agradou, mas não satisfez minhas fantasias piromaníacas. 

Telas de Osaka

Depois disso fomos para Osaka, cidade em que não fizemos nada e foi demais. Quer dizer, SOBREVIVEMOS a um tufão lá (que no fim foi só uma chuva forte). E comemos. Muito. Porra, achei Osaka demais para comer. Tem um centrinho animado, (de novo) a beira do rio, tudo iluminado, beira o ataque epilético. Mas é bacana. Ficamos dormindo em Osaka e fizemos algumas viagens de 1 dia para cidades “próximas”. Fomos para Miyajima, Hiroshima e Himeji. Miyajima é a Ilhabela japonesa, viraria um pescador lá com certeza, muito bonito. Em Hiroshima só visitamos o Memorial da Paz – pesado, intenso e algo que todo mundo deveria conhecer.

O Tori

Himeji é uma é baita cidade legal, parece moderna, mas é calma. E aí no meio dos Predio tem um PUTA castelão bonito. Um colosso branco pairando sobre a cidade. Entrar lá foi uma experiência bem interessante, ainda mais para quem jogou muito Tenchu quando jovem. Tentei fazer um desenho do castelo uma hora que sentei em um de seus terraços, sabe, dar uma de artistão que puxa o caderninho no meio do rolê para desenhar algo? Então, queria ser assim, mas eu sou reprimido demais. Qualquer pessoa que passava atrás de mim quase me causava um infarto. Não preciso nem dizer que o desenho ficou tão bom quanto o plantel das últimas eleições no Brasil. Ficou ohh. Show. Depois visitamos o jardim anexo ao castelo. Amigos, que mágica que tem os jardins japoneses né? Uma capacidade de acalmar a alma impressionante, sem brincadeira. Um tanque com carpas no quintal faz toda diferença, pode providenciar um agora.

Vista do castelo em Himeji

Em Himeji também experimentei um dos pontos baixos da minha vida. Entramos em um game center (lugar dos sonhos com um milhão de fliperamas legais, mas os japoneses só escolhem os mais estranhos de música para jogar) e perdi para Marina no Mario Kart (após ganhar uma, claro). Não perdia no Mario Kart desde 1997 – podem procurar essa informação que tem na internet. 

O castelo

Ainda em Osaka aconteceu um fato bizarro. Tinha um francês muito chato no nosso hostel, e ele não era apenas chato, ele era maluco. Sabe aquele personagem bem estereotipado do doidão que ficou mais maluco ainda por causa do uso de drogas? Que é tão caricato que você nem acha real? Era ele. O cérebro do cara devia ter derretido já, sem falar que o sotaque (ao falar inglês) era puxado demais pro francês. Não dava para entender nada do que ele dizia e ainda dava vontade de rir. O cara me pediu dinheiro, me pediu meias (??), queria me mostrar umas músicas que ele fazia. Ele grudou em mim. Até ai tudo bem, eu fugia dele pelo hostel e ele parecia bonzinho. Até um dia em que fomos cedinho pegar nossas roupas no topo do prédio (estavam secando, pois tínhamos lavado) e quem estava lá, dormindo ao relento como um escoteiro de meia idade que abusou da bebida nos últimos anos? Nosso amigo francês. E não, ele não estava dormindo, que erro, ele estava MUITO acordado, a mente a um trilhão por hora enquanto eu tinha acabado de abrir os olhos. Sei que ele falou, falou, falou e quando olhei o rapaz estava pendurado no parapeito do prédio (perninhas balançando pra baixo e tudo), olhando pra mim e perguntando “Será que eu morro se cair daqui?”. Sim, ele morreria.

Eu estava tão entorpecido que só pensei “Ah pronto, agora o cara vai morrer e vai fuder nosso passeio do dia”. No fim deu tudo certo, ele não caiu, conseguiu se puxar de novo pra cima e eu pude sair de lá o mais rápido possível. Quando voltamos para o hostel ele tinha ido embora, mas depois vimos ele andando em uma avenida em Osaka, em direção ao horizonte. Lendas dizem que ele anda até hoje procurando alguém para encher o saco. Vá com deus meu doce príncipe.

E agora que eu já falei sobre todas essas cidades, posso contar das vezes em que eu quase vomitei nelas. Uma em Tóquio e outra em Hiroshima. Ambas ao comer algo que não consegui processar direito no restaurante. Mas quero tirar uma coisa da frente – adorei a comida no Japão, mesmo. Não sou o maior admirador de peixes e frutos do mar e mesmo assim gostei muito, mas tem algumas coisas que não me descem. O primeiro causo aconteceu quando tentei comer um okonomiyaki de frutos do mar. Um jeito rude de descrever o okonomiyaki é dizer que ele é uma espécie de omelete, e nesse restaurante em que fomos (como em outros vários), o garçom prepara o prato na sua mesa, que é na verdade uma chapa quente. Então ele joga tudo ali: peixes, camarão, ovo, outros bichos estranhos e faz a massa. Bom, comecei a comer, estava até que curtindo, mas aí me deparei com um gosto intragável pro meu paladar. Dei aquela leve arqueada pra frente, sabe o semi movimento estomacal que seu corpo faz para avisar que algo vai sair pela boca? Me segurei, respirei fundo e tentei de novo. Opa, quase regurgitei tudo de novo. Foi nessa hora que a Marina percebeu o que estava acontecendo e invés de me ajudar começou a gargalhar histericamente. Eu ali tentando vomitar com discrição e ela estragou tudo. Bom, respirei mais uma vez e pensei “agora vai”. Não foi. Quase que um okonomiyaki desconstruído voltou a mesa, e pior que era uma chapa, então ia virar omelete de novo. Vendo o absurdo da situação e não aguentando mais as risadas de minha amada mulher resolvi cuspir de forma discreta o maldito pedaço de comida.

A outra vez em que quase passei vergonha no restaurante foi em Hiroshima e essa nem tem nada a ver com frutos do mar. Eu singelo e com fome resolvi não errar e pedi um arroz frito com frango. Mas, meus amigos, veio o frango mais vivo e triste da história no arroz. Eu quase podia ouvir ele implorando “não me coma”. De novo resolvi encarar, de novo não deu certo e de novo a Marina riu de mim. Dessa vez fui mais rápido em desistir do prato.

Essas foram minhas desventuras gastronômicas no Japão, espero que elas não tenham estragado o apetite de alguém. E sim, eu sempre consigo introduzir algum detalhe escatológico nos textos. Desculpe.

Bom, por hoje é isso.

Beijos Quentes