
Do calor, da sujeira e da poeira eis que surge mais um episódio de alegria em suas vidas. Sim, amigos, está começando mais um capítulo do blog mais exclusivo do Brasil
Esse relato é sobre a experiência mais impactante que tivemos no ano, quem sabe na vida. Falando em ano, como está o seu até agora? Sei que no mínimo está sendo agitado, pois o mundo parece uma bagunça no geral. Mas não aquela baguncinha agradável, aquela baguncinha que começa como um churrasco despretensioso e termina com um nível muito além do recomendado de Velho Barreiro consumido, “Coração Sertanejo” no som e um revival da banheira do Gugu na piscina. Não. As coisas estão mais pro estilo “o tio voltou bêbado de novo do forró e está violento” de bagunça. Nada agradável.
Será que algum lugar do mundo está legal no momento? Quer dizer, eu passei por vários lugares legais, não tenho do que reclamar, mas eu não moro neles e sei que a maioria (senão todos) tem sérios problemas socioeconômicos. Vira e mexe me sinto culpado por estar visitando e me divertindo em um país com qual não concordo com políticas ou pior, está ou esteve envolvido em alguma atrocidade. Mas se eu fosse barrar lugares da nossa lista de viagem por isso quase não sobraria pra onde ir. Por exemplo, não fomos pra Myanmar por causa do massacre recente de muçulmanos, mas fechamos os olhos pra várias outras coisas – nada como uma dose diária de hipocrisia. Acho que esse tema rende um post em si, posso continuar outro dia.
Mas vamos falar de coisas mais leves, como a guerra no Camboja e uma população quase que totalmente dizimada.
Calma, brincadeira, teremos pontos de alívio cômico nesse capítulo.
Caso vocês não lembrem o último capítulo terminou conosco saindo do Vietnã após a festança glacial em Ha Long Bay e indo pro Camboja, em direção ao nosso trabalho voluntário.
Eu estava nervoso, vou confessar. Pra variar criei uma pressão desnecessária sobre o fato, me preocupando se realmente conseguiria ensinar e ajudar essas crianças (ia lá dar aula de inglês). Além disso era uma situação muito fora da minha zona de conforto, teria que ter um nível de envolvimento com outros que quem me conhece sabe que não é meu forte. Enfim, fomos encarar.

Já vou adiantar aqui que foi uma experiência maravilhosa, daquelas de mudar a vida mesmo. Um soco de realidade. Eu sei (acho) que todo mundo do grupo restrito de leitores do blog é instruído e tem noção das diferenças sociais que existem no mundo, dos nosso privilégios e facilidades. Eu também sabia disso tudo e achava que conhecia da vida. Mas estar lá é diferente, é a materialização de um discurso interno que até o momento era só isso mesmo, um discurso. A porra da pirâmide de Maslow despencando na sua cabeça pra te fazer ver como os níveis inferiores são pesados e importantes. Água, comida, higiene. Ao aprender o tema na faculdade isso aí nunca foi preocupação.
Desculpe se no momento meu discurso flutua pro lado do “iluminadão do voluntariado”, mas eu nunca tinha participado de ações tão intensas assim. Já tinha ajudado a cuidar de crianças no natal em uma escola no centro de São Paulo, ajudado a organizar mantimentos para Mariana e feito aquela ocasional doação de fim de ano para as crianças da creche Mãezinha, em Itu (sim, esse lugar existe). Ações rápidas e de pouco envolvimento. Sei que você, lendo isso, pode ser bem mais experiente que eu nesse quesito, e nesse momento eles devem estar lendo e pensando “no shit, Sherlock”. Juro que o momento iluminadão vai acabar.
Enfim, foi bom e foi diferente. Fica a reflexão que no atual momento eu devo ter feito mais pelo Camboja do que jamais fiz pelo meu país, algo que quero mudar no futuro.

Claro, alguns podem argumentar que a minha mera presença radiante nas ruas de São Paulo contribuiu pra elevar a moral dos trabalhadores brasileiros ao longo dos anos, mas eu não sei se foi pra tanto. Caso você não tenha notado o momento iluminadão já acabou e agora vou voltar pro relato.
Chegamos em Siem Reap e já tinha um motorista do projeto nos esperando. Mal pisamos no Camboja e já estávamos em direção ao voluntariado, onde ficaríamos duas semanas. A escola, ou centro, em que trabalhamos fica a uns 40 kms da cidade, numa vilazinha rural. As estradas não são uma maravilha e em dado momento viram de terra, por isso mesmo um carro bom leva uns 40 ou 50 minutos pra chegar lá.
Já era noite quando fomos recebidos por Rady, o idealizador do projeto, e algumas crianças que nos esperavam para dar um oi. O primeiro contato com elas já deu a tônica de como seriam os próximos dias. Bagunça, muitos apertões e abraços. Elas amam o toque, não sei se por carência emocional ou por serem um povo afetivo, desconfio que mais pelo primeiro quesito. Eu não sou a pessoa mais carinhosa que já pisou na terra, e mesmo sabendo onde estava indo e porque estava indo isso me causou estranheza. Esse excesso de contato que a molecada necessitava. Inclusive às vezes enchia bem o saco, para ser sincero, mas acostuma e, inclusive, amolece o coração.
Como estava tudo escuro não deu pra ver muita coisa, só que a escola operava em uma estrutura bem simples, com duas casas de bambu para as crianças mais carentes da vila dormirem, uma cozinha quase a céu aberto, um chuveiro e um toalete (depois comento sobre a qualidade deles). Algumas casinhas de madeira serviam como classes e uma outra casa maior, também de madeira, era um grande quarto pros voluntários, no caso nós eramos os únicos lá no momento. Logo fomos dormir. Ou tentar. A ansiedade dentro de mim era quase opressora.

O dia seguinte era segunda-feira, mas feriado, uma data comemorando o fim da guerra civil que assolou o país, por isso não teve aula, mas fomos com uma caravana de crianças conhecer a vila. Na verdade não tinha muito o que conhecer, o local é formado por algumas casas e plantações que beiram uma grande estrada de terra vermelha. Andamos com a molecada por quase toda essa estrada, passando por casas simples até uma rua pavimentada que é a marca não oficial do fim daquela comunidade. Visualmente o lugar me lembrou muito a savana africana. Plano, com horizonte longínquo, muita vegetação seca e amarela, plantações de arroz inativas e algumas árvores aqui e ali. Sem falar que tudo lá tem tons de laranja e vermelho, principalmente por causa da poeira que toma conta de tudo. A poeira vermelha da estrada que gruda em tudo e em todos. Eu lembro da vila e imediatamente lembro dessa poeira, um lembrete incômodo da realidade do local, algo que te puxa de novo para uma realidade que não é nem um pouco melhor do que um sonho. Considerando que estávamos no Camboja, talvez o visual devesse ser mais de floresta tropical do que o que vimos, não sei se o cenário em questão foi construído pela interferência do homem ou aquela região em particular é assim

Sem falar que é bem quente, andar por ali onde não tem tanta oferta de sombras é muito cansativo. O calor é diferente do que senti na Tailândia, que era úmido como Manaus. Ali era seco. Enfim, calor gera suor, e suor, com a já supracitada poeira, gera uma pasta grudenta e irritante que é parte integral do “milanesa do Camboja”.

As casas da vila são, no geral, bem módicas, por falta de um termo melhor. Geralmente de madeira ou bambu e apenas com um cômodo onde todos dormem juntos, cozinham, etc… muitas delas são suspensas, quase como em palafitas, apesar de eles não serem uma população ribeirinha ou morarem em uma área de inundação. É simplesmente tradição, até porque o espaço que fica embaixo das casas é usado para relaxar, armazenar coisas e para lazer. Grande parte delas não tem eletricidade ou acesso a água, por isso muitas crianças gostam de ficar na escola, que tem uma infraestrutura melhor que a média da região. Aliás, água por ali é só de poço, encanamento e saneamento básico são um sonho distante.
É um lugar bem pobre.

Outra coisa que observei durante essa primeira andada pela vila e que confirmei nos outros dias: o povo por aqui adora camisetas de futebol. Camboja é um país que parece ter seguido os conselhos de moda do Rafael de 15 anos, que acreditava que camiseta de time, shorts de tactel e chinelo é o único visual possível. Aqui muita gente anda assim. Meninos, meninas, adultos, eu…. No começo achei que era paixão pelo esporte, mas comecei a tentar a puxar papo sobre o tema e ninguém entendia muito. Depois saquei que aquelas camisetas do Barcelona, Juventus e Real Madrid só estavam vagando pelas ruas porque deviam ser as mais baratas nas lojas. Se você ainda não entendeu, obviamente não eram camisetas oficiais. Mas importante dizer, eles adoram esporte por aqui, principalmente vôlei e futebol, mas não necessariamente conhecem esses times que citei.
Depois que demos esse nosso passeio pela vila voltamos pra escola e ficamos brincando com as crianças até o almoço. Todas refeições eram bem simples e locais, o Rady mesmo que preparava tudo. Acho que ao longo dos dias comi carne de cobra e com certeza tomei uma sopa de formigas, mas normalmente o que comíamos eram vegetais e frango. Com arroz, claro.

O período da tarde desse mesmo dia foi uma experiência meio traumática pra gente, pois o Rady saiu e nós ficamos tomando conta das crianças, só que sem ele lá (e talvez pela excitação de nosso primeiro dia) elas viraram uns capetas. Ficavam brincando com coisas como facas (??), se batiam, gritavam, fizeram guerra de talco e água, sujaram a escola inteira e em dada hora começaram a comer larvas da folha de bananeira. Nós ficamos igual baratas tontas tentando entender o que fazer e como controlar aquela horda de adoráveis delinquentes. No fim desse primeiro dia eu já estava cansado e bem do arrependido. Mas depois as coisas melhoraram. Nada como uma noite de sono quase em coma pra curar esse tipo de coisa.
Vou dividir o post em 2 partes, pois tem bastante coisa para contar. Agora que a vila e as crianças já foram apresentadas no próximo texto vou detalhar nossa rotina e as peripécias em que nos enfiamos – por exemplo, participamos, sem querer, de dois casamentos. Aguarde.
Beijos Quentes