
Olá argonautas do desespero, continuamos nos balançando nessa velha nau esburacada chamada vida. E eis que mais uma tormenta se forma no horizonte, porque chegou a hora de ler mais um post deste famigerado blog.
É com esse discurso motivacional que abro o relato abaixo.
Os que ainda não se perderam na cronologia bizarra da nossa viagem devem se lembrar que no último episódio narrei as estranhezas búlgaras. Nosso tempo por lá terminou e nos deslocamos de forma demorada, barata e cansativa (um busão) até a Grécia, mais precisamente Atenas.
Saímos às 19 horas de Sófia e chegamos às 6 na capital da democracia. Mal pulamos da nossa lata fumegante e fomos logo prestar homenagem ao berço da sociedade ocidental – e tem jeito melhor de homenagear os valores coletivos que gritam tão alto aqui na nossa parte do mundo do que dormindo com sem-tetos em uma praça qualquer? Pois bem, foi o que fizemos.
Vou explicar melhor. Talvez um pouco de contexto seja necessário. Ninguém (com opção) sai dormindo na rua assim do nada, só talvez o meu tio Glauber, que bebia demais e inventava de guardar a chave de casa no orifício auricular, esquecia, e depois não conseguia mais abrir a porta. Enfim, não foi o que aconteceu com a gente.
A Grécia seria um país diferente para nós, afinal por lá teríamos a visita da Vera, a mãe da Má. Por isso o ritmo foi mais de férias do que de mochilão e aventura – acomodações e transportes receberam um upgrade. Em Atenas alugamos um Airbnb gostoso e com ótima localização, só que tinha um problema, só poderíamos entrar nele depois do almoço, lá pelo meio da tarde. Como alguns devem se lembrar, chegamos quase de madrugada na cidade, ou seja, tínhamos umas boas horas para matar antes de poder desfrutar de uma cama.

Talvez pessoas mais normais não tivessem dificuldade em encontrar atividades para fazer o tempo correr, afinal não faltam locais para visitar em Atenas, mas nós estávamos carregando a preguiça acumulada da viagem, nossas malas gigantes e ainda sob efeito de uma noite mal dormida, a famosa “noite de ônibus sacolejante”. Por isso fomos andando do ponto em que descemos até a praça mais perto do nosso futuro Airbnb, sentamos, deitamos e relaxamos. Era uma praça bonita? Não. Era um lugar limpo? Não muito. Tinha uns restos de comidas no chão que lembravam o intestino de um ser humano? Sim. Parecia mais o centro de São Paulo (não de um jeito bom)? Sim. Mas nada disso nos impediu de se aprochegar por ali, afinal a essa altura da viagem já tínhamos nos enfiado em cada lugar estranho que confraternizar com moradores de rua europeus poderia ser classificado como experiência chique. Não duvido que se houvesse tempo para uma troca de ideias histórias incríveis surgiriam do papo, mas todo mundo ali só queria descansar. E foi tudo bem tranquilo, cada um em seu canto e uma paz reinando no nosso berço de concreto.
Depois disso bastou entrar no apartamento (já liberado) e buscar a tão esperada Vera, a mãe da Marina, no aeroporto. Foi uma explosão de afeto, lágrimas e gritos quase contidos (em que eu também participei). A essa altura já estávamos há quase 1 ano fazendo bobagens pelo mundo e a minha fiel companheira estava no auge da saudade de casa e da família. Vera veio como um bálsamo para as feridas emocionais que afligiam nossa dupla. Pense em um nível de ansiedade e emoção bem acima do normal, junte isso com uma personalidade efusiva e intensa e temos a pequena bomba de energia chamada Marina. Agora pense que a mãe dela é parecida (quase igual). E agora pense (juro que é a última vez que escrevo isso) em como foi o encontro delas depois de quase 12 meses. Um espetáculo digno de “Chegadas e Partidas”. O melhor de tudo: conhecer a Grécia era um sonho da minha querida sogra, por isso ajudamos ela a realizar um antigo desejo – foi uma sensação muito boa, me senti quase como um Luciano Huck bem menos cusão e explorador da desgraça alheia.

Após o pico de euforia causado pelo encontro inicial, fomos curtir um pouco de Atenas.
Foram 3 dias que passaram voando. Comemos muito, bebemos consideravelmente, tomamos sorvetes de tamanhos titânicos e andamos com o afinco de antigos heróis gregos. Resumindo, nos divertimos demais. A cidade, pelo menos a parte turística, é linda. Andar alguns metros e ver o antigo templo de Hefesto compartilhando o horizonte com uma barraquinha de gyros é indescritível. A cada esquina é possível tropeçar em uma ruína com mais de 2.000 anos. É muita história em um lugar. E muito turista também. Andar no mesmo solo onde Sócrates um dia verbalizou como os Sofistas eram uns cuzões é inebriante, mas compartilhar esse solo com mais meio milhão de pessoas que não tem nem interesse em saber o que aconteceu ali é, sei lá, brochante. Não que todo mundo deva gostar de história, saber o que se passou e babar ovo pra uns tiozões de roupão de quase 3.000 anos e o caramba, mas poderia rolar um pouco mais de interesse. O turismo nessas cidades parece reduzido ao exercício de álbum de figurinhas, basta colecionar o que está indicado nas páginas, mas não conhecer. Ou melhor, acho que “checklist” é uma metáfora melhor que álbum. Sei lá. No fundo é tudo um julgamento de valor meu, obviamente. Muita gente e muito calor fazem isso comigo. Enfim, a impressão que dava era que Atenas, para muitos, era só uma paradinha básica para a Ilha mais próxima. E acho que era isso mesmo né? Qual o problema? Cada um viaja do jeito que quer. Mas que eu posso criticar os outros na minha cabeça (e no meu blog), isso eu posso. Eu reclamo tanto que nem um fio de Ariadne poderia me ajudar nesse labirinto cáustico que as vezes minha mente se torna.

O importante é que eu andei pra cá e pra lá em Atenas, sempre castigado por Hélio e transpirando o equivalente a um mar Egeu enquanto julgava os outros. Nesse meio tempo conheci lugares espetaculares, como o Estádio Olímpico, a ágora, a acrópole e mais um bando de locais onde não encontrei nenhum dos cavaleiros do zodíaco. Enquanto visitava essa porrada de marcos históricos me perguntava, como perdemos tanto desde a antiguidade clássica? Fomos de estudos astronômicos avançados e o crème de la crème da filosofia para uns camponeses sujos de lama sendo chicoteados por uns malucos com coroas na cabeça – e eu nem estou falando da Idade Média.
Como já disse, nosso modus operandi de viagem tinha mudado na Grécia. Era para turistar intensamente e nós turistamos intensamente (mas com curiosidade). Foram dias de risadas e muitos abraços acumulados. Apesar de ter reclamado um monte logo acima ali no texto, eu gostei de Atenas. Só faltou ficar mais alucinado que um gambá e gritar umas verdades para a população da praça.
Mas o melhor da nossa epopeia grega ainda estava por vir, o desbravamento de algumas ilhas. De Atenas fomos para Creta, um paraíso mediterrâneo, mas esse é o tema do próximo post.
Beijos Quentes
Se me emociono toda vez que tenho a chance de reviver essa viagem? Sim! E vc descreve cada momento com humor, poesia e amor! Quero logo esse livroooooo
Sensacional!! Amei ler essa crônica e por instantes me deixei levar e viajei com vocês.