China 4 ou o capítulo dos “perdidos no parque”

Esse relato cobre os eventos de 14/09/2019 a 19/09/2019

Olá companheiros de jornada.

Peço perdão pela demora para atualizar o blog, mas estava enfiado em umas trilhas cheias de neve no meio dos Himalaias. Isso mesmo, nada demais, só arriscando minha vida perto das maiores montanhas do mundo, e você o que andou fazendo? Como foi a aula de pilates essa semana? (Desculpa, eu acho horrível esse sentimento de “minha vida é mais legal”, até porque não é, mas esses últimos dias foram especiais demais – vou “me achar” um pouco).

Mas esse relato aqui é sobre a China, não sobre o Nepal, então vou voltar até o ponto onde o último texto terminou. Após o final feliz da desastrosa estadia em Xangai embarcamos em um trem para Zhangjiajie, uma cidade que fica próxima de um parque nacional de mesmo nome. Um lugar que eu também nunca acerto a grafia, por isso perdoem os possíveis erros nesse humilde escrito.

Enfim, Zhangjiajie é uma cidade bem mais ao sul que Pequim e também um pouco mais ao interior/oeste do que todas que tínhamos visitado (mas ainda naquela faixa perto da costa onde praticamente a China inteira vive), se eu disser que está no sudoeste chinês seria bem errado.

A cidade é bem sem graça, cinza e em construção – aliás, a China parece um país em construção, todo lugar que íamos tinha obra, obra, obra…talvez um reflexo dos saltos econômicos das últimas décadas. O interessante é que a região em volta da cidade é sensacional. Montanhas sagradas, grandes lagos, parques nacionais e até vilas antigas e super tradicionais. Se algum de vocês for para lá um dia use Zhangjiajie apenas como base e conheça os arredores.

Os leitores mais fiéis devem se lembrar que Xangai foi uma cidade marcada pelo descanso e a falta de saúde intestinal, algo que deu uma desanimada geral na viagem e para com a China. Zhangjiajie foi uma cidade de perrengues, mas foi também sensacional, reabasteceu nosso ânimo. Aaaa China, sua grande montanha-russa.

No nosso primeiro dia visitamos a Montanha Tianmen, um complexo de escarpas com um pico bem bonito que fica bem colado a cidade. Para chegar lá (ou descer de lá) vale pegar o teleférico – é o maior caminho de teleférico do mundo e bacaninha de usar. O dia estava nublado, o que limitou a visão, mas ao mesmo tempo cortamos as nuvens com nosso bondinho super vitaminado. O ruim foi ter esperado 2 horas na fila, pois na China tudo é fila (quando a fila existe). O topo da montanha é incrível, normalmente acima das nuvens e o clima lá é sempre de “mistério e sagrado”. Também tem umas passarelas de vidro para você andar na beira da montanha e olhar para o precipício abaixo. Achei bem sem graça, mas tinha uma galera com medo. Acho que nem todo mundo pode sustentar a(s) alcunha(s) de: Nathan Drake BR, Wolverine Brasileiro e Indiana Jones Brasuca. Por enquanto as únicas coisas que me colocaram medo na viagem foram os desarranjos intestinais e o medo de ser um fracasso constante apenas fingindo pro mundo que sei fazer algo que presta. Acho que talvez o segundo ponto deveria ser debatido com um psicólogo, não com vocês aqui.

Voltando.

O teleférico gigante

Subimos o teleférico e descemos por umas escadas até a base da montanha, onde pegamos um ônibus de volta para o ponto de saída do bondinho. Na base fica um negócio chamado “Porta do Céu”, que é uma abertura gigante entre as rochas e para chegar lá você sobe (ou desce) uma escada de 999 degraus. É incrível porque realmente parece que você está indo em direção a algo divino, mas ai um batalhão de pessoas cuspindo ao seu lado te lembra que é só uma atração turística.

A porta pro céu anda um pouco congestionada

Voltamos de ônibus pela estrada das 99 curvas (tudo tem “9” pois é um número sagrado para o Taoísmo chinês), um caminho bem bonito e bem propício para agitar as entranhas dos mais frágeis.

A montanha Tianmen é um lugar especial, mas como a maioria dos locais na China, estava bem cheia. Gostaria muito de conhecer o lugar com calma e silêncio, deve ser uma experiência quase espiritual.

Estrada das 99 curvas

O segundo dia foi um dia de burrices e perrengues. Fomos até o Parque Nacional de Zhangjiajie, que tem muita coisa, mas a atração principal é uma cadeia de montanhas que parecem pilares saindo da mata (erosão devido ao vento e chuva). Sim, são aquelas montanhas do filme Avatar. Uma vista incrível.

Chegamos ao parque pelo portão errado, pois pegamos o ônibus quase errado (digo “quase errado” porque erramos o portão, mas chegamos aonde queríamos) graças a maravilhosa rodoviária da cidade e nossa falta de capacidade para acertar o transporte. Logo percebemos que tínhamos um parque todo para atravessar durante o dia, pois a atração que queríamos ver era perto da entrada contrária à nossa e era lá também onde deveríamos pegar a van mais barata de volta até a cidade.

Parece uma tarefa simples, mas lá dentro a locomoção é feita por uma frota de ônibus própria e não da para entender muito onde eles vão parar. Não ajudou o fato de não termos um mapa ou tradutor. Andamos a esmo até que chegamos em um ponto que tinha um elevador gigante que parecia o único jeito de acessar aonde queríamos chegar. Só que o elevador era muito caro, ficaríamos com o dinheiro contado após ele (a entrada do parque já tinha sido bem cara). Provavelmente existia um outro jeito de chegar até nosso objetivo, mas estávamos cansados e pelo o que vimos as atrações chinesas funcionam assim: sempre existe o jeito “fácil” e caro de fazer as coisas (como chegar em um lugar por teleférico ou elevador) e o jeito difícil, que normalmente é mais barato e pouco divulgado. Optamos pelo jeito fácil e a vida nos deu uma rasteira.

Para acelerar a história – pegamos o elevador, nos perdemos na parte “de cima” do parque, achamos o caminho para o portão que queríamos sair, era longe, tínhamos que pegar um teleférico mas o dinheiro havia evaporado. Para melhorar era cerca de 4:30 da tarde e a última van para cidade saia às 18h.

Por sorte encontramos um casal de canadenses (únicos outros gringos no local) que conhecia uma trilha para evitar o teleférico. Economizamos o dinheiro que não tínhamos, mas não chegamos em tempo de pegar o transporte. Estávamos longe do nosso hotel, sujos e sem dinheiro. Mas é nessas horas que a mágica acontece.

Ficamos no mesmo hostel que os canadenses, pois era dentro do parque, só que não tínhamos dinheiro para pagar. Eles pagaram pra gente e minha irmã conseguiu transferir grana via paypal para eles. No fim terminamos a noite imundos, sem nossas coisas, sem dinheiro, mas trocando ideia com uns canadenses ao pé de umas montanhas chinesas. Eles ainda pagaram várias cervejas para nós. Foi bizarro e sensacional, como a vida consegue ser às vezes.

Única foto que temos dos nossos salvadores

No dia seguinte conseguimos voltar ao nosso hotel – eu de ressaca e ambos quebrados, por isso me premiei com uma coca e um McDonald’s da vitória. Nada como comida de baixa qualidade e alto teor de gordura para agradar um homem simples.

Aaaa mas e o parque, vocês estão se perguntando – Sim, o parque é foda. Bem cuidado e com uma floresta fechada, que parece quase tropical, é inundado de montanhas e elevações de granito. As montanhas Avatar são surreais, vale conhecer. Vou colocar algumas fotos aqui mas elas não fazem jus ao que é ver aquele complexo de pilares gigantescos que pairam sobre um mar verde. É uma visão quase onírica.

Avatar mountains com uma intervenção minha
Parece cenário de Jurassic Park

E o parque ainda tem outras atrações, como uma floresta de macacos, alguns monastérios, um lago… A entrada vale por 4 dias, então da para ir e voltar e conhecer tudo com calma (algo que não fizemos pois somos BURROS). Aliás vale ficar mais tempo em Zhangjiajie, ficamos 3 dias completos, mas gastamos o último dia no hotel resolvendo algumas coisas que explicarei a seguir.

Ponte natural

Último adendo antes de prosseguir – já falei isso lá em cima, mas vou desenvolver melhor o pensamento agora: as atrações na China tem boa estrutura e acesso fácil, e normalmente esse acesso fácil é o modo easy e tranquilo para conseguir informações e etc… e eles deixam o jeito “alternativo” mais difícil de encontrar/acessar. É elevador e bondinho em tudo quanto é trilha. Se cortassem metade dessas engenhocas dava para diminuir em uns 60% o número de velhos e famílias turistando por ai. Eu quando for velho vou querer ficar jogando video game em casa, que se dane o mundo. (É uma piada gente, calma).

Enfim, nosso último dia em Zhangjiajie foi de pesquisa e tranquilidade. Tranquilidade porque estávamos quebrados e ficamos a maior parte do tempo na horizontal e pesquisa pois em dois dias pegaríamos um voo para o Japão de Hong Kong, e sabe o que estava prestes a acontecer em Hong Kong e o resto do sul da China? O Tufão mais maligno dos últimos anos 🙂

Ficamos domingo analisando nossas possibilidades e vimos que o melhor seria esperar a tempestade e observar a situação depois. Nosso trem sairia às 15h de segunda-feira para chegar terça-feira de manhã em Shenzhen, de onde passaríamos para HK. O tufão veio, passou e não fez muita coisa por lá, porém O ÚNICO trem cancelado do dia sabe qual foi? Isso mesmo, o nosso. Não dava para atrasar nossa chegada para HK pois o avião iria partir quarta-feira de manhã, ou seja, chegaríamos lá terça a tarde para só dormir e ir pro aeroporto. Qualquer trem de Zhangjiajie para Shenzhen tem mais de 15 horas de duração e todos estavam lotados. Enfim, na correria maluca da estação de trem onde ninguém falava inglês conseguimos, segunda de manhã, passagens para um trem que partia no mesmo dia mas só tinha lugar no vagão em que você vai sentado. 18 horas. Sentados (antes íamos no vagão leito). E não, não são assentos tipo de avião ou de trem bala, eram umas cadeirinhas de plástico mais tristes que a vida de um mágico de festas infantis. Duras e apertadas. Foram 18 horas em um vagão lotado, com todo mundo se espremendo e fazendo malabarismo para dormir. Foi complicado, mas pelo menos assisti Blade Runner 2049 nesse trem! Meu deus que filme maravilhoso. Quase mostrei pro chinês ao meu lado, pois todo mundo tem que conhecer.

O trem antes de encher – ainda dava pra deitar

Dito isso, conseguimos chegar vivos em Shenzhen e finalmente HK. Ficamos pouco tempo lá, pois voltaríamos pós Japão, mas gostei do clima de “cidadezona proibida”. Um lugar global, mas ainda com personalidade. Nada glamuroso como uma Nova York da vida, mas com aquele clima de “porto de filme noir”. Acho que eu assisti filmes demais de Jackie Chan, Bruce Lee, John Woo e cia, mas HK tem uma aura muito bacana pra mim. Algo suspeito sempre parece estar acontecendo.

Depois de toda essa jornada partimos pro Japão, um dos meus países mais aguardados da viagem. Um pequeno spoiler, eu amei aquele lugar.

Tóquio é meu paraíso e onde salvarei o mundo da invasão Kaiju, mas Kyoto é onde morarei após ser idolatrado pela humanidade.

Mais do Japão no próximo post.

Beijos Quentes

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China 3 ou o Capítulo da Xangai Escatológica

Esse relato cobre os eventos de 10/09/2018 a 13/09/2018.

Eu fiquei em dúvida se deveria escrever um post dedicado apenas a Xangai (vou escrever com X mesmo). Não aconteceu muita coisa na nossa estadia de três dias por lá. Quer dizer, não aconteceu muita coisa no sentido de conhecer/explorar lugares novos, mas eu garanto que meu corpo estava em atividade intensa. Isso mesmo, apertem os cintos e tirem as crianças da sala, o episódio de hoje será escatológico (e prometo que a partir daqui esse tema quase não aparecerá mais nos textos).

O leitor de boa memória se lembrará do episódio da montanha da discórdia, em Xian, onde excedemos nossas capacidades físicas. Pois bem, logo na madrugada do dia seguinte já pegamos um trem para Xangai, então imagine nosso estado físico ao chegar lá.

Para resumir bem: nossa estadia em Xangai foi oh, show de bola.

Ela foi marcada por uma diarreia poderosa e uma dor física que me fez sentir como o meu falecido avô deve ter se sentido quando quebrou o fêmur já nos últimos anos de sua vida. E fora que o ponto alto de emoção desses incríveis três dias foi visitar (ou melhor, caçar) um hospital chinês.

Enfim, graças a minha “condição” não fizemos nada demais, pois mal conseguia sair. Ficamos em uma área bem turística perto do rio (o Bund) e só posso falar que Xangai a noite é bacana, ou parece ser, algum dia vocês podem visitar a cidade e me contar.

Xangai parece legal 1

Mas ai você pode pensar “dor de barriga é tranquilo pô, não precisa fazer esse drama ai”. Sim, verdade. Até certo ponto, pois a que me afligia era daquele estilo “nada vai ficar aí dentro”, e durou uns três dias. E tem mais, essa aventura intestinal tinha um outro grande ponto de tensão – no nosso último dia lá eu ainda estava passando bem mal e sabia que em pouco tempo pegaríamos um trem de 22 horas, na terceira classe, para chegar até outra cidade. Deixa eu repetir: 22 horas, quase 24 horas (que são um dia inteiro), em um lugar fechado, cheio de pessoas e sacolejante, com as tripas escorrendo por certo orifício. E o banheiro do trem não é o melhor lugar do mundo para sentir que sua alma está escapando do seu corpo pelo ânus. Sem falar que pegar trem envolve todo um trâmite logístico que requer tempo e paciência, coisa que alguém que não está conseguindo ficar 30 minutos longe do banheiro não tem.

Xangai parece legal 2

Durante aquele meio dia que tinha até embarcar na locomotiva da morte eu me senti no seriado “24 horas”. Sabe quando o tempo que falta para algo ruim acontecer pisca na tela com um efeito sonoro? “5:30 até os terroristas castrarem o cônsul”. Então, cada minuto que passava (e eu ainda estava mal) era acompanhado desse efeito visual *vintequatrohoristico* na minha mente. Só que no caso do Jack Bauer o “algo ruim” era o presidente morrer ou algum lugar explodir, e ele podia atirar em todo mundo para resolver os seus problemas. No meu caso o “algo ruim” envolveria muita vergonha em um possível episódio de “defequei em público” e o pior, a única coisa que eu podia fazer a respeito era comer algumas maçãs e beber muita água.

Por isso a Marina resolveu tomar o protagonismo desse filme de terror que se desenhava e me convenceu a caçar um hospital. Primeiro fomos em um lugar que nosso seguro de viagem indicou e estando em Xangai, uma cidade bem cosmopolita, eu estava tranquilo em relação a comunicação. Ledo engano, pois chegando lá descobrimos que ninguém entendia a gente. Nem a porcaria do tradutor. Por sorte um senhor muito simpático, que era paciente do hospital, resolveu nos ajudar e atuou como intérprete, mesmo que o inglês dele não fosse dos melhores. Após uma discussão, que pareceu fervorosa, com um dos médicos, ele nos disse que eles não tratavam daquilo naquele hospital. Achei estranho, afinal quem não trata uma diarreia? Mas após visitar um segundo hospital e receber a mesma resposta na cara, percebi que: ou não existe conceito de clínico geral na China e os hospitais são bem especializados ou nós estávamos nos comunicando de forma muito errada.

Não deixe o andar sereno te enganar, esse homem estava nervoso pra caramba

O resultado disso foi que andamos um bom tempo na chuva (e eu nem preciso lembrar vocês da minha situação) igual umas baratas tontas por partes nada bonitas da cidade.

No fim achamos um hospital bem grande em que conseguimos nos entender e entrar nas engrenagens do sistema de saúde chinês. É confuso, mas funciona. Tem um guichê no lobby do hospital que você precisa visitar para pagar por tudo que quer fazer, por exemplo: para fazer uma consulta você paga antes e depois sobe até o andar do médico e espera sua vez, aí se o médico pede exames você volta para o guichê, paga, e aí vai fazer os exames, se depois precisar comprar remédios é a mesma coisa.

Esperando a consulta

E foi exatamente por isso que passamos, mas no fim foi tudo até que rápido e eu completei todo o processo no hospital mesmo – fui ao médico, fiz o exame de sangue menos higiênico da minha vida, o resultado saiu rápido e já passei para outra consulta. No fim comprei os remédios indicados e corremos para a estação de trem.

Conseguimos chegar a tempo, os remédios fizeram efeito e eu não passei mal durante a viagem sobre trilhos. Não passei mal, mas passei fome, pois só estava comendo uma maçã por dia ainda.

O tal do exame de sangue

Foram uns dias bem ruins, mas já que eu não conseguia fazer quase nada, pelo menos assistimos Missão Impossível no cinema ao lado do hotel. Foi a primeira vez que fomos ao cinema na viagem. Tudo tem um lado bom.

Antes de me despedir gostaria de falar sobre um fenômeno chinês que já tinha visto na internet, mas que foram bacanas de presenciar ao vivo. Principalmente em Pequim e Xangai.

O mercado chinês tem fama de produzir cópias, certo? Mesmo que a cópia seja tão ruim que não parece em nada a coisa original (os famosos bootlegs). Então, aqui você encontra a galera na rua com umas roupas sensacionais (sei que não é só com roupa que acontece), já vi marcas como:

– Diordio Armani

– Girgio Armanu

– Givencho Paris

– Givenchy ParLs

– Yvo Saint Lauren

– Suprem

– Superme

– Supren

– E qualquer coisa que pareça o logo da Supreme. Os caras amam essa marca e tem uns vestuários em que nem parece que tá escrito Supreme. Sério, se alguém colocar CARAPICUÍBA em um retângulo vermelho numa camiseta branca vai vender igual água na China.

O legal sobre essas cópias bizarras é que vi tanto em bairros mais pobres quanto em locais mais nobres, ou seja, a falsificação não conhece barreiras sociais por aqui.

Não que eu ligue pra marca que o pessoal tá vestindo na rua, afinal eu ando com a mesma camiseta três dias seguidos e tenho apenas dois shorts, mas achei uma informação divertida de se compartilhar. Caso você tenha achado essa parte do texto uma perda de tempo pode ligar para meu celular e registrar sua queixa.

E é com essa frase mal criada que me despeço de vocês.

O próximo capítulo é sobre o maravilhoso parque de Zhangjiajie e uma de nossas maiores aventuras da viagem.

Beijos quentes

SE INSCREVE AQUI QUE DÁ TRABALHO

China 2 ou o Capítulo da Montanha da Discórdia

Nesse relato eu exagerei. Basta ver o quanto eu escrevi sobre apenas nossos 3 dias em Xian. Ok, o relato cobre pouco temporalmente, mas muitos fatos aconteceram nesse período, por isso o texto extenso. Enfim, o relato cobre os eventos de 07/09/2018 a 10/09/2018.

Olá seres pensantes que acompanham essa newsletter/blog. Surjo mais uma vez do meu covil no abismo para alegrar a semana de vocês. Espero.

Na verdade não estou nos meus melhores dias para escrever essa “enrolação” que faço antes de cada capítulo, então vai isso mesmo.

E segue o relato.

Partimos de Pequim para o nosso próximo destino, a incrível cidade murada de Xian. Antes de chegar lá tivemos a nossa primeira experiência da vida com trens bala. Vou ser sincero, não sei exatamente se era um trem bala, mas que era um trem bem rápido, a isso era. Foi uma experiência bem positiva, tudo fácil de achar, de embarcar e a viagem foi ótima. Cobrimos cerca de 1000 km em umas 5 horas, com o trem indo entre 250 a 300 km/h.

Olha, os “trens bala” da China estão de parabéns, deu vontade de usar eles pelo resto de toda viagem. Mas aí nós descobrimos que estávamos pagando caro pra caramba e foi esse o fim de nossa história. Adeus transporte de extrema velocidade e conforto.

E assim chegamos em Xian, que é uma baita cidade legal, diga-se de passagem. Carrega uma carga histórica pesadíssima, afinal tem mais de 3 mil anos e foi capital da China por muito tempo. Antiquíssima, ainda preserva parte de sua história até hoje, como os muros de pedra que correm por parte da cidade. Também é uma metrópole, com estrutura, força cultural e algumas peculiaridades. Desculpe, não vou me conter e vou cair no clichê: Xian é um belo exemplo de harmonia entre o passado e o presente. Gostamos bastante de lá, apesar do pouco tempo de estadia.

Uma dessas já mencionadas peculiaridades da cidade é seu bairro muçulmano e o mercado que existe por lá. Isso mesmo, Xian tem um bairro muçulmano que remete a tempos da Rota da Seda, quando a cidade era um dos extremos da famosa linha comercial. Comerciantes muçulmanos, já percebendo o potencial do mercado chinês, chegaram até Xian e ali ficaram, dando início a influência que até hoje perdura em partes da cidade. Achei esse fato muito incrível e inesperado (só descobri que o bairro existia quando cheguei lá), mas eu também sou o tipo de pessoa que fica duas horas observando um cachorro dormir, ou seja, posso achar qualquer coisa incrível.

E digo mais, esse mercado que visitamos era O mercado. A mistura perfeita entre comidas de rua, aromas estranhos, buzinas, gritos e pessoas. Um vórtex de caos, cheiros, sons e suor humano. Talvez eu esteja fazendo parecer como algo ruim, mas apesar de toda bagunça é um lugar incrível. Ele é sim muito cheio, tanto de gente quanto de motos. Ele é sim muito barulhento. Ele com certeza abriga uns cheiros pouco ortodoxos. Mas a comida é, no geral, boa, e a sensação de andar por um lugar tão vivo e pulsante é incrível. Sabe quando em um filme de aventura o personagem principal chega no bazar de alguma cidade distante e exótica? Em que tudo chama a atenção e é capaz de gerar maravilhamento? Então, nossa visita noturna ao bairro muçulmano foi mais ou menos assim.

Marina em um momento de paz no meio do caos do mercado
O bairro muçulmano

Porém tenho que ser justo e dizer que foi lá também que tive uma das maiores decepções da viagem. Avistei de longe um doce que parecia ser muito popular, pois sempre tinha alguém comendo/comprando. Era um disco grosso e amarelado, que pela aparência me lembrou o meu amado quindim. Passei por diversas barraquinhas que serviam o famigerado alimento e sempre falava pra Marina “ei, será que é quindim?”. Certa hora, cansada das minhas indagações vazias, ela disse pra eu deixar de ser covarde e descobrir. Eu fui. Mas o problema é que eu fui com muita certeza que era quindim. Todos clientes saiam tão felizes e completos após a compra do doce que só poderia ser quindim, certo? Ou até mesmo algo melhor! Talvez toda essa troca de cultura gerada pela Rota da Seda tenha trazido o quindim pra China.

Bom, segui com minha jornada, comprei meu pedaço e como um homem prestes a conquistar o mundo dei uma baita mordida no meu pseudo quindim.

Meu deus, quanta decepção.

Senti o equivalente a uma apunhalada nas costas, uma traição gustativa sem precedentes. O doce era extremamente frio, com uma consistência estranha e sem gosto. Acho que eu preferiria um gosto muito ruim do que aquele vazio que estava na minha boca, um vazio que logo se transferiu para minha alma. O meu amado “quindim” era na verdade uma massa sem graça de arroz que se alguém vier me dizer que é bom vai arranjar um inimigo para vida.

Quiçá a maior tristeza da viagem até agora.

O famigerado pseudo quindim. Vendo a foto agora vejo que nem parece um quindim, mas na hora parecia sim.

Xian também é a cidade dos guerreiros de terra cota, o exército construído para acompanhar e proteger a jornada espiritual do imperador Qin, o primeiro da China.

Foi muito interessante conhecer o complexo da tumba do imperador, acompanhar as escavações (existe trabalho arqueológico sendo feito até hoje por lá) e ver de perto os famosos guerreiros. São tantos (milhares) e com tantos detalhes. Existem os generais, os cavaleiros, os arqueiros e os coitados, aqueles em que dá para perceber a falta de esmero dos artesãos. Acho que esse último grupo foi feito quando o prazo já estava chegando ao fim e aí foi melhor entregar uns mais mal acabados do que não entregar nada. Não julgo os artesãos, afinal já estive na faculdade e sei como é essa situação.

A galera 1

Foi um passeio incrível e recomendo muito para quem gosta de história. Ler sobre as escavações, sobre como tudo foi descoberto sem querer por agricultores e entender o baita processo de “remontagem” que os arqueólogos fazem foi bem interessante, afinal a descoberta desses guerreiros é o mais importante fato arqueológico dos últimos 50 anos.

A galera 2

E pensar que eu perdi a excursão da escola quando os guerreiros foram expostos em São Paulo (acho que fiquei jogando vídeo game ou algo do tipo), então chupa vida. Agora tive a oportunidade de vê-los no seu próprio cantinho especial.

E no nosso último dia em Xian resolvemos ir para um local um pouco afastado da cidade para percorrer as trilhas do Monte Huashan, uma das cinco montanhas sagradas da China. Deveria ser uma das montanhas malditas da China, isso sim, pois esse morro glamourizado quase acabou com a minha vida e meu casamento (posso estar exagerando um pouco aqui).

Antes de continuarmos um aviso: lembra que eu disse que já na China, mesmo cansados estávamos em um ritmo acelerado ao visitar coisas e lugares, levando nossos corpos e mentes ao limite? Então, essa informação é importante pois foi exatamente no topo da montanha que transbordamos esse limite e a coisa ficou feia.

O monte Huashan tem diversos picos, cinco para ser exato, e a maioria das trilhas ficam já no “topo” da montanha. Ele também já foi conhecido como um dos locais mais perigosos de se fazer trekking no mundo, mas hoje isso mudou e caminhos pavimentados e escadas se espalham em quase todas direções. Ainda existe uma parte da trilha que você faz pela lateral da montanha, andando apenas em umas tábuas de madeira e é aterrorizante (clique no link para entender).

Parte da trilha do terror. Repare nas pessoas no canto inferior esquerdo.

Nós ficamos na fila para percorrer esse caminho, mas (felizmente) estava muito cheio e não daria tempo de descer a montanha se esperássemos mais tempo. Mas só para resumir, Huashan já foi um lugar muito perigoso, hoje ainda é um pouco, pois alguns dos caminhos são bem íngremes, e é um local com escadas que te desafiam fisicamente. É um local com escadas que desfiam a lógica e a física. É um local com muitas escadas. É tanto degrau que dá vontade de se jogar lá de cima.

Não parece, mas era bem íngreme. As correntes de apoio não estavam lá de brincadeira

Estou só criando um contexto para falar que: conhecer todos os picos sem ajuda de algum facilitador, como teleférico ou bondinho, é bem desgastante.

Nosso plano inicial era fazer a montanha toda sem ajuda desses “facilitadores”, afinal somos aventureiros. E essas engenhocas são caras de usar. Na verdade o real motivo foi o valor mesmo, eu queria economizar uma grana. Para que pagar alguns dólares se você pode subir mais de 4 mil degraus sozinho? Bobagem. Mas como encontramos outro grupo de gringos na fila do ticket de entrada (talvez os únicos que vimos por lá) e eles disseram que andaríamos muito no topo da montanha e que seria melhor subir com alguma ajuda, mudamos de ideia. Eu fui meio cético, mas a Marina se convenceu, essa santa em forma de mulher, ainda bem por isso, pois senão nós não estaríamos mais nesse planeta.

Subir até o “quase cume” foi uma jornada magnífica. O caminho do teleférico é bem bonito e até aí o dia estava indo bem. Chegar lá em cima foi incrível também. O lugar é lindo e é fácil entender porque é considerada uma montanha sagrada. Nós chegamos em praticamente três dos cinco cumes possíveis, e a vista era sempre espetacular. Além da vista, toda a aura da montanha é algo de outro planeta, principalmente nas rotas e picos menos cheios. Ali a gente andava, andava, andava. Subíamos e descíamos escadas e do nada nos deparávamos com algum monastério mais antigo que aquele vinho que a sua avó guarda para “ocasiões especiais”. Como o monastério foi parar ali não sei.

Cenas do Huashan
Cenas do Huashan
Esse lugar era bem bonito

Bom, como eu disse, em alguns momentos a trilha assumia uma aura quase espiritual, um ar de mistério e encantamento se aliavam a uma paisagem tomada por rochas de aspecto violento e um horizonte infinito. Já em outros momentos tinham mais de cem pessoas atoladas no pequeno espaço de uma das trilhas, enfiando braços e cotovelos nos nossos olhos e nosso único desejo era jogar alguém dali de cima. Coisas de China.

E falando em jogar outras pessoas da montanha…

Eu já mencionei que nosso cansaço estava chegando no limite e que as trilhas do Huashan eram desgastantes, uma combinação explosiva. Ambos atingimos um patamar de irritação nunca visto antes (e nem depois) nos anais de nossa viagem. Foi uma lavagem de roupa suja de duração extrema, quase o ”Iron Man” das DRs, tanto pela duração quanto pelo desgaste físico que estávamos tendo ao falar e andar. Quando tudo parecia resolvido um mero espirro causava uma nova discussão. Senti no olhar a vontade furiosa da Marina de me empurrar de lá de cima algumas vezes. Certa hora ela até me ofereceu para uma família chinesa, que educadamente me recusou como um novo membro. Foi esbravejo pra lá e esbravejo pra cá, até que enfim, quase com as luzes crepusculares indo embora, nosso real entendimento apareceu. E aí tudo estava bem de novo. Ou quase.

Lembra que eu disse que eram mais de 4 mil degraus para subir? Bom, nosso plano era descer tudo a pé, pois pelo o que lembro nem dinheiro para o teleférico tínhamos. Isso depois de perambular o dia inteiro por trilhas recheadas de escadas e caminhos íngremes. Nossa cota de degraus havia sido atingida faz tempo, mas mesmo assim não tinha o que fazer, precisaríamos enfrentar mais uns milhares deles para chegar à base. Então lá fomos nós.

Mais escada para vocês lembrarem que a gente enfrentou um monte delas

Pegamos um caminho praticamente sem ninguém e as poucas pessoas que cruzavam com a gente estava subindo a trilha, o que me fez questionar até onde a rota nos levaria, mais um ponto de estresse para minha mente “noiada”. Também era um caminho com escadas em ângulo de quase 90 graus. Era mais fácil pular e se esborrachar no chão do que descer algumas delas.

Outro ponto importante, já era fim do dia e ainda tínhamos que andar alguns bons quilômetros, alguns deles na vertical, para chegar a tempo de pegar o último ônibus para Xian, que partia às 19 horas. Ou seja, era uma corrida contra o tempo.

Pelo menos o caminho era bonito

Após muitos tropeções, surtos de desespero (meus) e as nossas pernas quase desistirem de funcionar, conseguimos! Chegamos ao fim da trilha acabados, destruídos, verdadeiros farrapos humanos se arrastando. Mas claro que o martírio ainda não tinha acabado, afinal era necessário achar da onde o ônibus partiria, pois saímos por um portão diferente do que entramos. Após algumas perguntas desesperadas para pedestres que nos olhavam com estranheza, um guarda resolveu nos ajudar e apontou o caminho. Foi aí que o avistamos, de longe, ele, a nossa salvação em forma de aço, borracha e combustível fóssil. O medo que o ônibus partisse tomou conta de nossos corações e, ao olharmos um para o outro sabíamos, seria necessário correr. Disparamos pela ruazinha da cidade e na minha cabeça estava tocando o tema de “Carruagens de Fogo” ao fundo, uma cena bonita em que desafiamos nossos limites e chegamos até o destino. A realidade deve ter sido bem menos glamurosa e talvez mais visceral, algo mais ou menos como dois porquinhos da índia pernetas correndo pela rua. Praticamente dois zumbis brasileiros aterrorizando uma pequena cidadezinha chinesa.

Não sei como cheguei, mas cheguei. Acabado, mas cheguei. E assim conseguimos voltar pra Xian.

Ainda bem que tudo deu certo, pois tínhamos que pegar um trem no dia seguinte cedo para Xangai, onde enfrentamos as consequências dos nossos atos no monte Huashan. Basicamente ficamos sem andar por alguns dias e eu passei bem mal.

Mas para saber mais sobre isso só lendo o próximo relato.

No fim a bela montanha da discórdia foi muito importante para um ajuste no nosso “relacionamento de viagem”. Ali, após muito suor e brigas, acertamos verdadeiramente nosso compasso como casal e nada do mesmo tipo se repetiu. Obrigado, montanha maldita.

Pensa num dia foda

E uma última informação para os curiosos, nesse dia nós andamos mais de 30 km e subimos e descemos mais de 6 mil degraus. É isso.

Beijos quentes

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China 1 – ou Pequim e a luta da Cidade Proibida

Esse relato cobre os eventos de 2/9/2018 a 7/9/2018

Olá. Como vai? Bem? Será? Será que você não está procurando esse entretenimento rápido para tapar algum buraco emocional nessa alma perturbada? Não? Ok. Desculpe o pessimismo, é que chega a hora de falar da China e minhas emoções já ficam a flor da pele. Bom, vamos lá.

A China foi uma montanha russa de emoções. Um dos maiores mistérios dessa terra milenar é como ela consegue encantar na mesma proporção que irrita. No fim eu, Rafael, gostei. Gostei bastante. Gostei porque aprendi muita coisa, inclusive “como viajar melhor”. Mas que em certos momentos esse foi um aprendizado árduo, a isso foi. No fim dos capítulos da China farei um resumão sobre o tópico.

Já começamos nossa passagem pelo país bem cansados. Quer dizer, chegamos esgotados em Pequim, afinal estávamos vindo de uma maratona de perrengues (perrengues incríveis, mas perrengues) ali na Mongólia. Não deu nem tempo de descansar, foi só voltar do tour, dormir algumas horas e pegar um avião de madrugada. A nossa energia já estava bem baixa.

Mas claro que eu ignorei todos os avisos do meu corpo e da Marina, e dei uma forçada de barra para conhecer ao máximo a cidade. Ainda era começo de viagem e eu estava no meu modo “turismo férias”. Sim, eu posso ser aquela pessoa chata que quer fazer tudo que o local tem pra oferecer, principalmente se for um lugar cheio de história, como Pequim. Na verdade até sofri com isso, pois mesmo batendo muita perna por lá ainda sentia que estava deixando de fazer bastante coisa. Uma bobagem de pensar que não estava “consumindo a cidade de forma correta”. Ainda bem que hoje sou uma pessoa quase curada dessa síndrome e me contento em ficar jogado em algum canto, assistindo Netflix, com o mínimo de roupa possível e relaxando. Sim, esse tipo de viagem que estamos fazendo precisa de momentos assim. Não dá pra fazer tudo e, principalmente, não dá pra fazer tudo rápido. Não foi em Pequim que eu aprendi isso, mas foi na China (relatos que ainda estão por vir).

Aquela fotinho pra quebrar o excesso de texto – um rapaz pescando

Enfim, estávamos cansados, eu ignorei isso e comecei a me irritar e irritar a Marina com essa mania de “conhecer tudo”.

Mas em minha defesa recebi um choque de energia ao chegar no centro da cidade. Poxa, era nossa primeira vez no leste da Ásia, naquela Ásia que conheci pelos milhares de filmes de kung-fu que assistia/assisto. Sim, eu sei que o continente é muito mais que China e Japão e artes marciais e samurais, mas oras, essa era minha maior referência sobre o lugar e algo que eu estava ansioso para ver. Só de observar a rua lotada de letreiros em ideogramas, a mudança drástica de arquitetura e a confusão local me senti animado. Claro, já tínhamos chegado na Ásia faz tempo, mas o leste da Rússia e Mongólia não representaram quebras de realidade tão grandes assim. Quer dizer, a Mongólia obviamente sim, mas de uma forma diferente, lá foi muito mais sobre o povo e o modo de vida, ali em Pequim eu estava me sentindo em um set de cinema. E essa é minha defesa para parte do comportamento maníaco apresentado nesse período da viagem.

Ficamos em uma região turística, próximos do mausoléu do Mao, da praça da paz celestial e de mais um bocado de prédios históricos e bacanas que parecem saídos de algum cenário do Mortal Kombat. O nosso próprio hotel tinha uma aura toda “China Imperial”, com arquitetura tradicional e um hall cheio de lanternas. E não era só decoração não, ele era um hotelzinho frequentado por locais mesmo. Tão local que era cheio de senhoras chinesas jogando baralho e sem ninguém que falasse inglês. Aliás, que lugar difícil de achar alguém que fale inglês. Comunicação foi um problema crônico na China, não só em Pequim. Nem o tradutor resolvia a parada, aliás, só piorava, eles nunca entendiam o que queríamos dizer. Eu acho que devia acontecer tipo aquelas cenas de filme ruim de comédia, em que um personagem tenta falar algo em outra língua e acaba falando uma frase totalmente absurda, mas ainda construída de forma coerente. Por exemplo, perguntávamos (usando o app) “onde é o banheiro?” e os chineses deviam ler algo como “o senhor quer se juntar a nós para invocar das profundezas Azatoh, o maligno?”. Devia ser uma coisa dessas mesmo, pois normalmente depois dessa tentativa frustrada de comunicação os chineses fugiam de nós.

Entrada do nosso hotel

Bom, voltando ao nosso hotel e suas redondezas, o bairro ali foi o que mais gostei da cidade. Cheio de vielas misteriosas (hutongs), restaurantes secretos e um pouco de vida local escondida entre os lugares mais turísticos. Também tinha um McDonalds perto, outro ponto vital, pois no fim a Má descobriu que não gosta muito da comida chinesa de verdade (e eu não nego um McDonalds). Quem diria que o China in Box não é uma reprodução fiel da culinária dos filhos de Confúcio.

Fora perambular ali por perto de onde ficamos, também fizemos o pacote turismo básico. Visitamos a Cidade Proibida, fizemos uma viagem até a Muralha, andamos por um mega shopping de bugigangas, conhecemos alguns parques e palácios/templos antigos e comemos o famoso pato de Pequim. Que é bem gostoso, mas não é nenhum filé à parmegiana.

Aliás o pato quase causou um incidente internacional grave.

Já aviso, agora vem aí mais uma história escatológica. Desculpe, não é minha intenção sempre retomar esse tema, mas preciso ser fiel aos fatos da viagem. Juro que esse é o penúltimo episódio em que trato desse assunto com tanto destaque.

Voltando ao pato. Tinha comido ele na noite anterior e, além de comer de forma demasiada, meu sistema digestivo ainda estava se acostumando com as particularidades de começo de viagem. No dia seguinte fomos conhecer a Cidade Proibida, que é incrível. Lugar maravilhoso, difícil imaginar que partes do complexo ali são mais “antigas” que o Brasil. Detalhes e imponência em uma mistura foda. Ali só faltou alguém me chamar para a briga para termos a parte 3 de “O Tigre e o Dragão”.

Cidade Proibida – proibida pra mim, no way

Enfim, o lugar é lindo, mas o dia estava quente demais, baita sol pairando sobre a cidade e nossas cabeças. Isso já começou a nos desgatar, fora que estava muito cheio, a muvuca tornou o calor pior e acabou ainda mais com nossos ânimos. Mas gostaria eu que esse tivesse sido o último problema do dia, preferia mil vezes uma leve insolação do que o que estava por vir. Sim, ela veio sorrateira e quase me dominou ali no Hall da Harmonia Suprema. Era ela mesmo, a famigerada dor de barriga. Começou devagar e eu achei que daria para controlar, mas vocês sabem como esse tipo de coisa se desenrola e do nada eu estava tendo calafrios em um calor de mais de 30 graus. Tentei ir em um banheiro, mas ele estava lotado e a galera não saía de lá por nada. Desisti. A fúria intestinal deu uma acalmada e pensei que conseguiria ir embora até um ambiente seguro, mas eis que aí o destino me pregou uma peça. Alguma delegação internacional também estava visitando o local e as saídas ficaram fechadas por um tempo para que as pessoas importantes pudessem se retirar em segurança enquanto o cidadão comum quase morria de desarranjo das tripas lá dentro.

Por um momento achei que iria acontecer, achei que eu seria “O” cara que iria fazer aquilo ali na Cidade Proibida. Cheguei até a imaginar os futuros guias explanando “aqui é o Palácio da Pureza Celestial onde o imperador Jiajing escutava seus poetas e logo ao lado, ali no canto, é onde Rafael, um brasileiro adulto de 28 anos não conseguiu controlar seu sistema digestivo”.

A famigerada delegação internacional que quase me causou complicações

Ufa. Ainda bem que não aconteceu. Achei um banheiro mais vazio e, graças ao treinamento na Mongólia, encarei o desafio com maestria. Uma vitória em minha vida.

Do restante de nossas visitas vale destacar a Muralha, óbvio. É uma coisa espantosa, uma construção que segue a encosta dos morros e colinas ali do norte em direção ao oeste, sempre beirando a Mongólia Interior. É um negócio longo, maluco e hipnotizante. Bonito demais. Sensacional como um empreendimento daquele tamanho foi feito há tanto tempo. Quer dizer, sensacional nada, pois morreu gente pra caramba construindo a coisa toda. Mas o resultado final ficou bonito, pelo menos.

Bonito

Fomos em uma parte bem vazia da Muralha. Claro que tinha a turistada de sempre ali, mas bem menos do que eu esperava. Vale a pena conhecer, principalmente se você gosta de subir e descer escadas e suar muito mesmo sem estar em uma aula de zumba.

Repare que a Marina está prestes a enfrentar uma escada

Outra coisa que fiz e gostei muito foi explorar os hutongs. Um teletransporte para outros tempos e uma ótima maneira de achar comida boa. Na nossa última noite sai explorando essas ruazinhas estreitas no escuro e sozinho, já que a Má estava cansada, e foi bem legal. Um clima diferente, cheio de neons e lanternas chinesas. Uma estética meio cyberpunk tomou conta da cidade e isso pra mim foi demais. Sem falar que desbravar algo desconhecido assim, sem mais ninguém, é muito bom. Amo viajar em casal e provavelmente não sairia nem para a feira que tinha em frente ao nosso prédio em SP se não fosse a Marina, mas a sensação de conhecer algo sozinho é incrível. Se tiver a oportunidade faça isso pelo menos uma vez na vida.

O clima dos hutongs 1
O clima dos hutongs 2

Mais um ponto interessante são as motinhos elétricas que dominam a cidade. São muitas. Não tantas quanto as scooters de Hanoi, mas ainda assim são muitas. E o legal é que a buzina é algo cultural, por isso a sinfonia de Pequim é das mais belíssimas. Lembrei muito de São Paulo. Interessante também que, como são elétricas, essas motos quase não produzem som de motor, o que é especialmente bacana quando você está andando de forma despreocupada em um hutong apertado e do nada BEEEEM, vem aquela buzina repentina de uma moto sorrateira que estava atrás de você o tempo todo. É de fazer cair dura a pessoa com o coração mais debilitado.

E por fim não tem como não falar deles, os chineses, que tornaram nossa experiência em Pequim e no resto da China muito, é… muito especial. Na nossa primeira cidade esse encontro ainda foi “superficial”, mas já tivemos um primeiro contato com as ombradas e empurrões tão comuns no transporte público, a incapacidade de entender o conceito de fila (ou a falta de paciência para essa ideia) e as constantes cusparadas e flatulências desenvergonhadas na rua.

No começo tudo isso choca, mas você acaba se acostumando e entendendo que “faz parte do jogo”. É a cultura. Não é nada pessoal você receber uma ombrada, é normal. A partir do momento que você entende e começa a distribuir suas próprias pancadas aceitas no contrato social, tudo fica bem (ao menos que você soque um idoso, aí acho que não vai pegar tão bem). Mas claro que isso tudo é um processo e até assimilarmos essas ideias as irritações vem à tona. Como eu disse, Pequim foi o começo, e ainda não estávamos nem no nosso pico de irritação e nem na nossa fase de compreensão. Aliás a China, com suas dificuldades, te irrita aos poucos. É o cartão de débito que não funciona, o povo te empurrando, o clima, a comida, o cansaço, etc.. pequenas coisas, que são, bem, pequenas, mas que para nós, no começo da viagem, eram desesperadoras e causavam muito estresse. Ainda não vou falar sobre isso, mas uma hora todas as mini irritações se juntam e formam um megazord de raiva e rancor, e aí as coisas realmente ficam complicadas.

Tem bastante coisa bonita pela cidade

E acho que essa foi Pequim para nós, a grandiosa, e a sua maneira caótica, porta de entrada para um país, bem, grandioso e caótico. Mas que fique claro, caótico para nós, forasteiros e iniciantes de viagem, pois a turma vivem bem por lá.

Beijos Quentes

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