Esse relato cobre os eventos de 12/11/2018 a 19/11/2018
Olá, colegas do abismo. Para os poucos que ainda torturam-se visitando esse blog eis aqui mais uma dose de masoquismo virtual. Como um Christian Grey de quinta categoria vou agora flagelar sua alma e, no final, ainda vou arrancar um sorriso desse rostinho lindo. A vida é assim, um teatro do absurdo e nós gostamos de coisas bizarras mesmo, não tenha medo.
Sobre o relato.
Sim, esse é mais um texto sobre a Tailândia. Peço paciência para você leitor(a), mas ficamos dois meses no país, por isso para seguir fielmente os passos da nossa jornada preciso registrar todos os capítulos da aventura no antigo Sião. Calma, tem algumas coisas interessantes que ainda serão relatadas, como nosso retiro de meditação, travessias malucas de fronteira e o torneio secreto de Muay Thai em que eu me inscrevi para vingar meu irmão. Uma dessas coisas é falsa, mas não vou falar qual.

O último capítulo foi todo dedicado ao nosso momento “lagoa azul” em Surin, isso se no filme a Brooke Shields tivesse recebido massagem de um Adonis coreano de frágil estabilidade mental, mas tudo bem, são águas passadas.
Saímos daquele pequeno paraíso e voltamos para nosso pântano favorito, Khura Buri. Ainda estávamos a uns 700 quilômetros de Bangcoc e já há mais de um mês na Tailândia, por isso decidimos apressar o passo ao norte e chegar logo na capital. Quer dizer, não apressamos tanto assim, senão teríamos pegado um avião ou ônibus direto para Bangcoc, mas queríamos viajar de forma barata e local, por isso primeiro fomos de lotação para Chumphon e de lá embarcamos, no dia seguinte, em um trem até nosso objetivo final.
Foi o trem mais lento que já andei na vida. Eu, de bicicleta, conseguiria ir mais rápido que o trem. Oras, acho que minha avó de andador conseguiria ir mais rápido que aquele trem, e olha que minha avó nem é boa com o andador. Mas mesmo assim foi uma experiência incrível. Cortamos florestas tropicais, pequenas e charmosas vilas e plantações de seringueiras. Durante todo o caminho estávamos rodeados de senhoras simpáticas, senhores de aparência dura e um mar de vendedores ambulantes que forneciam de tudo para os passageiros. Frutas, doces, bebidas, salgados, órgãos do mercado negro…tinha realmente de tudo. O que não tinha (ou quase não tinha) eram turistas, o que foi reconfortante.
E assim que cortamos o país em ritmo de internet discada de forma deliciosa. Mas após mais de 12 horas de viagem chegamos exaustos em Bangcoc, com um certo cansaço acumulado de uma série de translados e excessos anteriores. Aliás, quando nos aproximamos da cidade o visual bucólico deu lugar a vilas cada vez mais sujas e pobres. Passamos por lugares em que pessoas pareciam morar em mangues formados por chorume e lixo. Esses momentos são importantes para nos lembrarmos que a imagem que criamos na nossa cabeça de lugares que visitamos é, obviamente, só nossa. A realidade costuma ser muito mais mordaz que uma brochura de turismo ou o Instagram alheio, mas é fácil se esquecer disso.

Enfim, Bangcoc. Uma das grandes cidades que eu queria conhecer. Achava que iria encontrar algo claustrofóbico, energético e quase cinematográfico, como Hong Kong foi para mim. Uma cidade com aquela eterna aura de “algo proibido”, onde negócios escusos são feitos em um submundo perverso, mas interessante. Uma cidade que seria o cenário ideal para um filme noir ou cyberpunk.
Infelizmente não foi essa minha relação com o lugar. Muita gente ama Bangcoc, mas acho que eu tinha expectativas demais. Não desgostei de lá, longe disso, mas não foi memorável como é para tantos outros viajantes.
Para ser justo também não aproveitamos a cidade direito.
De dia estava um calor digno de satanás, que começava derretendo o corpo, depois queimava lentamente a vontade de existir e aí incinerava o restante da alma. Pensa numa pessoa que transpirou em Bangcoc, fui eu. Sim, eu transpirei mais que aquele alemão branquelo de quase dois metros e levemente pançudo que tem em toda viagem.
De noite as ruas ficavam apinhadas de gente animada e agitação, afinal ficamos no coração da pseudo mochilagem, a Khao San Road. Mas nossos tempos de estripulias e perdição alcoólica já tinham passado (pelo menos na Tailândia) e estávamos em um momento mais calmo e contemplativo. Até tentamos forçar umas cervejas goela abaixo para entrar forçosamente no clima, mas nunca uma Chang desceu tão desgostosa na garganta de um homem. Estávamos em uma rotação diferente de toda aquela gente visitando Bangcoc.

Obviamente que fizemos coisas bacanas lá. Conseguimos visitar apenas um templo de destaque, o Wat Pho, devido ao calor e a preguiça, e o lugar é impressionante. Cheio de gente, mas impressionante. Conseguimos também cair em um dos golpes mais conhecidos da cidade, aquele em que um sujeito simpático te aborda na rua, comenta sobre um feriado que não existe, diz que os templos estão fechados e oferece um tuktuk especial que vai fazer um tour maravilhoso por uma preço bacana. Coisa boa e barata demais é quase sempre bom demais para ser verdade, pelo menos por onde já tínhamos passado. E mesmo assim engolimos esse papo e visitamos um templo do elenco religioso coadjuvante da cidade, mais caído que paleteria mexicana hoje em dia, e uma malévola fábrica de ternos (onde ficaram muito decepcionados comigo quando eu não quis nenhum, logo eu que usei terno 3 vezes na vida) e foi nesse momento que percebemos a burrada e caímos fora. Nossas perdas foram mínimas, mas o golpe poderia ter feito um rombo gigante no orçamento caso não tivéssemos percebido. Enfim, depois dessa podemos já dar tchau pra cidadania brasileira, foi uma falta de instinto tremenda ter acreditado naquele jovem sorridente na rua. Inclusive não sei como estamos vivos até hoje nessa viagem.
Além de derreter em templos e levar golpes também visitamos um dos mercados flutuantes da cidade, muito interessante, mas seria mais interessante ver toda aquela dinâmica sem um milhão de estrangeiros por lá. Eu sei que também sou um deles e todo mundo só está curioso para conhecer o local (como eu), mas que seria mais bacana ver a versão “virgem” de um mercado desses, a isso seria. Mas o que vimos teve que bastar e gostei de conhecer o mini caos que se criou em cima de umas madeiras bambas boiando num rio. Comemos coisas boas, comemos coisas estranhas e eu vi uma senhora alimentando peixes como se estivesse alimentando cachorros, valeu a pena.

Só fomos parar no mercado flutuante pois antes, no mesmo dia, levamos um bolo do nosso free walking tour. Isso mesmo, pelo visto somos tão indigestos que nem a pessoa que faz o tour de graça pela cidade quis nos conhecer, imagina ela falando pro chefe “não, não, não… de graça com esses dois aí eu não faço”. Enfim, sei que ficamos um bom tempo plantados no porto onde deveria acontecer nosso encontro e nada. Acordar cedo dá nisso.
O programa mais legal de Bangcoc, para mim, não foi feito em Bangcoc. Foi nossa rápida visita à Ayutthaya, cidade capital do reino de mesmo nome, que foi uma força poderosa no sudeste asiático entre os séculos 14 e 17. Antes mesmo do Brasil ser “descoberto” ali pertinho de Bangcoc já existia uma cidade com construções quase alienígenas para nossos olhos ocidentais. As ruínas de Ayutthaya são incríveis, um misto de diferentes influências da região, principalmente Khemer, mas com personalidade própria. Visitar esse lugares, ou como a Marina diria “um amontoado de pedra antiga” é demais para mim. Gosto muito de ver ruínas, de imaginar a vida funcionando em arquiteturas e planos distantes e nessa altura da viagem ainda não tínhamos conhecido o Angkor, por isso as de Ayutthaya foram as primeiras ruínas bacanas que vimos. Foi um dia gostoso, em que pedalamos muito e eu tirei fotos ruins achando que estava arrasando. Apenas o sol que foi inclemente, como de costume, e eu perdi cerca de 43,7% da água do meu corpo enquanto estava em cima da bicicleta. Mas valeu a pena ter a liberdade de ir pra lá e pra cá como queríamos, sem depender de tour ou algum tuktuk. Apenas gostaria que inventassem uma bicicleta que não deixasse as nádegas doloridas.
Aliás, falando em Ayutthaya, impossível não lembrar do Sagat ao ver o Buda deitado de lá. Quase arranjei briga com um americano que estava de bobeira inspirado pela minha infância regada a Street Fighter. Eu ia dar meu golpe fatal nele, o “abraço do suor”, mas a Marina impediu.

Fomos e voltamos de lá com um trem quase tão lento quanto o que usamos para chegar em Bangcoc. Acho que é proibido que trens sejam rápidos na Tailândia. Mas, ao contrário do primeiro, esse não foi um transporte agradável, pois estava apinhado de gente do mundo todo. Muito agradável poder conhecer os odores únicos de cada canto do planeta.
Bangcoc foi isso para nós: muito calor, momentos altos, momentos baixos e sermos feitos de otários. Ainda que na nossa última noite por lá demos uma injeção de adrenalina na estadia ao fazer aquela bobagem de turista de comer os insetos repulsivos que uns locais vendem em toda Khao San. Pude degustar uma larva maravilhosa, com toques de noz moscada e um recheio parecido com mel. Perfeito. A Marina se aventurou com um escorpião, uma escolha bem pior ao meu ver, mas ela disse ter sido um dos pratos mais refinados que já provou na vida, e leve em conta que quem falou isso é a maior sommelier de McDonalds da América Latina.
E após a noite do referido banquete demos tchau para uma cidade que nos agradou, mas que eu esperava muito mais. Partimos de ônibus para Chiang Mai, onde chegamos (sem querer) para o famoso festival das lanternas.
Mas isso é tema do próximo post.
Beijos Quentes