Tailândia ou Medo e Delírio em Chiang Mai

Esse relato cobre os eventos de 27/11/2018 a 11/12/2018

“… and if you gaze long into the abyss, the abyss also gazes into you”

um alemão de bigode engraçado

Olá companheiros de caminhadas estranhas, volto da minha sombria jornada pelos cantos escuros da mente para a agraciá-los com este que será um “bottle episode”, ou para os que não estão acostumados com o jargão televisivo, será um episódio com budget menor que se passa quase que inteiro em apenas um lugar. Mas não se enganem, isso não quer dizer que esse será um relato inferior. Pelo menos espero que não, ainda não o escrevi pode ser que termine uma porcaria. Veremos. 

Em nosso último contato descrevi tudo que aconteceu até nossa última noite em Chiang Mai. O que aconteceu foi uma sequência simples de acontecimentos: apenas dormi, acordei, dormi de novo, perdi hora e fomos correndo pegar o ônibus local até o retiro de meditação. O monastério fica, teoricamente, em Chiang Mai, mas afastado do centro da cidade, cerca de uma hora de transporte público.

Mas calma lá. Como assim retiro? Meditar? Eu explico. O nosso grande objetivo ao nos dirigirmos para o norte da Tailândia era chegar até esse centro de meditação que nos foi indicado por um grande amigo. A ideia era mergulhar em um curso básico de 15 dias, seria uma experiência totalmente diferente para nós dois, pois ninguém do casal praticava meditação e muito menos sabíamos muito sobre Vipassana, a técnica que iríamos aprender. Foi uma das experiências mais aleatórias e pouco planejadas da viagem, e foi animal. E díficil. Quiçá a coisa mais difícil que fizemos. 

Nossos amigos monges

Chegamos alegres e vistosos como turistas devem parecer quando chegam para uma experiência de meditação, mal sabíamos onde estávamos nos metendo. 

Não quero passar a ideia errada, como já adiantei acima, foi sensacional e uma das coisas mais legais que fiz até hoje. 

Para os que não me conhecem direito preciso dizer que espiritualidade não é meu forte, mas tinha curiosidade pela prática e todos benefícios desse “controle da mente” (sei que não é o melhor termo, desculpem). Digamos que, para mim, essa jornada tinha muito mais de Doutor Estranho do que de Siddhartha. 

Bom, logo chegamos e já recebemos nossa introdução ao local. O retiro fica dentro do complexo de um monastério super antigo e um local sagrado para a região, por isso tínhamos que seguir à risca as regras dos monges. Ou seja, isso incluía seguir alguns códigos e mandamentos budistas, como dormir apenas 6 horas por dia (das 10h até às 4h), não comer nenhum sólido após meio dia (almoço era às 11h), não matar (nada, não só gente, mas também qualquer inseto, bicho, ácaro e o caramba), sem toque ou relações sexuais e por aí vai. Também não podíamos consumir nenhum tipo de entretenimento, como ler, escutar música, assistir Netflix e etc… essa era uma regra específica para quem estava em período de curso, pois os monges andavam pra lá e pra cá com o celular, aposto que devem ser todos otakus. Os professores do retiro também. Outra regra válida apenas para esse período de 15 dias era manter o máximo de silêncio possível, não era proibido falar, mas quase todo mundo ali estava em período de meditação e ninguém queria desfocar. Isso incluía não falar com a pequena Marina, minha bela cônjuge. 

Eu posso ter lembrado de algumas “regras” e esquecido de outras, mas um bom resumo é: podia meditar. O resto não podia fazer. 

E como meditamos. 

A dupla – Certeza que a Marina estava tirando um cochilo

Foi o maior “zero a cem” da minha vida, pois nunca tinha praticado de verdade. Você chega e já começa com “leves” 10 horas de meditação por dia. 5 horas de meditação andando e 5 horas de meditação sentado.  Você deve completar essas 10 horas em pequenos “rounds” de meditação, que começam com 10 minutos em pé, 10 minutos sentado e 20 minutos de descanso. A cada dia a prática é aumentada em 5 minutos para cada tipo de meditação, ou seja, no décimo dia você já estávamos fazendo 1 hora por “estilo” e totalizando um round de 2 horas. A porcaria do tempo de descanso nunca aumentou. 

Claro, a coisa não é tão rígida assim, e se eles percebem que você está dando seu melhor (e realmente levando a sério) tudo bem afrouxar o tempo da prática em alguns momentos. Mas eu sou eu, caxias que só, e quis fazer tudo certinho como o indicado. Quase morri. Acho que não ser tão duro com esse tipo de auto cobrança foi um dos meus aprendizados por lá.

Era tanta prática que não sobrava tempo para mais nada no dia, além de almoçar e tomar café da manhã. Nem dava para sentir muita fome ou desejar algum tipo de entretenimento. Claro, isso vem à tona, mas foi bem mais fraco do que eu esperava. 

Uma vez por dia eu encontrava a minha guia do retiro e trocava uma ideia. Era um momento bacana, pois apesar de todo mundo ter uma jornada diferente o guia sempre sabia mais ou menos em que estágio você estava do programa. Essa era também a maior interação que eu tinha com qualquer pessoa, tirando a foto do calendário com quem eu conversava às vezes no meu quarto. Sim, tinha um calendário com a foto de um monge importante lá e eu troquei muita ideia com ele, rapaz interessantíssimo. Agora pensando bem era melhor mesmo conversar com um senhor tailandês imaginário do que com a minha guia, afinal ao fim de cada bate papo ela aumentava meu tempo de meditação. 

“A Rafael mas como era a prática em si?” Calma lá leitor afoito, estou chegando nisso. Antes quero descrever meu quarto que compartilhei de forma injusta (ao meu ver), com formigas e mosquitos.

Eu fiquei no dormitório dos monges. Ou melhor, não era um dormitório, cada um tinha uma “casinha” individual. Tudo bem pequeno e colado. Uma espécie de conjunto habitacional budista. Era legal pois eu acordava com o mesmo gongo que os monges, assistia eles indo ao refeitório, andei com eles ao nascer e pôr do sol, vi pessoas oferecendo comida em troca de preces e o melhor, escutei todas funções corporais possíveis que um monge pode ter. Não são diferentes das dos outros humanos e eles não fazem questão nenhuma de esconder isso. Aliás tinha um monge que falava ao celular às 2 da manhã quase toda madrugada, devia ser meditação guiada por zap. 

Outro ponto importante sobre minha casinha era que ela era dominada por insetos que eu não podia matar, ou seja, qualquer tentativa minha de ter comida no quarto era frustrada por formigas. Mas aproveito para confessar que sem querer assassinei algumas dessas pequenas trabalhadoras ao comer um sucrilhos que estava empesteado delas. Como foi sem querer espero o perdão de Buda. Desde o primeiro dia tinha também um mosquito no meu quarto, acabei chamando-o de Jorge e convivi com ele até o fim do meu período lá. Até que o Jorge era bacana, não me picou muito.

Fora isso meu espaço ainda se reservava ao direito de não ter água quente e descarga. Mas, apesar de tudo, era limpinho e aconchegante (na medida do possível). 

O nosso canto (meu e do Jorge)

Enquanto eu vivia nessas condições a Marina ficou em uma casa do centro de meditação (não do Monastério) com varanda, ar condicionado, água quente e cozinha própria. Quem dizer que não existe divisão de classes dentro do complexo do mosteiro não sabe o que está falando. 

Último ponto descritivo que quero tirar do peito – todo mundo precisava andar de branco por lá, o que por horas me fazia pensar que eu estava em uma seita, apenas esperando o momento em que todos iriam tomar um chá especial para ascender aos céus de forma mais rápida. Deus me livre participar de um suicídio em massa na Tailândia, quero algo chique e que seja televisionado, no mínimo tem que ser nos Estados Unidos. 

Bom, agora que expliquei o contexto em que estávamos inseridos estou pronto para falar da meditação. A prática em si é muito simples, mas incrivelmente difícil de ser aplicada. O budismo de lá é do estilo Vipassana, que significa “ver as coisas como elas realmente são”. O objetivo maior desse estilo de meditação é estar no momento presente, ou como eles dizem em “atenção plena” (mindfullness). Nada de ficar perdido entre o passado e o futuro, como eu costumo/costumava fazer muito. 

Para atingir esse objetivo, de estar sempre no momento presente, você deve “notar” tudo que acontece com você. Estar consciente de todos os movimentos do seu corpo e da sua mente. “Notar” é simplesmente ter conhecimento de que algum fenômeno ocorreu, como um pensamento, um barulho, etc…. então a meditação não é daquele estilo “esvazie sua mente” nem nada assim, na verdade os dois estilos, sentado e andando, são exercícios para você sincronizar corpo e mente (o jeito mais fácil de voltar para o presente) e “notar” tudo o que acontece enquanto você os faz. Calma, vou dar um exemplo. Os exercícios vão aumentando em dificuldade, mas o estilo “andando” começa apenas com dois movimentos, você deve sincronizar seus passos com os pensamentos “direita vai aqui, esquerda vai aqui”. Simples né? E aí você faz isso por alguns minutos. Só que se ouvir um som durante essa prática você deve parar e “notar” repetindo na sua cabeça “ouvindo ouvindo ouvindo”. Se lembrar do fogão que esqueceu ligado durante o exercício você deve parar e pensar “pensando pensando pensando”. Se você imaginar todo mundo no hall de meditação pelado durante o exercício deve parar e pensar “pervertido pervertido pervertido” e depois “analisando analisando analisando”, pois as notações não devem ter caráter judicativo, elas apenas são observações do que você está sentindo/pensando/fazendo no momento. 

Parece besta e no começo é mesmo, mas você começa a perceber como essas “notações” impedem sua mente de viajar e te trazem de volta pra ação. Toda vez que eu ouvia um barulho, por exemplo, e não notava, era como se eu abrisse uma porta na minha mente e um monte de coisa saía de lá, e aí eu começava a viajar. O conceito básico é esse, o que acontece é que os exercícios ficam mais complexos e o tempo de meditação aumenta – 10 horas ou mais disso por dia. As notações são sempre feitas 3 vezes, não lembro porque. 

O hall de meditação onde a festa acontecia

Só que para esse processo começar a funcionar de forma “correta” é necessário passar por várias fases. É uma espécie de terapia encapsulada em 15 dias, afinal às vezes eu percebia que tinha pensado algo bizarro, depois me indagava por que pensei aquilo, e aí o buraco do coelho não tinha fim. São 10 horas por dia analisando suas próprias notações. Eu me odiei, me amei, odiei o mundo, fiquei irritado, senti saudades. Foi foda. As conversas com o guia são importantes pois ele vai indicando que algumas coisas são normais e também tentando te ensinar de leve alguns conceitos do budismo (nada forçado). Por exemplo, as notações são apenas observações, você não deve lutar contra o que está notando. Ao perceber isso é muito mais fácil se conhecer, se aceitar e deixar passar certos sentimentos ou pensamentos. Gostei desses papos e ensinamentos pois achei eles bem pé no chão, não foi algo dogmático como se espera de uma religião, mas sim como um conselho de um velho bêbado que fica no canto do boteco e que resolve conversar bem naquela noite em que você sabia que não deveria ter saído pois estava frio demais. Conselhos estranhos, mas que fazem sentido. 

Não virei budista nem nada, até porque pelo pouco tempo que ficamos lá o contato com o lado espiritual foi bem raso, mas gostei de realmente entender conceitos como: não temos 100% de controle de tudo, a impermanência das coisas e a insatisfação eterna em nossos coraçõezinhos (que existe principalmente no meu). 

Pelo menos dava para andar até um lago próximo e ver esse pôr do sol

Não vou falar mais sobre o processo porque realmente é uma coisa bem pessoal e posso estragar um pouco a experiência alheia caso algum dia alguém que lê isso aqui resolva se aventurar nos terrenos não mapeadas da mente humana. 

Porém vou falar que no começo, principalmente durante a meditação sentada (em que você fecha os olhos), rolam umas viagens muito loucas. Muito loucas mesmo. É diferente de imaginar ou sonhar, é mais real e bizarramente aleatório. Depois sua mente vai ficando mais “domada” e essas imagens não aparecem tanto, mas no começo teve de tudo na minha cabeça perturbada: cenas de filme comigo no meio, jogo de futebol com dinossauros, Nicolas Cage peixe com uma fantasia estilo Glub Glub, um japonês companheiro de prática saindo de um alface e mais milhares de coisas. Minha “visão” favorita foi quando do nada a Marina apareceu na minha cabeça fazendo um joia e usando um bigode falso, tipo aqueles exagerados de disfarce de filme. Mas garanto, tiveram coisas bem mais surreais.  No começo eu não anotava/escrevia nada (em teoria não pode), então perdi/esqueci muita coisa, mas quando vi que minha única anotação em 5 dias era “Doutor Estranho mais estranho ainda”, resolvi tomar vergonha na cara a registrar alguns fatos e viagens, anotações rápidas mesmo, para não infringir demais as regras. Também fiz uma lista dos filmes que invadiram minha cabeça de alguma forma, segue uma parte não alterada do compêndio original para vocês terem uma ideia da aleatoriedade (lembrando – são as anotações originais e não editadas):

Space Jam eh o melhor filme de esportes de todos os tempos – elaborar

Guerreiros do tempo (aquele do jean reno), tesouro nacional (nunca assisti). 

Breaking bad (meditando de cueca)

Bruxa de Blair

Deadpool 2

Quem vai ficar com mary

Drink no inferno

Julie e julia

Doug funnie

Esqueceram de mim 2

Mandy

Inception

Hellboy 

Clube dos Cinco

Cybercops

Terminator

Brooklyn 99

Incriveis 1 e 2 

About time

Fear and loathing in las vegas

Minority report

Kurosawa

Também passei algumas vergonhas, claro. A melhor foi ter dado aquele oi pra uma pessoa que estava saudando o Buda (achei que ela estava interagindo comigo). Certo dia, após comer uma coisa extremamente apimentada no refeitório peguei a garrafinha de água da Marina, que eu achei que estava com água, e dei um baita gole apenas para descobrir que o que tinha dentro era chá quente. Meus lábios quase se desintegraram, a dor consumiu minha alma e eu nem podia falar nada, pois todo mundo comia quieto igual defunto, parecia mais um necrotério do que um refeitório. Também teve a vez que ri com gosto de uma senhora que peidou alto no hall de meditação. Coisa boba, mas que provoca a risada de qualquer ser humano. 

Tem mais um milhão de coisas que gostaria de compartilhar. Mais coisas sobre a rotina do local, pequenas regrinhas da prática, histórias engraçadas do dia a dia, viagens, doideras, etc… mas para isso eu teria que fazer um outro blog só focado nesses 15 dias de prática.

Minha transformação após o retiro

Foi um período intenso, de disciplina e certo sacrifício, mas que valeu a pena. A experiência foi incrível e eu realmente acredito nos ganhos que todo esse “exercício mental” me trouxe. Acho que apenas entender a própria mente e o próprio corpo melhor já é um baita resultado. Por exemplo, sou muito noiado, daquele tipo de pessoa que fica lembrando de coisas até doer o estômago de tanto que eu fico me remoendo. Já acho mais fácil “me libertar” desse sentimento e conseguir voltar a focar em algo que realmente importa. Para lidar com concentração, ansiedade, paranóia, impaciência, angústia e etc… A prática serve para lidar com tudo isso. Mas é como se fosse um esporte mental né, precisa de prática. Também acho que é algo que “precisa pegar no tranco”, um período de isolamento para dar uma limpada em todos estímulos que nossas mentes recebem hoje em dia é, ao meu ver, necessário.

Inclusive a primeira vez que eu voltei pra cidade, ainda durante o retiro (fui comprar mantimentos no mercadinho), me senti naquelas cenas de filme em que o índio chega na cidade grande pela primeira vez, sabe? Barulho, imagem, cheiros, tudo se misturou numa explosão sensorial esquizofrênica. 

Depois de terminada essa jornada que quase nos matou pegamos um ônibus até a fronteira com o Laos para iniciar nossa travessia de barco pelo rio Mekong, mas isso é tema de um próximo post.

Beijos Quentes

Tailândia ou Chiang Mai e as lanternas do apocalipse

Esse relato cobre os eventos de 20/11/2018 a 27/11/2018.

Olá, companheiros da tormenta. Enquanto o relógio da perdição não bate meia-noite agracio vocês com mais um capítulo de nossa jornada um pouco torta.

Saímos do calor úmido e perverso de Bangcoc para encontrarmos paragens mais frescas bem ao norte da Tailândia, em Chiang Mai.

Chiang Mai, apesar de afastada da parte sul do país (onde ficam as incríveis praias e ilhas) e de ser até mesmo longe da capital, é um daqueles lugares que fazem parte de quase todos roteiros de quem visita a Tailândia. Não é por menos, a cidade, a maior da região norte, tem uma história incrível (já foi capital de um reino antigo) e é considerada uma das mais sagradas da Tailândia. O centro histórico, que ainda esbanja as ruínas da muralha que cercava o seu canal, abriga mais de 200 templos, um mais bonito que o outro.

Ruínas em Chiang Mai

Sabíamos que Chiang Mai era um lugar especial, mesmo sendo “popular”, só não sabíamos que cairíamos de paraquedas na cidade durante o seu festival mais famoso, o Yi Peng, o festival das lanternas. Olha, tem que ser muito perdido para chegar lá sem nem se tocar sobre o tal festival, tem gente que programa toda uma viagem baseada apenas nessa celebração, mas bem, nós somos as pessoas que ficaram perdidas e sem dinheiro em um parque chinês e literalmente esquecemos que o mês de fevereiro existia nas Filipinas (causo ainda a ser contado por aqui), por isso tudo é possível. Nós só queríamos conhecer a cidade e ir para o nosso retiro de meditação, que ficava ali pela região.

Nos demos conta que o festival estava para acontecer ainda em Bangcoc, quando tentamos comprar uma passagem de trem alguns dias antes de partir e o jovem do guichê praticamente riu das nossas caras. Estava tudo lotado. No fim achamos um ônibus de última hora e fomos, junto com todos turistas presentes na Tailândia naquele momento, até Chiang Mai.

Pensa em uma cidade que estava cheia. Pensou? Era Chiang Mai quando estávamos por lá. Tinha estrangeiro saindo até do bueiro. Mesmo assim aproveitamos bastante a nossa quase uma semana por lá. Que cidade gostosa. Acho que esse é o melhor jeito de descrever Chiang Mai – é um lugar gostoso. Como um amigo disse, parece cidade de praia sem praia. Ou uma cidade do interior de São Paulo com bastante estrutura. Não é a toa que lá é, como descobrimos depois, um paraíso de nômades digitais.

Um dos muitos templos

Deu para aproveitar bastante o centro antigo, andamos pra lá e pra cá vendo templos e tomando Thai Tea sob um sol bem intenso, mas muito mais tolerável do que enfrentamos em Bangcoc. Foi incrível ver a vida acontecendo ao lado de ruínas sagradas e grandes locais de adoração. Também aproveitamos muito às noites, encontramos um querido casal de amigos moradores da cidade (conhecemos eles em PhiPhi) que nos apresentou a vasta colônia brasileira que habita Chiang Mai. Tem gente trabalhando online, gente trabalhando em hostel, gente fazendo freelance e gente se virando como dá. Acho que brasileiro gosta tanto de Chiang Mai quanto de Phiphi. O importante é que conhecemos um pessoal bacana e tomamos umas cervejas geladas.

Além deles também encontramos outros viajantes brasileiros, mais especificamente representantes guerreiros do segmento de “famílias viajantes”, os incríveis @gemeosnamochila e @pelomundocomolucas. Compartilhamos um delicioso almoço em que considerei a possibilidade de nunca ser pai. Brincadeira, pessoal. Brincadeira. Eles são sim uma baita inspiração para nós.

Primeiro dia de festival

Claro, o festival aconteceu enquanto estávamos lá, inclusive começou no dia em que chegamos (ele dura alguns dias). A cidade estava linda, toda enfeitada com lanternas e ornamentos, o que só aumentou o charme do lugar. A abertura da cerimônia foi interessante, uma espécie de desfile de rua com danças típicas (pelo menos o que conseguimos ver). Apesar do índice desumano de gringos por metro quadrado toda a performance foi realizada por locais, o que sempre deixa tudo mais interessante. Os dias seguintes de festival foram marcados pelas oferendas e pedidos feitos em forma de lanternas e krathongs (barquinhos). O momento de soltura das lanternas é visualmente incrível, uma cena muito marcante da nossa viagem. Quando saímos do nosso hotel, à noite, e parte das lanternas já estavam no ar parecia que novas constelações estavam surgindo a cada segundo no escuro firmamento. Porém quando chegamos perto dos tradicionais locais de onde partem esses balões tailandeses a sensação foi outra. Invés de estrelas estáticas o que vimos foi muito movimento, uma coisa quase orgânica, como milhares de água-vivas nadando em um mar azul escuro, todas indo em uma só direção. Foi um espetáculo hipnotizante, mas causa uma certa estranheza ver mais estrangeiros participando dele do que locais. Sim, tinham muitos tailandeses nos rituais, mas mesmo assim a quantidade de “intrusos” na cerimônia era considerável. Confesso que não sei o que pensar sobre o tema. É interessante participar e se envolver com a cultura local, com certeza, mas quando será que a massificação do turismo de algo assim acaba cruzando a linha do aceitável? Aliás, existe essa linha? Só sei que muita gente que estava ali soltando lanternas não apresentava um grande envolvimento emocional e religioso com a cerimônia. Oras, até nós soltamos. Tudo bem que foi de um local mais reservado, com ajuda dos monges de um templo, mas mesmo assim não vou ser hipócrita e dizer que estava muito envolvido com a performance toda. Fui apenas mais um turista curioso que quis seguir a onda. E não vou nem falar dos polêmicos riscos ambientais das lanternas – uns dizem que não existe, pois elas são biodegradáveis, outros dizem que elas poluem rios e podem causar acidentes. Eu sei que curti o feito no momento, mas não faria de novo. Aliás não é difícil acreditar que essas lanternas possam causar queimadas e acidentes, só quando passeamos pelo rio vi umas 4 barraquinhas de comida que quase foram incineradas. E olha que ainda tinham uns gringos lá que se arrotassem no balão iriam causar uma explosão, a turma estava calibrada no álcool. Para se ter uma ideia em um dos mercados noturnos testemunhamos um jovem chinês exercitar o antigo ritual de vomitar até a alma, uma prática global.

Lanternas

Enfim, foi bonito, foi polêmico, foi interessante e graças a deus que acabou, porque tinha gente demais.

Logo após o termino do festival já deu para notar como a cidade esvaziou e tudo ficou um pouco mais calmo. Fizemos um passeio inesquecível para um dos templos mais famosos de lá, o Doi Suthep, que fica em uma montanha bem ao lado da cidade. Acordamos mais cedo do que qualquer ser humano deveria acordar, pegamos um tuktuk colina acima e assistimos a um nascer do sol inesquecível. Descemos a montanha por uma antiga trilha usada por monges e ainda paramos em um outro templo escondido pela mata e esquecido pela maioria dos turistas. Ao fim da caminhada voltamos de bicicleta para nosso hotel. Nesse mesmo dia fomos ao cinema, descobrimos que lá o filme demora meia-hora para começar e é necessário saudar o rei da Tailândia antes da película, o melhor é que ele garante que um vídeo sobre sua vida, digno de aniversário de 15 anos, passe antes de todas sessões. Só sendo rei mesmo para aprontar uma dessas e não ser zoado.

E, melhor que curtir um cinema relaxante foi a parte final do nosso dia, quando fomos à casa de um casal sensacional de amigos (aqueles que moravam em Chiang Mai e já comentei acima) e eles nos receberam com um jantar brasileiro: feijão, arroz, frango e farofa. Maravilhoso.

Cerveja e amizade (Re e Leo)

Isso foi logo antes do nosso retiro de meditação e agora tenho plena certeza que entupir todas as entranhas com feijão e farofa é o melhor ritual de preparação para qualquer prática espiritual. Pelo menos você enfrenta qualquer desafio feliz. É bem nutrido.

Fora isso o que fizemos foi curtir a cidade e dar uma passada “rápida” em Chiang Rai, outro local que muitos turistas visitam. Caso você queira conhecer Chiang Rai faça com calma e em mais de um dia, nos fizemos um passeio bate-volta e foi muito corrido. Não curtimos.

Nascer do sol no Doi Suthep

E foi assim que chegamos e aproveitamos, quase sem saber, uma das épocas mais intensas de Chiang Mai, um lugar delicioso e que merece ser visitado. Mas a estrada nos chamava, por isso demos tchau para o Léo e para Re, nossos amigos, e partimos para uma jornada dentro de nossas mentes em um retiro Vipassana. Esse é o tema do próximo post.

Beijos Quentes

Tailândia ou capítulo de Bangcoc e que fomos feitos de otários

Esse relato cobre os eventos de 12/11/2018 a 19/11/2018

Olá, colegas do abismo. Para os poucos que ainda torturam-se visitando esse blog eis aqui mais uma dose de masoquismo virtual. Como um Christian Grey de quinta categoria vou agora flagelar sua alma e, no final, ainda vou arrancar um sorriso desse rostinho lindo. A vida é assim, um teatro do absurdo e nós gostamos de coisas bizarras mesmo, não tenha medo.

Sobre o relato.

Sim, esse é mais um texto sobre a Tailândia. Peço paciência para você leitor(a), mas ficamos dois meses no país, por isso para seguir fielmente os passos da nossa jornada preciso registrar todos os capítulos da aventura no antigo Sião. Calma, tem algumas coisas interessantes que ainda serão relatadas, como nosso retiro de meditação, travessias malucas de fronteira e o torneio secreto de Muay Thai em que eu me inscrevi para vingar meu irmão. Uma dessas coisas é falsa, mas não vou falar qual.

O interior da Tailândia

O último capítulo foi todo dedicado ao nosso momento “lagoa azul” em Surin, isso se no filme a Brooke Shields tivesse recebido massagem de um Adonis coreano de frágil estabilidade mental, mas tudo bem, são águas passadas.

Saímos daquele pequeno paraíso e voltamos para nosso pântano favorito, Khura Buri. Ainda estávamos a uns 700 quilômetros de Bangcoc e já há mais de um mês na Tailândia, por isso decidimos apressar o passo ao norte e chegar logo na capital. Quer dizer, não apressamos tanto assim, senão teríamos pegado um avião ou ônibus direto para Bangcoc, mas queríamos viajar de forma barata e local, por isso primeiro fomos de lotação para Chumphon e de lá embarcamos, no dia seguinte, em um trem até nosso objetivo final.

Foi o trem mais lento que já andei na vida. Eu, de bicicleta, conseguiria ir mais rápido que o trem. Oras, acho que minha avó de andador conseguiria ir mais rápido que aquele trem, e olha que minha avó nem é boa com o andador. Mas mesmo assim foi uma experiência incrível. Cortamos florestas tropicais, pequenas e charmosas vilas e plantações de seringueiras. Durante todo o caminho estávamos rodeados de senhoras simpáticas, senhores de aparência dura e um mar de vendedores ambulantes que forneciam de tudo para os passageiros. Frutas, doces, bebidas, salgados, órgãos do mercado negro…tinha realmente de tudo. O que não tinha (ou quase não tinha) eram turistas, o que foi reconfortante.

E assim que cortamos o país em ritmo de internet discada de forma deliciosa. Mas após mais de 12 horas de viagem chegamos exaustos em Bangcoc, com um certo cansaço acumulado de uma série de translados e excessos anteriores. Aliás, quando nos aproximamos da cidade o visual bucólico deu lugar a vilas cada vez mais sujas e pobres. Passamos por lugares em que pessoas pareciam morar em mangues formados por chorume e lixo. Esses momentos são importantes para nos lembrarmos que a imagem que criamos na nossa cabeça de lugares que visitamos é, obviamente, só nossa. A realidade costuma ser muito mais mordaz que uma brochura de turismo ou o Instagram alheio, mas é fácil se esquecer disso.

A menina e a janela

Enfim, Bangcoc. Uma das grandes cidades que eu queria conhecer. Achava que iria encontrar algo claustrofóbico, energético e quase cinematográfico, como Hong Kong foi para mim. Uma cidade com aquela eterna aura de “algo proibido”, onde negócios escusos são feitos em um submundo perverso, mas interessante. Uma cidade que seria o cenário ideal para um filme noir ou cyberpunk.

Infelizmente não foi essa minha relação com o lugar. Muita gente ama Bangcoc, mas acho que eu tinha expectativas demais. Não desgostei de lá, longe disso, mas não foi memorável como é para tantos outros viajantes.

Para ser justo também não aproveitamos a cidade direito.

De dia estava um calor digno de satanás, que começava derretendo o corpo, depois queimava lentamente a vontade de existir e aí incinerava o restante da alma. Pensa numa pessoa que transpirou em Bangcoc, fui eu. Sim, eu transpirei mais que aquele alemão branquelo de quase dois metros e levemente pançudo que tem em toda viagem.

De noite as ruas ficavam apinhadas de gente animada e agitação, afinal ficamos no coração da pseudo mochilagem, a Khao San Road. Mas nossos tempos de estripulias e perdição alcoólica já tinham passado (pelo menos na Tailândia) e estávamos em um momento mais calmo e contemplativo. Até tentamos forçar umas cervejas goela abaixo para entrar forçosamente no clima, mas nunca uma Chang desceu tão desgostosa na garganta de um homem. Estávamos em uma rotação diferente de toda aquela gente visitando Bangcoc.

Vida noturna

Obviamente que fizemos coisas bacanas lá. Conseguimos visitar apenas um templo de destaque, o Wat Pho, devido ao calor e a preguiça, e o lugar é impressionante. Cheio de gente, mas impressionante. Conseguimos também cair em um dos golpes mais conhecidos da cidade, aquele em que um sujeito simpático te aborda na rua, comenta sobre um feriado que não existe, diz que os templos estão fechados e oferece um tuktuk especial que vai fazer um tour maravilhoso por uma preço bacana. Coisa boa e barata demais é quase sempre bom demais para ser verdade, pelo menos por onde já tínhamos passado. E mesmo assim engolimos esse papo e visitamos um templo do elenco religioso coadjuvante da cidade, mais caído que paleteria mexicana hoje em dia, e uma malévola fábrica de ternos (onde ficaram muito decepcionados comigo quando eu não quis nenhum, logo eu que usei terno 3 vezes na vida) e foi nesse momento que percebemos a burrada e caímos fora. Nossas perdas foram mínimas, mas o golpe poderia ter feito um rombo gigante no orçamento caso não tivéssemos percebido. Enfim, depois dessa podemos já dar tchau pra cidadania brasileira, foi uma falta de instinto tremenda ter acreditado naquele jovem sorridente na rua. Inclusive não sei como estamos vivos até hoje nessa viagem.

Além de derreter em templos e levar golpes também visitamos um dos mercados flutuantes da cidade, muito interessante, mas seria mais interessante ver toda aquela dinâmica sem um milhão de estrangeiros por lá. Eu sei que também sou um deles e todo mundo só está curioso para conhecer o local (como eu), mas que seria mais bacana ver a versão “virgem” de um mercado desses, a isso seria. Mas o que vimos teve que bastar e gostei de conhecer o mini caos que se criou em cima de umas madeiras bambas boiando num rio. Comemos coisas boas, comemos coisas estranhas e eu vi uma senhora alimentando peixes como se estivesse alimentando cachorros, valeu a pena.

As peculiaridades do mercado

Só fomos parar no mercado flutuante pois antes, no mesmo dia, levamos um bolo do nosso free walking tour. Isso mesmo, pelo visto somos tão indigestos que nem a pessoa que faz o tour de graça pela cidade quis nos conhecer, imagina ela falando pro chefe “não, não, não… de graça com esses dois aí eu não faço”. Enfim, sei que ficamos um bom tempo plantados no porto onde deveria acontecer nosso encontro e nada. Acordar cedo dá nisso.

O programa mais legal de Bangcoc, para mim, não foi feito em Bangcoc. Foi nossa rápida visita à Ayutthaya, cidade capital do reino de mesmo nome, que foi uma força poderosa no sudeste asiático entre os séculos 14 e 17. Antes mesmo do Brasil ser “descoberto” ali pertinho de Bangcoc já existia uma cidade com construções quase alienígenas para nossos olhos ocidentais. As ruínas de Ayutthaya são incríveis, um misto de diferentes influências da região, principalmente Khemer, mas com personalidade própria. Visitar esse lugares, ou como a Marina diria “um amontoado de pedra antiga” é demais para mim. Gosto muito de ver ruínas, de imaginar a vida funcionando em arquiteturas e planos distantes e nessa altura da viagem ainda não tínhamos conhecido o Angkor, por isso as de Ayutthaya foram as primeiras ruínas bacanas que vimos. Foi um dia gostoso, em que pedalamos muito e eu tirei fotos ruins achando que estava arrasando. Apenas o sol que foi inclemente, como de costume, e eu perdi cerca de 43,7% da água do meu corpo enquanto estava em cima da bicicleta. Mas valeu a pena ter a liberdade de ir pra lá e pra cá como queríamos, sem depender de tour ou algum tuktuk. Apenas gostaria que inventassem uma bicicleta que não deixasse as nádegas doloridas.

Aliás, falando em Ayutthaya, impossível não lembrar do Sagat ao ver o Buda deitado de lá. Quase arranjei briga com um americano que estava de bobeira inspirado pela minha infância regada a Street Fighter. Eu ia dar meu golpe fatal nele, o “abraço do suor”, mas a Marina impediu.

Ruínas

Fomos e voltamos de lá com um trem quase tão lento quanto o que usamos para chegar em Bangcoc. Acho que é proibido que trens sejam rápidos na Tailândia. Mas, ao contrário do primeiro, esse não foi um transporte agradável, pois estava apinhado de gente do mundo todo. Muito agradável poder conhecer os odores únicos de cada canto do planeta.

Bangcoc foi isso para nós: muito calor, momentos altos, momentos baixos e sermos feitos de otários. Ainda que na nossa última noite por lá demos uma injeção de adrenalina na estadia ao fazer aquela bobagem de turista de comer os insetos repulsivos que uns locais vendem em toda Khao San. Pude degustar uma larva maravilhosa, com toques de noz moscada e um recheio parecido com mel. Perfeito. A Marina se aventurou com um escorpião, uma escolha bem pior ao meu ver, mas ela disse ter sido um dos pratos mais refinados que já provou na vida, e leve em conta que quem falou isso é a maior sommelier de McDonalds da América Latina.

E após a noite do referido banquete demos tchau para uma cidade que nos agradou, mas que eu esperava muito mais. Partimos de ônibus para Chiang Mai, onde chegamos (sem querer) para o famoso festival das lanternas.

Mas isso é tema do próximo post.

Beijos Quentes

Tailândia ou a ilha mágica

Esse relato cobre eventos de 06/11/2018 a 11/11/2018

Sejam bem-vindos amigos e amigas. Sobre o túmulo do bom-senso erguemo-nos em mais um dia de existência sem sentido. Para aumentar o nível do absurdo vivencial, eis aqui mais um capítulo do blog.

Saca só esse lugar. E o dia ainda estava “feio”

Os mais agraciados com memória se lembrarão que na última parte da aventura estávamos prestes a chegar em Surin.

Surin é um conjunto de ilhas e também um parque nacional na Tailândia. O acesso é restrito e a infraestrutura não é nem de perto a encontrada em outras ilhas do país. Não existem hotéis, resorts e restaurantes, apenas dois acampamentos em pontos distintos de uma das ilhas (a única em que se pode ficar). Nesses acampamentos existem banheiros e uma cantina. Para dormir os visitantes podem escolher entre tendas (acampar) ou uns poucos chalés que são bem caros. Para acampar é possível levar a própria barraca e só pagar a entrada do parque ou alugar as barracas que eles tem lá, muito mais acessível que os chalés, mas não é a coisa mais barata do mundo não. Além disso o parque nacional de Surin não é aberto para pernoites o ano todo, apenas em uma janela restrita entre outubro e maio. Todos esses fatores fazem o lugar ser um dos mais selvagens e sem turistas da Tailândia. E também um dos mais lindos.

Já da lancha que faz o transporte do porto de Khura Buri ficamos boquiabertos. Que mar. Que mar. Eu sei sou repetitivo e vou continuar sendo, sempre falando da cor do mar e etc… mas esses países da Ásia não pararam de me surpreender com suas belezas aquáticas. E olha que vínhamos de lugares lindos, como Phi Phi. Mas o azul de Surin… ah como o azul de Surin não tem igual. É forte e hipnotizante. Único. Deveria existir uma cor chamada “Azul de Surin”. Foi esse pedaço mágico de oceano que nos recebeu na ilha.

Ao chegar pagamos a entrada do parque (que dá direito de uma estadia de 5 dias, mas pode ser renovada) e fomos direcionados para nossa barraca, que ficava na areia bem em frente uma das praias. Aliás, ficava na praia. Se eu tropeçasse ao sair dela (algo muito provável de acontecer) já caía no mar. Olha, não tem hotel que se equipare com a vista da nossa “sacada” em Surin.

Garota local brincando na praia da cantina

A tenda era espaçosa e confortável, mas virava um forno durante o dia, mesmo a sob a sombra das árvores. O que, se você pensar bem, era um ponto positivo, pois assim a barraca fazia às vezes de acomodação e sauna, muito chique.

Mas sério, não dava para reclamar. A praia era linda e o mar estava ali disponível para nos refrescar quando desse na cuca. Aliás ficamos no acampamento 1, o único que estava aberto no nosso período de visita. Na nossa área podíamos curtir a praia em frente ao acampamento, a praia da chegada dos barcos e, com algum esforço, outras praias que ficavam na espécie de baía que a ilha forma, mas era necessário nadar pra chegar até elas. O acampamento 2 ficava na mesma ilha, mas na outra ponta da baía e em sua parte exterior, ou seja, dava pro mar aberto. Em teoria seria possível fazer uma trilha pela mata e visitar o acampamento, mas os cuidadores do parque fecharam o caminho devido ao alto número de cobras na floresta. Sim, Surin é bem selvagem. Mas não se aflija, amigo leitor, nós conseguimos chegar no outro acampamento. Já conto mais sobre isso.

Nossa parte da ilha contava ainda com uma cantina (única “fonte” de comida da ilha), que servia refeições simples, e banheiros com chuveiros. Ficar lá não era nenhum hotel 5 estrelas, mas estava longe de ser um acampamento cheio de perrengues. Tinha alguns, claro, mas eles só deixaram tudo mais divertido.

Um dos principais “problemas” enfrentados foi a areia. Aquela linda e convidativa areia branca também conseguia ser cruel e teimosa. Era impossível não levar areia pra barraca e, bem, dormir com ela raspando no colchão fuleira que tínhamos era o mesmo que dormir em uma lixa. Ótimo para uma esfoliação de corpo inteiro.

Outro desafio apresentado por Surin foram as formigas. Isso mesmo, formigas. Eu não sei o que tinha mais lá na praia, se era areia ou formiga. Era impossível ficar deitado tranquilo curtindo o sol sem sentir algumas persistentes guerreiras te escalando. Tínhamos formiga em tudo quanto é lugar, desde os cabelos até os buracos mais escuros de nossos corpos. Elas nem picavam, mas enchia o saco tentar relaxar enquanto uns insetos subiam em nós. Eu só aprendi a masterizar a convivência com as formigas no nosso penúltimo dia lá.

Aliás não eram só essas pequenas trabalhadoras que visitavam o acampamento. Alguns turistas desavisados deixavam comida a mostra em suas barracas. E aí vinham os macacos. E os macacos de lá são ousados, e olha que macaco já é um bicho ousado por natureza. Eles entravam nas barracas, roubavam coisas, brigavam com humanos e tocavam o terror pelo acampamento. Era engraçado de ver, mas confesso que uma vez fiquei apreensivo, pois o macaco (grande) entrou na barraca de uma coreana com ela lá dentro, fiquei com medo dela se machucar, mas nada aconteceu. Ainda bem que nenhum deles veio se engraçar comigo, sou amante dos animais e fiquei temeroso da possibilidade de sair na mão com um símio enfurecido. Todo mundo sabe que macaco luta bem.

O pilantra

E a bicharada não parava por aí: era rato, cobra e mais algumas coisas peculiares com várias patas que visitavam nossas barracas. Foram dias emocionantes.

Aliás, falando em emoção, uma das coisas mais legais que fizemos por lá, fora relaxar torrando sob o sol, foi aproveitar a maré baixa e nadar/andar pelas pedras até o outro lado da baía, em direção ao acampamento 2. Passamos por duas praias desertas no processo (algo muito raro na Tailândia). Foi um momento incrível, uma junção da paz que a natureza traz com a adrenalina da nossa trilha aquática. E o visual não era nada mal. Ao chegar ao lado oposto da baía atravessamos um curto trecho de mata achamos o tal do acampamento 2. Como ainda não era temporada, lá só tinham alguns cuidadores arrumando tudo para a eminente onda de visitantes. A praia desse acampamento era bem maior e mais isolada, mas achei nosso cantinho mais aconchegante. E após essa visita fizemos o quê? Oras, nadamos tudo de volta. Pelo menos fomos presenteados com um pôr do sol incrível no caminho. Essa foi nossa mini aventura dentro da grande aventura de Surin, só faltou um embate subaquático com um tubarão para ela ser melhor ainda.

Falando em coisas embaixo da água, esse era um dos pontos fortes do local, a visibilidade e a vida presente no mar. Surin é, segundo muitos nos disseram, o melhor ponto de snorkel da Tailândia. No acampamento era possível fazer dois passeios diários de snorkel por um preço camarada, e eu participei de duas saídas em dias diferentes. Realmente a vida e os corais lá eram incríveis, só vi coisas mais legais em lugares remotos das Filipinas, mas a história mais interessante relacionada a snorkel aconteceu quando voltando de um desses passeios, em que fui sozinho, me deparo com a Marina sendo massageada por um coreano sarado que também estava acampando por lá. Eu cheguei perto com agressividade, sem dizer nada mas com uma linguagem corporal para impor respeito, mas logo o rapaz me envolveu no ritual dele que era um misto de medicina coreana, chinesa e artes marciais e quando eu vi ele estava mexendo no meu peito. Mas não era de uma forma gostosa. Antes fosse. Ele primeiro deu umas espécies de tapas lentos, mas poderosos, que quase já expurgaram todo meu ar. Depois ele começou a fazer uns movimentos circulares com as pontas dos dedos e eu tinha certeza que ele ia arrancar meu coração do peito igual o vilão (que esqueci o nome) faz no Indiana Jones e o Templo da Perdição. Foi aí que percebi que a Marina não estava sendo massageada, mas sim torturada. De qualquer jeito eu salvei o dia e fui um herói. E sim, meu peitoral ficou dolorido por uma semana. Isso aconteceu logo em um dia que tudo tinha começado tão bem e eu tinha até visto golfinhos. Enfim, coisas de Surin.

Achamos que nossos dias lá seriam apenas pautados por longas esticadas na areia e mergulhos em águas incríveis, mas nós nos aventuramos na nossa própria trilha (como já relatado acima), fizemos yoga com uns tailandeses simpáticos, jogamos frisbee com outros tailandeses simpáticos, jogamos papo fora com o tal do coreano (que mal falava inglês) e com um francês que adorava nos dizer como ele nadava bem e ainda visitamos uma vila de “ciganos do mar”, uma antiga tribo de pessoas que já foram nômades aquáticos, mas hoje estão estabelecidos em uma comunidade dentro do parque nacional. Olha, foi uma estadia movimentada.

A tribo de ciganos do mar

Uma coisa muito bacana da ilha eram as pessoas que estavam no local. Não os visitantes das day trips que passavam lá vindo de outras cidades próximas, mas sim os membros do acampamento. Pareciam viajantes diferentes do que tínhamos visto até aquele momento – interessados, curiosos e levemente desajustados. Aquele tipo de pessoa “raiz” que quer apenas devorar o mundo. Para se ter uma ideia, ao voltarmos do parque nacional passamos de novo pelo hotel do Tom e da Ann e lá encontramos com um francês, um velho amigo deles que estava indo para Surin. Ele visitava o lugar todo ano há quase 3 décadas e a primeira vez descobriu o local apenas seguindo “um boato de viajantes”. Imagina ter a coragem de desbravar um país apenas por causa de um boato? Era esse o tipo de maluco que achamos por lá.

E outra coisa muito bacana, Surin foi o primeiro lugar da Tailândia onde achamos turistas tailandeses

Um mergulho rápido e várias cores

Olha, foi uma estadia quase perfeita: relaxamos, lemos, nadamos e nos aventuramos. Conhecemos e dividimos. Enfrentamos sol, calor e também chuvas torrenciais (e nossa barraca aguentou, ainda bem). Tudo isso em um dos lugares mais lindos que já vimos.

Com certeza Surin foi o canto mais especial que achamos na Tailândia.

Mas depois de 5 dias precisávamos ir embora e então voltamos para Khura Buri prontos para seguir mais ao norte ainda, dessa vez em direção à abafada Bangcoc.

E isso será o tema do próximo post.

Beijos quentes.

Tailândia ou o capítulo da arte de pegar carona e dormir no pântano

Olá, compatriotas do tártaro e das sombras. Chegou o momento da semana que até os círculos mais profundos da deep web temem, a atualização desse querido blog.

No último relato tínhamos acabado de chegar em Phang Nga, uma cidadezinha interiorana do sul da Tailândia, para tentar a sorte com uma carona. O primeiro dia na missão foi uma falha completa – andamos muito, fomos a atração ambulante ao passarmos em frente a uma escola em horário de saída, tomamos chuva e nenhum motorista sequer olhou para nossas tristes caras.

Para mudar essa situação resolvemos nos preparar melhor para a manhã seguinte. Quando a chuva deu uma trégua nos aventuramos na noite da cidade. Passamos por uma feirinha local, um shopping decadente e algumas lojinhas de rua. Depois de adquirir o material que necessitávamos (que eram apenas pedaços de papelão), fizemos o mapeamento da região para achar um lugar mais propício à bondade dos veículos passantes. Por sorte Phang Nga é uma cidade de praticamente uma avenida só e nosso hotel ficava quase na sua saída. Achamos um posto de gasolina na boca da estrada que seria perfeito para nossos objetivos.

De volta ao nosso quarto fizemos um trabalho de artesanato digno de ensino fundamental e escrevemos em tailandês e inglês o nome do nosso destino e a palavra “obrigado”.

Caronando

Pode parecer bobagem, mas estávamos um pouco nervosos. Seria a primeira vez pegando carona em uma viagem e, claro, em um país que não o Brasil. Oras, acho que até no Brasil nós não pegávamos carona com estranhos, afinal nossa cidade natal é pequena e praticamente toda carona (quando necessária) é com algum conhecido e se na grande São Paulo alguém estranho nos oferecesse carona eu sairia correndo, pois ainda não estou pronto para perder meus órgãos. E a Marina, você indaga? Eu largaria ela à mercê de um desconhecido? Oras, ela corre mais rápido que eu, a menina já estaria na lua quando eu começasse a me movimentar. E não, ainda não aprendi a confiar na boa vontade do paulistano.

Enfim, seria uma carona rápida, estávamos nos dirigindo para Khura Buri, umas duas horas ao norte de onde estávamos. De lá pegaríamos um barco para o parque nacional de Surin. Mesmo assim estávamos ansiosos.

E quando o dia seguinte chegou fomos até nosso local de combate, colocamos um sorriso no rosto (isso foi especialmente difícil para mim, pois a Marina diz que não sei sorrir direito) e balançamos nossas plaquinhas para os carros que passavam. Uma dica que li na internet e comecei a aplicar foi: estabelecer contato visual com o motorista. É uma boa dica, por um momento é criado aquele vínculo de estranheza que acontece quando você está encarando uma pessoa e ela percebe repentinamente. Mas é difícil manter esse vínculo, pois ele é pautado em uma situação desconfortável, tipo quando você está na sala junto com a sua tia e ela começa a se acabar em beijos molhados com o Clóvis, o novo namorado dela. Por isso eu senti que alguns motoristas quase pararam após estabelecida essa ponte de olhares, mas desistiram no minuto final. Tudo bem, continuei ali sorrindo meu melhor sorriso falso.

Depois de uma meia hora plantados no ponto insisti para que a Marina aplicasse a técnica do contato visual e logo um casal em uma Hilux parou e nos ofereceu carona. Acho que a Marina estabelece vínculos visuais melhores que os meus. Talvez toda aquela história de estranheza e desconforto seja exclusivo a minha triste pessoa, quem sabe. O importante é que conseguimos uma carona após eu incomodar alguns motoristas.

Os anjos da carona

Foi uma viagem apertada e silenciosa. Tentamos contato, mas nenhum dos dois falava inglês. Agradecemos muito eles pararem e seguimos quietos então. Algumas tentativas de papo logo morreram naquele silêncio ensurdecedor do incômodo com o alheio. Tenho quase certeza que os dois eram colegas de trabalho e não um casal com algum tipo de relacionamento, tanto pelas roupas quanto pela bagagem deles. Talvez fossem espiões de alguma nação vizinha e tinham acabado de roubar planos dos militares tailandeses, quem sabe, mas por mais que eu queira florear essa história o momento mais “emocionante” da carona toda foi quando o homem abriu a janela e jogou um papel de bala pra fora. A Marina quase pulou no pescoço dele.

E foi assim a história de como chegamos em Khura Buri, outra cidadezinha de “uma rua só” perdida no litoral da Tailândia. Khura Buri é um lugar quente, abafado, úmido e tropical. É uma cidade simples cortada por um rio que parece ser a casa de muitos crocodilos (não é). Apelidamos Khura Buri de “nosso pântano favorito”.

Khura Buri – aqueles NÃO eram nossos chalés

Logo que pulamos do carro de nossos amigos “espiões” seguimos a placa de um hotelzinho que vimos da estrada. Nossa plano era dormir uma noite lá e no dia seguinte ir para Surin, mas não tínhamos nada marcado.

Após seguir por uma estradinha lamacenta que acompanhava de lado um rio e do outra a mata fechada, demos de cara com uma clareira em que ficavam uns chalés rudimentares. Por sorte pegamos a dona dos chalés por lá, a Am (caso contrário teríamos que andar até a cidade de novo). Ela logo nos liberou uma das casinhas simples e disse para pagarmos depois, no escritório dela que ficava na (única) avenida da cidade. Ela avisou que também trabalhava com transportes para Surin, por isso a ideia era já matar tudo com uma cajadada só.

Aproveitamos para relaxar um pouco no nosso novo abrigo, feito de madeira e muita oração para ficar em pé. Foi lá que o apelido de “pântano” surgiu para Khura Buri, pois tínhamos a sensação que qualquer momento ou o chalé iria se enterrar no solo molhado do lugar ou algum réptil gigante iria nos atacar. Mas brincadeiras a parte, foi uma boa estadia. O lugar era limpo e confortável, apesar do banho ser frio e de caneca. Foi também uma das acomodações mais baratas que pagamos na Tailândia e, apesar da simplicidade e do local isolado, com um dos melhores sinais de internet da viagem toda. “Nossa, mas não é bom se desconectar quando assim na natureza?” – pergunta você, leitor mais inconveniente. Claro, é sim, mas se eu estiver morrendo devorado por um crocodilo uma internet boa é imprescindível para que eu conte o que está acontecendo para o mundo.

Enfim, nos adoramos o “pântano”.

Durante a tarde fomos para a cidade, almoçamos e fechamos tudo com a Am e o marido dela, o Tom. Eles são um casal batalhador e gente boa que além do hotel e da agência, ainda gerenciam um reggae bar no mesmo local do escritório, que também é a casa deles. Eles nos convidaram para voltar à noite e conferir mais essa faceta empreendedora deles, e foi o que fizemos. Mas antes de irmos tomar umas com nossos novos amigos locais paramos para jantar. E foi um jantar bizarro. Khura Buri não tinha muitas opções de restaurantes então fomos para o mesmo lugar em que almoçamos. Mas claro que o lugar era também a casa de uma família e acho que a dona só resolveu nos atender porque não poderia desperdiçar uns trocados. Comemos enquanto a família dela assistia tv. Quer dizer, enquanto o marido dela resmungava algumas coisas do sofá, o filho pelado (e o garoto não era novinho não) desfilava sua nudez pra lá e pra cá e uma novela muito peculiar, de vampiros tailandeses, passava na televisão. Foi um momento estranho.

Depois desse pulo na mente de um David Lynch asiático nos dirigimos pro bar. Os únicos clientes éramos nós e mais dois casais que também iam para Surin com os serviços do Tom e da Am. Foi divertido. Bebemos com os dois, conhecemos seus filhos e parte de seus amigos e comemos uma pimenta local que quase acabou com a minha boca. Estava tudo pronto para irmos pra Surin e ainda sairíamos de Khura Buri de forma “perfeita”.

Am e Tom

Mas claro que não foi isso que aconteceu.

O dia acordou chuvoso e feio, mais cinza que São Paulo em seus melhores (piores) momentos. Por isso resolvemos ficar mais uma noite na cidade. Dessa vez nos abastecemos de salgados e porcarias do seven eleven local (toda cidade na Tailândia tem um, por menor que seja) e evitamos as estranhezas dos restaurantes da região. A tarde o Tom levou a gente e um casal de alemães (que também adiaram em um dia a viagem deles) para uma cachoeira local. Não era nada demais, o que ele chamou de cachoeira era na verdade uma correnteza com pedras, mas demos uma nadada nas águas geladas do rio e foi gostoso. A caminhonete do Tom quebrou bem ali no meio do mato e ficamos mais de uma hora empurrando ela pra lá e pra cá tentando fazer pegar no tranco. Não deu.

Repara na minha chinela

O passeio foi interessante para vermos os entornos da cidade e perceber como a mata é fechada e tropical naquela parte da Tailândia. Khura Buri ainda é bem ao sul de Bangcoc, mas lá já dava pra sentir a mesma asfixia úmida que a capital propicia. Quase um gostinho de Brasil e suas florestas.

E esse foi nosso dia extra na cidade. Com comida ruim pra saúde mas boa pra alma, passeio meia boca e exercícios forçados. Continuamos gostando muito de Khura Buri, apesar de não ter nada de especial por lá.

E finalmente no dia seguinte conseguimos ir para Surin. Eu sei que não expliquei muito o que é Surin ainda, mas esse será o assunto do próximo post. Só vou adiantar que é um conjunto de ilhas e parque nacional que só abre em determinada época do ano, tem número limitado de visitantes e infraestrutura simples, por isso tivemos que acampar por lá. Foi nosso lugar favorito na Tailândia (um país que amamos) e onde peguei a Marina recebendo massagem de um coreano bem à beira mar (talvez por isso ela tenha gostado tanto). Mas como já disse, Surin será o tema do próximo post.

Beijos Quentes