Esse post cobre os eventos que aconteceram entre 15/08/2018 a 17/08/2018
Ficamos um dia a mais em Moscou do que queríamos, tudo culpa de uma leve confusão ferroviária causada pela dificuldade de comunicação e falta de planejamento. Mesmo assim conseguimos comprar as desejadas passagens para São Petesburgo. A atendente do guichê nos salvou quando tudo parecia perdido, ela nos ajudou do jeito russo (um pouco sem paciência e grossa), mas ajudou. A máquina de auto atendimento parecia coisa de outro planeta, mas depois de entender um pouco melhor o alfabeto cirílico fica fácil. Muito chique né? Falar que sabe cirílico porque comprou passagens de trem pela Rússia. Esse tipo de viagem deixa qualquer um esnobe.
Saímos da cidade durante a noite e após um trem de nove horas estávamos em São Petesburgo. Essa foi o nosso primeiro contato com os trens que seriam tão importantes para nossa viagem Russa, foi também o primeiro contato com nossa amada (sem ironia) farofada da terceira classe, o bilhete mais barato desse maravilhoso meio de locomoção.
Claro que não sabíamos quase nada dos “rituais do trem”, aliás eu e a Marina somos campeões de nos metermos em situações sem saber nada de antemão. Se isso fosse um esporte estaríamos ali pau a pau com o Jon Snow para ver quem são os melhores.
E foi nesse clima que pegamos nosso transporte cheio de famílias russas se deslocando durante suas férias.
Vou fazer um resumo aqui pois teremos um capítulo apenas sobre os trens e nossa rota pela Sibéria.
Vamos lá: ao entrar no vagão já nos deparamos com um festival de sons e cheiros. Pegamos um trem noturno vindo de algum lugar do país, por isso ele já estava cheio de pessoas jantando, bebendo e/ou dormindo. Os vagões da terceira classe têm “cabines abertas” (sem paredes) com dois beliches que ficam onde seria a “cabine fechada” e uns beliches mais apertados no corredor. Essa disposição é importante pois existe toda uma etiqueta de poder ficar sentado na cama de quem está embaixo e utilizar as mesinhas comunitárias, mas como pegamos um trecho relativamente curto e fomos no corredor, um em cima e outro embaixo, não passamos por esse processo. Essa descrição ficou meio confusa, mas foi mais ou menos assim que nos sentimos nessa primeira jornada.
Porém fique calmo, apenas achamos confuso pois éramos praticamente virgens desse tipo de trem, talvez você, viajante mais experiente, não tenha nenhuma dificuldade em pegar uma locomotiva na Rússia.

E foi assim que chegamos em São Petesburgo. Percebam que enrolei pra caramba e nem da cidade falei ainda, isso se chama literatura.
Mas antes de falar desse ilustre município russo (já aviso que vou gastar só uns dois parágrafos pra isso) preciso contar sobre a nossa experiência nos cinzentos subúrbios de lá.
Após sair da estação de trem e darmos uma leve aclimatizada com o lugar, pegamos um ônibus em direção a periferia. Isso porque em São Petesburgo teríamos nossa primeira experiência com Couchsurfing, aquela rede social em que pessoas oferecem e procuram acomodações, de graça, pelo mundo todo. Estávamos indo ao apartamento da Irina, nossa anfitriã da vez.
Chegar lá foi fácil, mas o bairro era bem afastado e um pouco caído. Um grupo de prédios de aparência antiga, como um conjunto habitacional soviético. O dia cinzento e chuvoso contribuiu para dar uma atmosfera mais sombria pro lugar. Claro que fomos em frente, afinal já sabíamos que o apartamento era afastado e provavelmente toda estranheza que estávamos sentindo naquele lugar era apenas fruto de algum preconceito nosso. Um dos motivos de viajarmos era abrir horizontes e sair da zona de conforto.
Então lá fomos nós, pulando de borrão cinza em borrão cinza até achar o prédio da Irina. Tivemos um pouco de dificuldade com o interfone, tocamos algumas vezes, até que uma voz masculina cansada nos atendeu. Entramos. O prédio era escuro e apertado. Acho que nunca tinha visto um prédio com corredores tão estreitos na vida. Passar ali de mochilão foi trabalhoso. O elevador era tão estreito quanto o resto da estrutura, mal coubemos eu e Marina lá dentro, e olhe que não somos os maiores espécimes da raça humana. Enquanto ascendíamos lembro de ver um grafite de um emoji triste, grande, bem na porta. Talvez um aviso do que estava por vir.
Irina nos recebeu sorridente e foi muito simpática, estava saindo pro trabalho mas antes nos mostrou tudo. E aí as coisas ficaram ainda mais estranhas. O apartamento tinha uma aura de estar constantemente sujo, empoeirado. Não que ele estivesse sujo naquele momento, ele parecia estar sempre sujo. O lugar comportava no máximo umas 5 ou 6 pessoas, mas Irina estava recebendo umas 12 quando chegamos. Tinham pessoas amontoados feito sardinhas em um quarto e o resto estava na sala, dormindo no chão ou em redes improvisadas. Ela nos mostrou nosso canto, um colchão com um jovem russo embalado no sono em uma rede bem em cima de nosso humilde leito. Ao nosso lado tinha um casal dormindo quase nu em uma cama improvisada. Na nossa frente tinha um rapaz da Letônia que acordou bem quando chegamos (era bem cedo) e ficou conversando sobre suas apostas comigo. Apesar de toda estranheza que cercava a situação e a estrutura com apenas um banheiro triste e sujo para um bocado de pessoas, resolvemos dar uma chance para esse lugar que parecia o começo de uma cópia barata do filme “O Albergue”. Estávamos cansados e demos uma dormida com o russo voador pairando sobre nossas cabeças. Foram umas duas horas de sono até o sexto sentido da Marina entrar de vez em colapso. Talvez ela tenha sonhado comigo perdendo um rim ou algo do tipo e quis ir embora. Um pouco sonado dei uma outra olhada pelo lugar e concordei prontamente. Aproveitamos que a Irina tinha ido trabalhar e saímos, deixando um presente que tínhamos comprado pra ela em cima da mesa. Em nossa última passagem pelo prédio estreito vi o quanto ele parecia o cenário de filmes como “The Raid” ou “Juiz Dredd”. Caso você não conheça esses filmes, isso não é um bom sinal. Demos tchau para aquele bairro melancólico e fomos para o centro da cidade.
Até hoje não sei se esse episódio foi frescura nossa de começo de viagem (depois enfrentamos perrengues similares) ou algo do tipo, mas como já disse, a situação toda era muito estranha. As fotos e a descrição do lugar no Couchsurfing não condiziam com a realidade, tudo era bem mais sujo do que esperado. Aliás acho que ali estava escrito que o limite máximo de hóspedes que a Irina recebia por vez eram 5 (posso estar enganado). Falando em Irina, ela é uma pessoa incrivelmente simpática e foi muito gentil conosco, mas mesmo assim a sensação de que em algum momento do dia alguém ia perder um órgão pairava forte no ar. Achamos melhor não arriscar.

Depois do começo cheio de adrenalina o resto da nossa estadia em São Petesburgo passou sem grandes emoções. Achamos um bom hostel bem perto das atrações da cidade, andamos muito e curtimos rapidamente o local.
Achei São Petesburgo muito mais europeia que Moscou, muito mais ocidental. É, talvez, menos peculiar, mas tem bastante charme. O verão ainda tinha força, por isso foi gostoso demais andar pela cidade, cheia de canais e cortada pelo rio Neva. Aliás ali foi mais um lugar em que batemos perna pra valer. Dois dias visitando tudo que era possível. O palácio de verão, fortalezas, catedrais e, claro, o Hermitage (pra desespero da Marina). Quase der retemos ali dentro, o calor gerado por, bem, o sol e os infinitos grupos de turistas chineses estava insuportável. Mas o museu é incrível e valeu a pena.
E foi isso.

No mesmo dia em que visitamos o museu a Marina ainda teve a incrível oportunidade de comer um strogonoff russo (tava bem bom) e eu comecei a perceber que nessa parte do mundo ninguém gosta de gelar muito a cerveja, fato que eu tomaria como certeza após mais alguns meses pela Ásia. Ainda levamos para o hostel, por teimosia da senhora Arrigoni, uma caixa gigante de framboesas que compramos de uma vendedora de rua. Até aí tudo bem, se não fôssemos embora da cidade em menos de 24 horas. Claro que deixamos 88% das framboesas no nosso quarto.
Minha última memória de São Petesburgo somos nós dois, no dia seguinte, correndo em direção à estação de trem para não perder nosso primeiro transporte do roteiro transiberiano, consequência de um erro de direção do ônibus tomado e uma certa enrolação de ordem gastro intestinal. Esse é um episódio que gosto de chamar de “Missão Impossível : Rússia” e envolveu muito suor e esforço de nossas colunas. Crianças, não corram pelo trânsito de uma cidade estrangeira com mochilões nas costas.
E enfim partimos em direção à Sibéria.
Beijos quentes
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