
Olá, bravos sobreviventes do ano de 2020. Esse espaço virtual já estava abandonado, empoeirado e fadado ao esquecimento. Mas as circunstâncias peculiares da nossa realidade me levaram a reconsiderar as atualizações da nossa viagem, porque não é possível que ler estes textos seja pior que do ler as notícias. Divirta-se.
Terminei o último texto com a promessa de comentar sobre duas experiências particularmente marcantes que aconteceram durante a tal da road trip. Agora, olhando com um certo distanciamento, talvez elas não sejam tão incríveis assim, Talvez você leia e pense “que merda hein”. Mas de alguma forma elas foram especiais para nós e por isso vou manter a promessa.
A primeira das tais experiências aconteceu em Coral Bay, uma pequena cidade bem ao norte da costa oeste. E quando eu digo cidade pequena, acredite, era pequena. No máximo 4 ruas e 196 habitantes de acordo com um levantamento de 2006.

A temporada de mergulhos com tubarões baleia tinha acabado de começar e resolvemos aproveitar (afinal tínhamos que fazer algo fora do carro). Nas Filipinas, por onde já tínhamos passado, existe um local em que também se pode nadar com o maior peixe do oceano, pagando muito menos inclusive, mas não nos interessou participar, pois lá os tubarões são alimentados todos os dias e são quase domesticados. Aliás são bem dos estranhos, como zumbis marinhos cercados por uma horda de humanos. Não nos pareceu algo agradável de fazer, nem para nós e nem para os tubarões baleia.
Na Austrália a história era diferente. O processo seria muito mais integrado com o ambiente e com a passagem do tubarão por aquelas águas, muito menos invasivo e muito, mas muito mais caro. Acho que essa é uma das poucas vezes que vou escrever isso na vida, mas fiquei feliz de ter pagado a mais.O esquema é muito profissional e as pessoas bem treinadas – um grupo pequeno de turistas pega o barco e faz snorkel enquanto um aviãozinho procura pelos tubarões e, assim que os avista, avisa a equipe no barco. Todo o processo é bem rápido e, na minha opinião, cheio de adrenalina. Nós, turistas, assim que o bicho é avistado, recebemos um briefing rápido de como se portar na água, nos separamos em dois grupos e já ficamos a postos na parte traseira do barco para cair na água. Assim que o guia diz “vai” todos tem que pular no mar e nadar como se não houvesse amanhã, até que uma hora o bichão surge.
Em todas as vezes que repetimos o processo o tubarão baleia passou por nós como se não fôssemos nada. Um ser do tamanho de um micro-ônibus nadando com toda sua graciosidade e ignorando nós, os estranhos. Em alguns momentos conseguimos acompanhá-lo, e nadar ao seu lado foi incrível. Não dá para descrever a sensação de estar ali com um ser tão grande e majestoso, como se fôssemos colegas dando um passeio juntos.

Para melhorar tudo e deixar a experiência mais graciosa, claro que eu passei uma vergonha, pois o processo contínuo de “caçar” o tubarão (pular no mar, subir no barco, se preparar de novo, ficar na parte traseira do barco esperando, pular no mar, subir no barco e etc…) me causou um sério enjoo, ainda mais porque ficávamos respirando aquele cheiro agradável de diesel do motor o tempo todo. Dessa vez fui eu quem acabei vomitando (e não a Marina), não uma, mas duas vezes. Pelo menos fiz tudo com a discrição de um lorde inglês. Um lorde inglês com restos de pão e manteiga pelo corpo, mas ainda um lorde inglês.
Talvez alguém tenha visto, não sei, mas foram regurgitadas consideráveis. Gosto de pensar que fiz minha parte para atrair o tubarão baleia para perto do barco.

E nesse dia, além disso tudo que já escrevi, ainda fizemos snorkel com tubarões “normais” e vimos tartarugas e baleias passando por nós. Nada mal para algumas horas no mar.
A segunda experiência que gostaria de comentar foi quando resolvemos acampar no meio do nada em um camping perdido entre o mar e o deserto chamado Gladstone. O rastro de civilização mais perto do local era um pequeno posto de gasolina comandado por um casal de velhinhos a uns 18 km de distância.
O lugar ficava bem à beira mar, em uma praia revolta com apenas um pontão quebrado que alguns malucos usam para pescaria. Chegamos no fim da tarde e estava praticamente vazio, apenas nós e mais uns dois ou três grupos de pessoas. Como a área de camping é vasta, ficamos bem isolados de todo mundo. Pelo terreno vimos alguns trailers antigos trancados, que pareciam abandonados. O deserto melancólico atrás de nós, o mar selvagem à frente e uns trailers misteriosos ali com a gente criaram um clima de filme de terror e eu estava crente que alguma hora uma família de caipiras canibais iria se esgueirar até nosso acampamento e tentar massacrar todo mundo (ou apenas tomar uma cerveja com a gente). Fico feliz que isso não tenha acontecido, mas digo também que estou preparado para esse tipo de cenário, então podem se acalmar os leitores mais aflitos, sei me virar pelos meandros da maluquice humana.
Mas estar longe de tudo foi bem bacana. Quer dizer, seria ideal caso fôssemos preparados e experientes nesse tipo de coisa, coisa que não éramos. Para começar nem fogareiro ou algo do tipo tínhamos, pois vimos pelo nosso celular que o camping (supostamente) tinha churrasqueira, o que acabou sendo uma mentira. Tivemos que improvisar uma fogueira, algo que agora eu me dou conta que é ilegal fazer por aquelas bandas, e nem fósforo ou combustível havia por lá. Enquanto fui correndo até o posto ver o que dava para arranjar, o Paulo, nosso amigo que nos acompanhou nessa aventura, conseguiu usar a pederneira da minha faca e acender a fogueira com uns jornais velhos e madeira seca. Voltei e descobri ele comemorando o feito como um homem das cavernas que descobriu o fogo. Coletamos mais madeira seca dos arbustos em volta (mais um ato ilegal nosso) e improvisamos uma grelha com um pedaço sujo de ferro que achamos no chão. Tudo bem higiênico.

Enquanto isso a Marina mostrou que já pode ser considerada australiana e montou as barracas em menos de 1 minuto.
Foi uma noite de improvisos, churrasco com carne suja (caiu no carvão diversas vezes), cerveja quente e KLB no som. Deu tudo tão errado que deu certo, e sujos, suados e queimados nos divertimos muito. Lá foi também onde vimos o pôr do sol mais bonito da Austrália. Toda vez que estamos passando um perrengue um pôr do sol bonito aparece, acho que é um jeito do universo de apaziguar as coisas.
E o melhor da noite foi na hora de dormir, em que descobrimos que nosso convidado Paulo não cabia na barraca em que compramos (e ele tinha uma só pra ele, eu e a Má estávamos compartilhando outra). Ele resmungava e se debatia lá dentro, como um animal bêbado e enjaulado. Eu não conseguia parar de rir ao ver os pés dele despontando para fora da tenda. Acho que se eu estivesse um pouco mais sóbrio sentiria pena. Aposto que ele ficou com saudades do hostel esquisito em que colocamos ele no começo da viagem.
Foi um dia estranho e diferente, mas especial a sua maneira. Hoje me dou conta que cometemos algumas ilegalidades, coisa que eu não faria de novo, mas na hora estávamos lutando pela nossa sobrevivência, então está valendo. Fico feliz de não ter começado um incêndio imenso.
Caso alguém queira saber mais dessa nossa jornada recomendo o perfil da Marina: @sejogaai – lá dá para ver bem por tudo que passamos. Eu já cansei de escrever, então o capítulo está quase no fim. O que resta dizer é que voltamos para Perth e ficamos alguns dias em um Airbnb até o Paulo ir embora e até começarmos outra road trip, dessa vez só eu e a Marina.
Em Perth fizemos o que fazemos de melhor, fomos à praia, fizemos churrasco e bebemos umas cervejas diferentes. Baita cidade legal.
Fiquem bem e não caiam numa espiral de loucura e ódio. 2020 vai passar.
Beijos Quentes.