
Sejam bem-vindos meus queridos companheiros de sofrimento. Colegas de assento nesse ônibus desenfreado que é a vida. Enquanto nossa parada final não chega deixo vocês com mais um amontoado de palavras para entorpecer a alma e, com muita sorte, trazer um sorriso para esses belos rostos.
Terminei o último texto quando chegamos em El Nido, uma cidade bem turística ao norte da ilha de Palawan. Supostamente um lugar incrível, um dos mais bonitos do mundo e etc… Acho que exploramos a região de “forma errada”, pois não achei El Nido tudo isso. Calma lá, claro que é um lugar lindo, mas nosso parâmetro para coisas bonitas já estava bem alto (e ainda aumentaria depois de El Nido), mas não me surpreendi tanto e desconfio que a culpa disso caí no ombro das hordas de turistas que assombram o lugar. Para ser justo, tivemos um único dia bem gostoso por lá – foi quando alugamos uma scooter e deslizamos por estradinhas à beira-mar até praias afastadas. Estar na estrada em um dia de sol enquanto desbravando vilas locais e passando por trilhas de terra/areia foi incrível. Um daqueles momentos da viagem de uma pulsante sensação de liberdade. Talvez a perpetuação do espírito “motoqueiro” que surgiu em mim no Vietnã. Claro, vale lembrar que tudo isso foi feito a menos de 80 km/h em uma motinho com a potência de um secador de cabelo, mas até o Motoqueiro Fantasma começou de baixo, então está valendo.
Vai, pode rir, mas que é legal explorar uns países do sudeste asiático de motinho, é sim.

Aliás nesse dia visitamos três praias diferentes. Na primeira, Nuli Beach, populada por surfistas, tive um encontro com um filipino que surgiu como um fantasma de umas pedras com uma arma (que parecia um arpão) na mão. Foi uma verdadeira aparição, como se um fantasma do universo de Waterworld estivesse se comunicando comigo. Ele se teletransportou para um lado da praia que só tinha eu (o lugar estava bem vazio), fez o movimento universal de “joia”em minha direção e desapareceu novamente. Certeza que foi algum Deus local dando seu aval para minha nova fase motoqueira. Obrigado, nobre espírito.
Em uma das outras praias que visitamos, Nacpan, a Marina tomou um caldo incrível que está registrado em vídeo, recomendo conferir o Instagram do @sejogaai. Essa era uma praia mais cheia, mais “da modinha”, com diversos turistas sendo servidos em seus guarda-sóis a todo momento por Jarbas filipinos desesperados por uns dólares. Tinha potencial para ser o local mais bonito que visitamos no dia, mas o excesso de europeus estragou um pouco a mágica do lugar. Mesmo assim valeu a pena a visita, principalmente para ver a Marina quase ser levada por Netuno (não que eu gostaria que ela fosse embora para as profundezas, pelo amor de deus, é que foi engraçado mesmo).
E na última praia visitada, a mais perto da cidade e do nosso hotel, curtimos um pôr do sol maravilhoso. Olha, não foi nada mal para um segunda-feira. Oras, como eu sei que era segunda-feira? Porque eu me lembro claramente de olhar, com o vento na cara, o sol já cansado no horizonte enquanto passávamos por uma estrada lotada de coqueiros e pensar “coitado de quem nunca começou uma semana assim”.

No nosso outro dia em El Nido fizemos um dos famosos tours que tem por lá. Eles dividem as atrações por tours chamados de A,B,C e D. Sei lá se tem o tour E. Sei que fizemos o tour C, um dos mais recomendados, e foi bem mais ou menos. Visitamos lugares espetaculares, mas que estavam sempre cheios. Não dava pra admirar a paisagem com 376363 turistas por todos os lados. Nesse dia vi mais turista que mar. Longe de mim dizer que foi um dia ruim, mas de novo, perto do que já tínhamos passado (e ainda passaríamos), não foi espetacular.

E nesse mesmo dia tivemos nosso encontro introdutório para a TAO.
Mas o que é TAO? Uma unidade internacional de espionagem? Uma seita secreta de surfistas motoqueiros? Um festival de música focado apenas na marimba?
Não. Nada disso. Calma, eu explico.
TAO Experience é uma expedição. Ou um “mega passeio”. Algo nesses moldes. O que acontece é: essa empresa, a TAO, faz um tour de barco entre Palawan e Coron (grandes ilhas Filipinas) de 5 dias. Nesse meio tempo essa expedição para em diversas ilhotas pelo caminho e os participantes conhecem e dormem em lugares paradisíacos e “desertos”. Resumindo, é um baita negócio legal. E a nossa expedição partiria no dia seguinte, mas antes precisávamos participar desse encontro para acertar detalhes pendentes, conhecer os outros membros e falar com a tripulação. É tudo muito bem organizado e explicado. Vale a pena.
O grupo do nosso barco era bem diverso. Cerca de 20 pessoas de várias idades e países diferentes. Alguns tiozões holandeses, jovens australianos, umas canadenses, uns senhores ingleses e, claro, os brasileiros. Nós éramos seis, eu, a Marina e o Edgar e o Enzo, que já sabíamos que encontraríamos lá, e de lambuja conhecemos mais dois, a Nat e o Pedro. E brasileiro tem aquele negócio: é cheio das panelinhas. Nós, cansados de interagir só com gringos, abraçamos o “grupinho” com felicidade. Não que não conversássemos com outras pessoas, longe disso, mas é bom dar uma papeada em português de vez em quando.

A expedição em si foi surreal, vou resumir um pouco toda a experiência. Foi uma sensação incrível de desbravar ilhas Filipinas, fazer snorkels inesquecíveis, conhecer praias de água cristalina e areia branca, fazer cliff jumps de 10 metros, nadar com navios afundados da segunda guerra e dormir (quase) sob o luar em paraísos perdidos. Foram tantos locais bonitos que ficamos até anestesiados. Sério, é triste isso, mas até praias lindas podem virar rotina e o espetacular virar normal. Talvez isso tenha sido um indicador que nossas vidas estavam legais demais e o “foda” estava sendo a média de nossas experiências. Ou talvez fosse um indicador que nós já estávamos mortos por dentro e nem o mais belo canto do nosso planeta poderia nos emocionar. Talvez eu seja mais compatível com a segunda opção, mas a Marina não tem essa alma negra, então não sei qual a resposta correta.

No fim a TAO é uma experiência rústica, mas sem ter são rústica. Você passa perrengues como dormir em cabaninhas de bambu ao relento, tomar banho de canequinha, ficar o dia no barco, estar sempre molhado e ter pouca roupa disponível. Mas, ao mesmo tempo, tem toda uma tripulação trabalhando para você, base camps com o mínimo de estrutura possível e comida e bebidas a quase toda hora (pelo menos bebidas). Vale a pena. Vale ainda mais se acontecer de você passar seu aniversário em uma praia surreal e com um naufrágio japonês ali perto, esperando para ser visitado. Foi o que aconteceu comigo e foi foda, mas não sei se é tão foda quanto aquele churrasco que termina com o choro de um velho amigo e o vômito de outro. Amizades realmente importam, veja só.
Deixo aqui a dúvida no ar e algum outro caro companheiro que passar o aniversário nas Filipinas pode responder de uma vez por todas o que é melhor: ilha perdida ou churrasco com Crystal?
Todos os brasileiros, menos eu, passaram mal antes ou durante a expedição (a Má passou logo no primeiro dia, mas melhorou), então nosso grupo estava sempre cambaleante durante curtição. Salientei esse ponto apenas reforçar que não sou chamado de “Wolverine brasileiro” à toa. Juro, muitas pessoas me chamam assim.
Puxei esse assunto relacionado à comida e as nossas sensibilidades gastro-intestinais pois esse foi um tópico que, principalmente durante a TAO, foi razão de um pico de ufanismo e saudades do Brasil. Acho que o excesso de peixe e vegetais, fora certo desgaste normal da viagem, me fizeram sentir saudades de qualquer comida do Brasil. Churrasco, coxinha, requeijão, brigadeiro, pão na chapa. Até aquele bife duro do quilo mais barato perto do trabalho, tudo deu saudades. Aliás, acho que você, senhor privilegiado por poder comer um arroz com feijão e farofa a hora que quiser, deveria valorizar mais a comida brasileira no geral. Durante meus tempos de reflexão marítima tentei tecer uma teoria do porquê nossa culinária é a melhor do mundo, mas percebi que não tenho argumentos suficientes para provar com fatos o que eu sei que é verdade dentro do meu coração. Meu único argumento é: confia em mim que eu sei do que estou falando. Comida brasileira é foda.
E digo mais, podem me oferecer qualquer café da manhã gringo do mundo, sei que tem muito leitor aqui que é fã de um bacon com ovos ou um “english breakfast”, mas vocês me desculpem, nada é melhor que o velho pão na chapa e o misto da padaria, daqueles que já carregam o gosto de tudo que passou na chapa durante a semana. Isso mais um Nescau gelado ou um pingado é imbatível. Estou aberto a embates públicos com qualquer um que queira me refutar. Embates físicos e/ou orais, que fique claro
Outro ponto onde o ufanismo apertou o calo durante nossa expedição foi em relação a comunicação com europeus no geral.
Peguei um certo ranço dos gringos durante esse período, sempre se maravilhando por tudo, com uma ingenuidade e humor um pouco “bobos”. Sei que isso é tolice e provavelmente um reflexo de como precisávamos de um descanso, afinal conseguir se maravilhar é algo legal e que deve ser valorizado. Mas, como estávamos com nosso humor mais sombrio, preferimos o cinismo e a inigualável capacidade brasileira de criticar tudo. Juro que isso está curado agora.

E, para completar as observações sobre a TAO, ficam os dois últimos destaques: o lechon mal cozinhado que quase nos matou e Brett, o explorer. O lechon nada mais era que um porco no rolete que a tripulação resolveu fazer como surpresa pros membros da expedição, mas deixaram apenas duas horas em uma brasa baixa e o bicho estava completamente cru. Foi bem no último dia e nosso desejo por carne foi apenas iludido por esse leitão maldito. Quanta decepção. Brett, por sua vez, era um australiano ímpar com um sotaque mais ímpar ainda. Um homem de meia idade, corpulento e meio gordinho, que se vestia como um explorador. Ele gostava de se envolver nas atividades da tripulação (tipo ajudar eles a cozinhar, o que é bem legal da parte dele) e ficava de forma bizarra sempre pelos cantos, nunca realmente interagia com o resto do pessoal. Na noite que fizemos uma fogueira, por exemplo, estava lá um grupo trocando ideia perto do fogo numa boa, do nada uma luz se acendeu na escuridão, todos nos assustamos com uma intervenção tão impactante vinda das sombras. Era o Brett, sentado sozinho. Ele resolveu ligar sua lanterna, ir até o fogo, revirar uns pauzinhos para atiçar as chamas e aí o que? Invés de ficar com a galera conversando ele voltou pro seu canto escuro, sentou e apagou as luzes. Foi dramático e foi lindo, quase como o Batman sendo abraçado pelas trevas. Brett, seu doce príncipe, nunca mude.

Foram 5 dias inesquecíveis com a TAO. A aventura de uma vida, mesmo. Meu único arrependimento é saber que fizemos uma coisa tão incrível com um humor não tão incrível assim. Estávamos um pouco cansados e abalados por experiências recentes, com a mente a mil por hora e a alma um pouco envenenada. Mesmo assim foi incrível, mas eu explico melhor essa nossa condição “estranha” no próximo post.
Beijos Quentes