
Olá, guerreiros e guerreiras da paciência. Para os que ainda conseguem arrastar os olhos por essas linhas malditas, premio vocês com uma abertura otimista ao invés daquele costumeiro falatório sombrio e sem sentido que tanto gosto de colocar por aqui. Venho com um simples pensamento que pode mudar tudo para melhor. Alguns chamam de epifania e outros de insight. Eu chamo apenas de sabedoria. Bom, lá vai: alegre-se, o mundo pode estar pegando fogo e nossas vidas escorrendo por entre os dedos gordurosos da opressão, mas pense que em alguma obscura dimensão paralela o Jorge Vercillo é dono de 8 das 10 músicas mais tocadas na rádio. Uma realidade tenebrosa que eu nunca quero conhecer.
No último relato tínhamos acabado de começar nossa jornada pelos campos dourados da Turquia. Passamos por Konya, tive a orelha incinerada e então continuamos viagem. Rasgamos o antiquíssimo solo turco em direção às ruínas da cidade de Hierápolis e às piscinas termais de Pamukkale.
Esses não são lugares perto de Konya, por isso ficamos umas boas horas na estrada até alcançarmos nosso destino. Gostaria de ter algo a comentar sobre a paisagem, mas achei tudo bem parecido com as grandes estradas que temos no sudeste do Brasil, nada demais. O fato mais relevante dessa viagem foi o nosso carro, que praticamente andou para trás perto dos outros (sim, estou reclamando dele de novo). Calma. Você deve estar pensando que eu sou maluco e é impossível um lugar na Turquia parecer o Brasil, e parece loucura mesmo, mas em muitos momentos achei esse pedaço de terra da Ásia Menor semelhante a nossa antiga Ilha de Vera Cruz. Mas depois passamos por estradas únicas e paisagens incríveis totalmente diferentes do que vemos no nosso país.
O importante é que mesmo as estradas comuns nos levaram ao nosso destino. Chegamos em Denizli, a cidade perto das atrações que eram nosso objetivo, em um fim de tarde chuvoso e quase frio. Arranjamos um hotel bom e barato, daqueles que faz a minha alma transbordar de alegria. Nada melhor do que economizar dinheiro com o mínimo de saneamento básico. A região de Denizli é conhecida pelas águas termais e o destino nos premiou com um hotel que tinha banheiras termais em cada quarto. Admito que sou um entusiasta de banhos de banheira, embora ache eles mais eficientes para o relaxamento do que para a limpeza, então logo quis aproveitar a atração que nos esperava, principalmente porque o dia não fazia questão nenhuma de ser agradável lá fora.
A água vinha de um buraco suspeito na parede e, como uma boa água termal, tinha um cheiro engraçado. Confesso que a cor não era muito bonita ou convidativa, mas mesmo assim eu estava disposto a me jogar naquele calor líquido e curar todas mazelas da viagem. Olha, e bota calor nisso. Foi um banho gostoso, mas demorou para a banheira ser habitável. A água estava muito quente. Muito quente mesmo. Só faltou o cheiro de enxofre no ar e algum diabrete me cutucando com uma lança para eu me sentir no inferno. Eu odeio banho quente demais, não consigo suportar altas temperaturas e definitivamente não sou um Targaryen. Mesmo assim insisti no mergulho termal e quase fui cozido vivo. As partes mais sensíveis do corpo (você sabe quais são) flertaram com a ideia de perder a pele, mas depois de terminada a experiência me senti revigorado e relaxado ao mesmo tempo.
Viu, quem disse que não faz bem sofrer.

Ficamos dois dias por lá e foram dois dias sendo escaldado vivo por vontade própria, tudo pelo bem da saúde. Mas não foi só isso. Visitamos as famosas águas termais de Pamukkale, uma das atrações mais famosas da Turquia. E olha, apesar de não termos pegado todas as cascatas cheias, é um lugar lindo. As termas ficam em uma montanha de calcário branco moldado pelas águas, um espetáculo alvo de formas arredondadas que contrasta com o azul claro do líquido que brota de dentro da terra. Parece até artificial. Ao longo da colina, que ergue-se ao lado de uma pequena vila, existem diversas piscinas naturais em que a água flui formando mini cascatas. Acho que não fomos na melhor época, pois muitas dessas piscinas estavam secas, mas mesmo assim foi bonito de ver. Claro, dá para nadar e se jogar nesse líquido que já foi considerado sagrado, coisa que a Marina fez com mais entusiasmo que eu. Ela e um bom número de turistas com um tamanho duvidoso de sunga. Aliás a Marina estava tão entusiasmada para se banhar que acabou entrando numa parte proibida e protegida, coisa bem de brasileiro que adora levar apitada de guardinha na orelha – claro que ela fez isso sem querer, porque não viu uma plaquinha bem da escondida que dizia “proibido entrar”. Bom, para manter o caráter informativo deste post e mostrar que aqui não se fala só em desgraça e burrada vou dizer que Pamukkale significa “castelo de algodão” em turco, um bom indicativo de como é o lugar visualmente.

O topo da colina branca é habitado pelas ruínas de Hierápolis, uma antiga cidade grega/romana/bizantina/otomana com muita história. Foi nosso primeiro contato com ruínas tão antigas e “ocidentais” (embora estivessemos tecnicamente na Ásia) daquelas bem de livro de história. Claro, já tínhamos passado por lugares anciões, como Varanasi, mas ali a história pulsa mais próxima de nós (para o bem e para o mal). Me senti em um set de filme andando pela necrópolis, pelo templo de Apolo e ao entrar no antigo teatro, que está muito bem conservado. Uma pequena onda de emoção surgiu no meu âmago. Impossível não se sentir oprimido pelo peso histórico de um lugar onde já passaram diferentes tipos de civilizações, imperadores, reis e até um apóstolo, que foi recebido tão bem na cidade que seus moradores resolveram apedrejá-lo até a morte. Nada como a hospitalidade de 2.000 mil anos atrás.
Acabou a nossa visita a Pamukkale, mas não tinha acabado a veia histórica da nossa jornada. De lá fomos para Selçuk, a cidade que fica próxima às ruínas de Éfeso, o ponto principal nessa nossa caminhada em direção ao passado. Foi uma estadia rápida na região, chegamos de noite, conhecemos as atrações pela manhã e tarde e depois partimos para um outro destino. Foi uma visita apressada, mas foi também uma enxurrada de experiências e muitos anos de história empacotados em poucas horas.

Importante dizer que lá gastamos mais do que deveríamos. Não ostentamos nas habitações, comida nem nada do tipo, juro que não contratei uma carruagem de ouro para passear pela cidade tal qual um Adriano falsificado, é que é bem caro para entrar nas atrações da região, que não são poucas.
Nossa primeira parada foi, claro, no complexo principal da antiga Éfeso. Sabe aquela história de avalanche histórica? Pensa em um lugar que já recebeu Alexandre o Grande, Adriano, Marco Aurélio e Cleópatra e o profeta João. Já foi abrigo de uma das sete maravilhas antigas do mundo (o templo de Artémis) e já foi a segunda maior cidade do império romano.Tá bom ou quer mais? Bom, lá ainda conta com complexos islâmicos importantes, antigos fortes e a suposta última casa de Maria (aquela da bíblia). Enfim, eu acho demais pensar que estou pisando no mesmo solo que um dia já foi um lugar cheio de vida, intrigas e putaria. As ruínas são incríveis, mas confesso que achei Hierápolis mais bem restaurada. O grande teatro estava sob reparos e cheio de estruturas metálicas, o mais interessante que aconteceu por lá foi encontrar um chinês cantando ópera para testar a acústica. E olha que ele cantava bem. A biblioteca de Celso é linda, mas é também um grande chamariz de turistas que rondam ela como mariposas rondam uma lâmpada. O resto do local é impressionante e faz a imaginação voar pensando na escala daquilo tudo, mas até eu que sou bem do entusiasmado com essas coisas cansei de ver ruína. Culpa, em (boa) parte do sol impiedoso que pairava sobre nós. Os gregos/romanos foram grandes gênios, mas pensa num povo que não sabe fazer cidade com sombra, faltou essa aula nas escolas antigas de planejamento urbano. Meu deus do céu, quase morremos torrados nas ruínas, eu estava prestes a entrar em uma das antigas tumbas da necrópole só para me jogar no escuro.
A mistura de sol na cabeça, suor nos olhos e enxurrada de turistas estraga qualquer lugar do mundo, por isso logo nosso deslumbramento passou e só queríamos cair fora do passado e voltar para as maravilhas do século 21, mais precisamente para A MARAVILHA chamada ar-condicionado. Mesmo assim fiquei feliz de ter me irritado com o calor no mesmo lugar em que um dia o Alexandre o Grande deve ter reclamado de não conseguir parar de suar no fiofó.
Ainda na região visitamos uma mesquita famosa, o complexo onde fica a suposta tumba do apóstolo João (que reconhecidamente morou em Éfeso e foi quem levou Maria para lá) e a casa onde Maria ficava escondida, nas montanhas próximas à cidade. Aliás essa foi a atração mais inútil e brochante de ser visitada, pois é longe, cara para acessar e dentro tem apenas uma pequena choupana que não parece ter nem 150 anos. Mais fácil a Maria do Bairro ter morado lá do que a Maria figura histórica/religiosa.

Foi uma visita rápida, mas prazerosa (apesar dos percalços). Eu não sairia feliz da Turquia se não tivesse ido em um sítio arqueológico tão significativo e sei que para a Marina o lugar tem, além do valor histórico, o valor religioso. Valeu a pena o maremoto solar que recebemos.
E depois desse mergulho relâmpago no passado dirigimos nosso possante para locais mais focados no presente. Era hora de conhecer o litoral turco. E esse é o tópico do próximo post.
Beijos Quentes