Filipinas ou o capítulo da exploração marítima (TAO)

O tipo de lugar em que dormimos nas Filipinas

Sejam bem-vindos meus queridos companheiros de sofrimento. Colegas de assento nesse ônibus desenfreado que é a vida. Enquanto nossa parada final não chega deixo vocês com mais um amontoado de palavras para entorpecer a alma e, com muita sorte, trazer um sorriso para esses belos rostos.

Terminei o último texto quando chegamos em El Nido, uma cidade bem turística ao norte da ilha de Palawan. Supostamente um lugar incrível, um dos mais bonitos do mundo e etc… Acho que exploramos a região de “forma errada”, pois não achei El Nido tudo isso. Calma lá, claro que é um lugar lindo, mas nosso parâmetro para coisas bonitas já estava bem alto (e ainda aumentaria depois de El Nido), mas não me surpreendi tanto e desconfio que a culpa disso caí no ombro das hordas de turistas que assombram o lugar. Para ser justo, tivemos um único dia bem gostoso por lá – foi quando alugamos uma scooter e deslizamos por estradinhas à beira-mar até praias afastadas. Estar na estrada em um dia de sol enquanto desbravando vilas locais e passando por trilhas de terra/areia foi incrível. Um daqueles momentos da viagem de uma pulsante sensação de liberdade. Talvez a perpetuação do espírito “motoqueiro” que surgiu em mim no Vietnã. Claro, vale lembrar que tudo isso foi feito a menos de 80 km/h em uma motinho com a potência de um secador de cabelo, mas até o Motoqueiro Fantasma começou de baixo, então está valendo. 

Vai, pode rir, mas que é legal explorar uns países do sudeste asiático de motinho, é sim. 

Nuli Beach

Aliás nesse dia visitamos três praias diferentes. Na primeira, Nuli Beach, populada por surfistas, tive um encontro com um filipino que surgiu como um fantasma de umas pedras com uma arma (que parecia um arpão) na mão. Foi uma verdadeira aparição, como se um fantasma do universo de Waterworld estivesse se comunicando comigo. Ele se teletransportou para um lado da praia que só tinha eu (o lugar estava bem vazio), fez o movimento universal de “joia”em minha direção e desapareceu novamente. Certeza que foi algum Deus local dando seu aval para minha nova fase motoqueira. Obrigado, nobre espírito. 

Em uma das outras praias que visitamos, Nacpan, a Marina tomou um caldo incrível que está registrado em vídeo, recomendo conferir o Instagram do @sejogaai. Essa era uma praia mais cheia, mais “da modinha”, com diversos turistas sendo servidos em seus guarda-sóis a todo momento por Jarbas filipinos desesperados por uns dólares. Tinha potencial para ser o local mais bonito que visitamos no dia, mas o excesso de europeus estragou um pouco a mágica do lugar. Mesmo assim valeu a pena a visita, principalmente para ver a Marina quase ser levada por Netuno (não que eu gostaria que ela fosse embora para as profundezas, pelo amor de deus, é que foi engraçado mesmo). 

E na última praia visitada, a mais perto da cidade e do nosso hotel, curtimos um pôr do sol maravilhoso. Olha, não foi nada mal para um segunda-feira. Oras, como eu sei que era segunda-feira? Porque eu me lembro claramente de olhar, com o vento na cara, o sol já cansado no horizonte enquanto passávamos por uma estrada lotada de coqueiros e pensar “coitado de quem nunca começou uma semana assim”.

Pôr do sol na praia que esqueci o nome

No nosso outro dia em El Nido fizemos um dos famosos tours que tem por lá. Eles dividem as atrações por tours chamados de A,B,C e D. Sei lá se tem o tour E. Sei que fizemos o tour C, um dos mais recomendados, e foi bem mais ou menos. Visitamos lugares espetaculares, mas que estavam sempre cheios. Não dava pra admirar a paisagem com 376363 turistas por todos os lados. Nesse dia vi mais turista que mar. Longe de mim dizer que foi um dia ruim, mas de novo, perto do que já tínhamos passado (e ainda passaríamos), não foi espetacular. 

Bangalôs da TAO

E nesse mesmo dia tivemos nosso encontro introdutório para a TAO. 

Mas o que é TAO? Uma unidade internacional de espionagem? Uma seita secreta de surfistas motoqueiros? Um festival de música focado apenas na marimba? 

Não. Nada disso. Calma, eu explico.

TAO Experience é uma expedição. Ou um “mega passeio”. Algo nesses moldes. O que acontece é: essa empresa, a TAO, faz um tour de barco entre Palawan e Coron (grandes ilhas Filipinas) de 5 dias. Nesse meio tempo essa expedição para em diversas ilhotas pelo caminho e os participantes conhecem e dormem em lugares paradisíacos e “desertos”. Resumindo, é um baita negócio legal. E a nossa expedição partiria no dia seguinte, mas antes precisávamos participar desse encontro para acertar detalhes pendentes, conhecer os outros membros e falar com a tripulação. É tudo muito bem organizado e explicado. Vale a pena.

O grupo do nosso barco era bem diverso. Cerca de 20 pessoas de várias idades e países diferentes. Alguns tiozões holandeses, jovens australianos, umas canadenses, uns senhores ingleses e, claro, os brasileiros. Nós éramos seis, eu, a Marina e o Edgar e o Enzo, que já sabíamos que encontraríamos lá, e de lambuja conhecemos mais dois, a Nat e o Pedro.  E brasileiro tem aquele negócio: é cheio das panelinhas. Nós, cansados de interagir só com gringos, abraçamos o “grupinho” com felicidade. Não que não conversássemos com outras pessoas, longe disso, mas é bom dar uma papeada em português de vez em quando.

Naufrágio

A expedição em si foi surreal, vou resumir um pouco toda a experiência. Foi uma sensação incrível de desbravar ilhas Filipinas, fazer snorkels inesquecíveis, conhecer praias de água cristalina e areia branca, fazer cliff jumps de 10 metros, nadar com navios afundados da segunda guerra e dormir (quase) sob o luar em paraísos perdidos. Foram tantos locais bonitos que ficamos até anestesiados. Sério, é triste isso, mas até praias lindas podem virar rotina e o espetacular virar normal. Talvez isso tenha sido um indicador que nossas vidas estavam legais demais e o “foda” estava sendo a média de nossas experiências. Ou talvez fosse um indicador que nós já estávamos mortos por dentro e nem o mais belo canto do nosso planeta poderia nos emocionar. Talvez eu seja mais compatível com a segunda opção, mas a Marina não tem essa alma negra, então não sei qual a resposta correta.

Pôr do sol em uma ilha deserta

No fim a TAO é uma experiência rústica, mas sem ter são rústica. Você passa perrengues como dormir em cabaninhas de bambu ao relento, tomar banho de canequinha, ficar o dia no barco, estar sempre molhado e ter pouca roupa disponível. Mas, ao mesmo tempo, tem toda uma tripulação trabalhando para você, base camps com o mínimo de estrutura possível e comida e bebidas a quase toda hora (pelo menos bebidas). Vale a pena. Vale ainda mais se acontecer de você passar seu aniversário em uma praia surreal e com um naufrágio japonês ali perto, esperando para ser visitado. Foi o que aconteceu comigo e foi foda, mas não sei se é tão foda quanto aquele churrasco que termina com o choro de um velho amigo e o vômito de outro. Amizades realmente importam, veja só.

Deixo aqui a dúvida no ar e algum outro caro companheiro que passar o aniversário nas Filipinas pode responder de uma vez por todas o que é melhor: ilha perdida ou churrasco com Crystal?

Todos os brasileiros, menos eu, passaram mal antes ou durante a expedição (a Má passou logo no primeiro dia, mas melhorou), então nosso grupo estava sempre cambaleante durante curtição. Salientei esse ponto apenas reforçar que não sou chamado de “Wolverine brasileiro” à toa. Juro, muitas pessoas me chamam assim.

Puxei esse assunto relacionado à comida e as nossas sensibilidades gastro-intestinais pois esse foi um tópico que, principalmente durante a TAO, foi razão de um pico de ufanismo e saudades do Brasil. Acho que o excesso de peixe e vegetais, fora certo desgaste normal da viagem, me fizeram sentir saudades de qualquer comida do Brasil. Churrasco, coxinha, requeijão, brigadeiro, pão na chapa. Até aquele bife duro do quilo mais barato perto do trabalho, tudo deu saudades. Aliás, acho que você, senhor privilegiado por poder comer um arroz com feijão e farofa a hora que quiser, deveria valorizar mais a comida brasileira no geral. Durante meus tempos de reflexão marítima tentei tecer uma teoria do porquê nossa culinária é a melhor do mundo, mas percebi que não tenho argumentos suficientes para provar com fatos o que eu sei que é verdade dentro do meu coração. Meu único argumento é: confia em mim que eu sei do que estou falando. Comida brasileira é foda.

E digo mais, podem me oferecer qualquer café da manhã gringo do mundo, sei que tem muito leitor aqui que é fã de um bacon com ovos ou um “english breakfast”, mas vocês me desculpem, nada é melhor que o velho pão na chapa e o misto da padaria, daqueles que já carregam o gosto de tudo que passou na chapa durante a semana. Isso mais um Nescau gelado ou um pingado é imbatível. Estou aberto a embates públicos com qualquer um que queira me refutar. Embates físicos e/ou orais, que fique claro

Outro ponto onde o ufanismo apertou o calo durante nossa expedição foi em relação a comunicação com europeus no geral.

Peguei um certo ranço dos gringos durante esse período, sempre se maravilhando por tudo, com uma ingenuidade e humor um pouco “bobos”. Sei que isso é tolice e provavelmente um reflexo de como precisávamos de um descanso, afinal conseguir se maravilhar é algo legal e que deve ser valorizado. Mas, como estávamos com nosso humor mais sombrio, preferimos o cinismo e a inigualável capacidade brasileira de criticar tudo. Juro que isso está curado agora.

Galera da TAO!

E, para completar as observações sobre a TAO, ficam os dois últimos destaques: o lechon mal cozinhado que quase nos matou e Brett, o explorer. O lechon nada mais era que um porco no rolete que a tripulação resolveu fazer como surpresa pros membros da expedição, mas deixaram apenas duas horas em uma brasa baixa e o bicho estava completamente cru. Foi bem no último dia e nosso desejo por carne foi apenas iludido por esse leitão maldito. Quanta decepção. Brett, por sua vez, era um australiano ímpar com um sotaque mais ímpar ainda. Um homem de meia idade, corpulento e meio gordinho, que se vestia como um explorador. Ele gostava de se envolver nas atividades da tripulação (tipo ajudar eles a cozinhar, o que é bem legal da parte dele) e ficava de forma bizarra sempre pelos cantos, nunca realmente interagia com o resto do pessoal. Na noite que fizemos uma fogueira, por exemplo, estava lá um grupo trocando ideia perto do fogo numa boa, do nada uma luz se acendeu na escuridão, todos nos assustamos com uma intervenção tão impactante vinda das sombras. Era o Brett, sentado sozinho. Ele resolveu ligar sua lanterna, ir até o fogo, revirar uns pauzinhos para atiçar as chamas e aí o que? Invés de ficar com a galera conversando ele voltou pro seu canto escuro, sentou e apagou as luzes. Foi dramático e foi lindo, quase como o Batman sendo abraçado pelas trevas. Brett, seu doce príncipe, nunca mude. 

Nossa fiel embarcação durante esses dias

Foram 5 dias inesquecíveis com a TAO. A aventura de uma vida, mesmo. Meu único arrependimento é saber que fizemos uma coisa tão incrível com um humor não tão incrível assim. Estávamos um pouco cansados e abalados por experiências recentes, com a mente a mil por hora e a alma um pouco envenenada. Mesmo assim foi incrível, mas eu explico melhor essa nossa condição “estranha” no próximo post.

Beijos Quentes

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Tailândia ou a ilha mágica

Esse relato cobre eventos de 06/11/2018 a 11/11/2018

Sejam bem-vindos amigos e amigas. Sobre o túmulo do bom-senso erguemo-nos em mais um dia de existência sem sentido. Para aumentar o nível do absurdo vivencial, eis aqui mais um capítulo do blog.

Saca só esse lugar. E o dia ainda estava “feio”

Os mais agraciados com memória se lembrarão que na última parte da aventura estávamos prestes a chegar em Surin.

Surin é um conjunto de ilhas e também um parque nacional na Tailândia. O acesso é restrito e a infraestrutura não é nem de perto a encontrada em outras ilhas do país. Não existem hotéis, resorts e restaurantes, apenas dois acampamentos em pontos distintos de uma das ilhas (a única em que se pode ficar). Nesses acampamentos existem banheiros e uma cantina. Para dormir os visitantes podem escolher entre tendas (acampar) ou uns poucos chalés que são bem caros. Para acampar é possível levar a própria barraca e só pagar a entrada do parque ou alugar as barracas que eles tem lá, muito mais acessível que os chalés, mas não é a coisa mais barata do mundo não. Além disso o parque nacional de Surin não é aberto para pernoites o ano todo, apenas em uma janela restrita entre outubro e maio. Todos esses fatores fazem o lugar ser um dos mais selvagens e sem turistas da Tailândia. E também um dos mais lindos.

Já da lancha que faz o transporte do porto de Khura Buri ficamos boquiabertos. Que mar. Que mar. Eu sei sou repetitivo e vou continuar sendo, sempre falando da cor do mar e etc… mas esses países da Ásia não pararam de me surpreender com suas belezas aquáticas. E olha que vínhamos de lugares lindos, como Phi Phi. Mas o azul de Surin… ah como o azul de Surin não tem igual. É forte e hipnotizante. Único. Deveria existir uma cor chamada “Azul de Surin”. Foi esse pedaço mágico de oceano que nos recebeu na ilha.

Ao chegar pagamos a entrada do parque (que dá direito de uma estadia de 5 dias, mas pode ser renovada) e fomos direcionados para nossa barraca, que ficava na areia bem em frente uma das praias. Aliás, ficava na praia. Se eu tropeçasse ao sair dela (algo muito provável de acontecer) já caía no mar. Olha, não tem hotel que se equipare com a vista da nossa “sacada” em Surin.

Garota local brincando na praia da cantina

A tenda era espaçosa e confortável, mas virava um forno durante o dia, mesmo a sob a sombra das árvores. O que, se você pensar bem, era um ponto positivo, pois assim a barraca fazia às vezes de acomodação e sauna, muito chique.

Mas sério, não dava para reclamar. A praia era linda e o mar estava ali disponível para nos refrescar quando desse na cuca. Aliás ficamos no acampamento 1, o único que estava aberto no nosso período de visita. Na nossa área podíamos curtir a praia em frente ao acampamento, a praia da chegada dos barcos e, com algum esforço, outras praias que ficavam na espécie de baía que a ilha forma, mas era necessário nadar pra chegar até elas. O acampamento 2 ficava na mesma ilha, mas na outra ponta da baía e em sua parte exterior, ou seja, dava pro mar aberto. Em teoria seria possível fazer uma trilha pela mata e visitar o acampamento, mas os cuidadores do parque fecharam o caminho devido ao alto número de cobras na floresta. Sim, Surin é bem selvagem. Mas não se aflija, amigo leitor, nós conseguimos chegar no outro acampamento. Já conto mais sobre isso.

Nossa parte da ilha contava ainda com uma cantina (única “fonte” de comida da ilha), que servia refeições simples, e banheiros com chuveiros. Ficar lá não era nenhum hotel 5 estrelas, mas estava longe de ser um acampamento cheio de perrengues. Tinha alguns, claro, mas eles só deixaram tudo mais divertido.

Um dos principais “problemas” enfrentados foi a areia. Aquela linda e convidativa areia branca também conseguia ser cruel e teimosa. Era impossível não levar areia pra barraca e, bem, dormir com ela raspando no colchão fuleira que tínhamos era o mesmo que dormir em uma lixa. Ótimo para uma esfoliação de corpo inteiro.

Outro desafio apresentado por Surin foram as formigas. Isso mesmo, formigas. Eu não sei o que tinha mais lá na praia, se era areia ou formiga. Era impossível ficar deitado tranquilo curtindo o sol sem sentir algumas persistentes guerreiras te escalando. Tínhamos formiga em tudo quanto é lugar, desde os cabelos até os buracos mais escuros de nossos corpos. Elas nem picavam, mas enchia o saco tentar relaxar enquanto uns insetos subiam em nós. Eu só aprendi a masterizar a convivência com as formigas no nosso penúltimo dia lá.

Aliás não eram só essas pequenas trabalhadoras que visitavam o acampamento. Alguns turistas desavisados deixavam comida a mostra em suas barracas. E aí vinham os macacos. E os macacos de lá são ousados, e olha que macaco já é um bicho ousado por natureza. Eles entravam nas barracas, roubavam coisas, brigavam com humanos e tocavam o terror pelo acampamento. Era engraçado de ver, mas confesso que uma vez fiquei apreensivo, pois o macaco (grande) entrou na barraca de uma coreana com ela lá dentro, fiquei com medo dela se machucar, mas nada aconteceu. Ainda bem que nenhum deles veio se engraçar comigo, sou amante dos animais e fiquei temeroso da possibilidade de sair na mão com um símio enfurecido. Todo mundo sabe que macaco luta bem.

O pilantra

E a bicharada não parava por aí: era rato, cobra e mais algumas coisas peculiares com várias patas que visitavam nossas barracas. Foram dias emocionantes.

Aliás, falando em emoção, uma das coisas mais legais que fizemos por lá, fora relaxar torrando sob o sol, foi aproveitar a maré baixa e nadar/andar pelas pedras até o outro lado da baía, em direção ao acampamento 2. Passamos por duas praias desertas no processo (algo muito raro na Tailândia). Foi um momento incrível, uma junção da paz que a natureza traz com a adrenalina da nossa trilha aquática. E o visual não era nada mal. Ao chegar ao lado oposto da baía atravessamos um curto trecho de mata achamos o tal do acampamento 2. Como ainda não era temporada, lá só tinham alguns cuidadores arrumando tudo para a eminente onda de visitantes. A praia desse acampamento era bem maior e mais isolada, mas achei nosso cantinho mais aconchegante. E após essa visita fizemos o quê? Oras, nadamos tudo de volta. Pelo menos fomos presenteados com um pôr do sol incrível no caminho. Essa foi nossa mini aventura dentro da grande aventura de Surin, só faltou um embate subaquático com um tubarão para ela ser melhor ainda.

Falando em coisas embaixo da água, esse era um dos pontos fortes do local, a visibilidade e a vida presente no mar. Surin é, segundo muitos nos disseram, o melhor ponto de snorkel da Tailândia. No acampamento era possível fazer dois passeios diários de snorkel por um preço camarada, e eu participei de duas saídas em dias diferentes. Realmente a vida e os corais lá eram incríveis, só vi coisas mais legais em lugares remotos das Filipinas, mas a história mais interessante relacionada a snorkel aconteceu quando voltando de um desses passeios, em que fui sozinho, me deparo com a Marina sendo massageada por um coreano sarado que também estava acampando por lá. Eu cheguei perto com agressividade, sem dizer nada mas com uma linguagem corporal para impor respeito, mas logo o rapaz me envolveu no ritual dele que era um misto de medicina coreana, chinesa e artes marciais e quando eu vi ele estava mexendo no meu peito. Mas não era de uma forma gostosa. Antes fosse. Ele primeiro deu umas espécies de tapas lentos, mas poderosos, que quase já expurgaram todo meu ar. Depois ele começou a fazer uns movimentos circulares com as pontas dos dedos e eu tinha certeza que ele ia arrancar meu coração do peito igual o vilão (que esqueci o nome) faz no Indiana Jones e o Templo da Perdição. Foi aí que percebi que a Marina não estava sendo massageada, mas sim torturada. De qualquer jeito eu salvei o dia e fui um herói. E sim, meu peitoral ficou dolorido por uma semana. Isso aconteceu logo em um dia que tudo tinha começado tão bem e eu tinha até visto golfinhos. Enfim, coisas de Surin.

Achamos que nossos dias lá seriam apenas pautados por longas esticadas na areia e mergulhos em águas incríveis, mas nós nos aventuramos na nossa própria trilha (como já relatado acima), fizemos yoga com uns tailandeses simpáticos, jogamos frisbee com outros tailandeses simpáticos, jogamos papo fora com o tal do coreano (que mal falava inglês) e com um francês que adorava nos dizer como ele nadava bem e ainda visitamos uma vila de “ciganos do mar”, uma antiga tribo de pessoas que já foram nômades aquáticos, mas hoje estão estabelecidos em uma comunidade dentro do parque nacional. Olha, foi uma estadia movimentada.

A tribo de ciganos do mar

Uma coisa muito bacana da ilha eram as pessoas que estavam no local. Não os visitantes das day trips que passavam lá vindo de outras cidades próximas, mas sim os membros do acampamento. Pareciam viajantes diferentes do que tínhamos visto até aquele momento – interessados, curiosos e levemente desajustados. Aquele tipo de pessoa “raiz” que quer apenas devorar o mundo. Para se ter uma ideia, ao voltarmos do parque nacional passamos de novo pelo hotel do Tom e da Ann e lá encontramos com um francês, um velho amigo deles que estava indo para Surin. Ele visitava o lugar todo ano há quase 3 décadas e a primeira vez descobriu o local apenas seguindo “um boato de viajantes”. Imagina ter a coragem de desbravar um país apenas por causa de um boato? Era esse o tipo de maluco que achamos por lá.

E outra coisa muito bacana, Surin foi o primeiro lugar da Tailândia onde achamos turistas tailandeses

Um mergulho rápido e várias cores

Olha, foi uma estadia quase perfeita: relaxamos, lemos, nadamos e nos aventuramos. Conhecemos e dividimos. Enfrentamos sol, calor e também chuvas torrenciais (e nossa barraca aguentou, ainda bem). Tudo isso em um dos lugares mais lindos que já vimos.

Com certeza Surin foi o canto mais especial que achamos na Tailândia.

Mas depois de 5 dias precisávamos ir embora e então voltamos para Khura Buri prontos para seguir mais ao norte ainda, dessa vez em direção à abafada Bangcoc.

E isso será o tema do próximo post.

Beijos quentes.

Tailândia ou o capítulo da arte de pegar carona e dormir no pântano

Olá, compatriotas do tártaro e das sombras. Chegou o momento da semana que até os círculos mais profundos da deep web temem, a atualização desse querido blog.

No último relato tínhamos acabado de chegar em Phang Nga, uma cidadezinha interiorana do sul da Tailândia, para tentar a sorte com uma carona. O primeiro dia na missão foi uma falha completa – andamos muito, fomos a atração ambulante ao passarmos em frente a uma escola em horário de saída, tomamos chuva e nenhum motorista sequer olhou para nossas tristes caras.

Para mudar essa situação resolvemos nos preparar melhor para a manhã seguinte. Quando a chuva deu uma trégua nos aventuramos na noite da cidade. Passamos por uma feirinha local, um shopping decadente e algumas lojinhas de rua. Depois de adquirir o material que necessitávamos (que eram apenas pedaços de papelão), fizemos o mapeamento da região para achar um lugar mais propício à bondade dos veículos passantes. Por sorte Phang Nga é uma cidade de praticamente uma avenida só e nosso hotel ficava quase na sua saída. Achamos um posto de gasolina na boca da estrada que seria perfeito para nossos objetivos.

De volta ao nosso quarto fizemos um trabalho de artesanato digno de ensino fundamental e escrevemos em tailandês e inglês o nome do nosso destino e a palavra “obrigado”.

Caronando

Pode parecer bobagem, mas estávamos um pouco nervosos. Seria a primeira vez pegando carona em uma viagem e, claro, em um país que não o Brasil. Oras, acho que até no Brasil nós não pegávamos carona com estranhos, afinal nossa cidade natal é pequena e praticamente toda carona (quando necessária) é com algum conhecido e se na grande São Paulo alguém estranho nos oferecesse carona eu sairia correndo, pois ainda não estou pronto para perder meus órgãos. E a Marina, você indaga? Eu largaria ela à mercê de um desconhecido? Oras, ela corre mais rápido que eu, a menina já estaria na lua quando eu começasse a me movimentar. E não, ainda não aprendi a confiar na boa vontade do paulistano.

Enfim, seria uma carona rápida, estávamos nos dirigindo para Khura Buri, umas duas horas ao norte de onde estávamos. De lá pegaríamos um barco para o parque nacional de Surin. Mesmo assim estávamos ansiosos.

E quando o dia seguinte chegou fomos até nosso local de combate, colocamos um sorriso no rosto (isso foi especialmente difícil para mim, pois a Marina diz que não sei sorrir direito) e balançamos nossas plaquinhas para os carros que passavam. Uma dica que li na internet e comecei a aplicar foi: estabelecer contato visual com o motorista. É uma boa dica, por um momento é criado aquele vínculo de estranheza que acontece quando você está encarando uma pessoa e ela percebe repentinamente. Mas é difícil manter esse vínculo, pois ele é pautado em uma situação desconfortável, tipo quando você está na sala junto com a sua tia e ela começa a se acabar em beijos molhados com o Clóvis, o novo namorado dela. Por isso eu senti que alguns motoristas quase pararam após estabelecida essa ponte de olhares, mas desistiram no minuto final. Tudo bem, continuei ali sorrindo meu melhor sorriso falso.

Depois de uma meia hora plantados no ponto insisti para que a Marina aplicasse a técnica do contato visual e logo um casal em uma Hilux parou e nos ofereceu carona. Acho que a Marina estabelece vínculos visuais melhores que os meus. Talvez toda aquela história de estranheza e desconforto seja exclusivo a minha triste pessoa, quem sabe. O importante é que conseguimos uma carona após eu incomodar alguns motoristas.

Os anjos da carona

Foi uma viagem apertada e silenciosa. Tentamos contato, mas nenhum dos dois falava inglês. Agradecemos muito eles pararem e seguimos quietos então. Algumas tentativas de papo logo morreram naquele silêncio ensurdecedor do incômodo com o alheio. Tenho quase certeza que os dois eram colegas de trabalho e não um casal com algum tipo de relacionamento, tanto pelas roupas quanto pela bagagem deles. Talvez fossem espiões de alguma nação vizinha e tinham acabado de roubar planos dos militares tailandeses, quem sabe, mas por mais que eu queira florear essa história o momento mais “emocionante” da carona toda foi quando o homem abriu a janela e jogou um papel de bala pra fora. A Marina quase pulou no pescoço dele.

E foi assim a história de como chegamos em Khura Buri, outra cidadezinha de “uma rua só” perdida no litoral da Tailândia. Khura Buri é um lugar quente, abafado, úmido e tropical. É uma cidade simples cortada por um rio que parece ser a casa de muitos crocodilos (não é). Apelidamos Khura Buri de “nosso pântano favorito”.

Khura Buri – aqueles NÃO eram nossos chalés

Logo que pulamos do carro de nossos amigos “espiões” seguimos a placa de um hotelzinho que vimos da estrada. Nossa plano era dormir uma noite lá e no dia seguinte ir para Surin, mas não tínhamos nada marcado.

Após seguir por uma estradinha lamacenta que acompanhava de lado um rio e do outra a mata fechada, demos de cara com uma clareira em que ficavam uns chalés rudimentares. Por sorte pegamos a dona dos chalés por lá, a Am (caso contrário teríamos que andar até a cidade de novo). Ela logo nos liberou uma das casinhas simples e disse para pagarmos depois, no escritório dela que ficava na (única) avenida da cidade. Ela avisou que também trabalhava com transportes para Surin, por isso a ideia era já matar tudo com uma cajadada só.

Aproveitamos para relaxar um pouco no nosso novo abrigo, feito de madeira e muita oração para ficar em pé. Foi lá que o apelido de “pântano” surgiu para Khura Buri, pois tínhamos a sensação que qualquer momento ou o chalé iria se enterrar no solo molhado do lugar ou algum réptil gigante iria nos atacar. Mas brincadeiras a parte, foi uma boa estadia. O lugar era limpo e confortável, apesar do banho ser frio e de caneca. Foi também uma das acomodações mais baratas que pagamos na Tailândia e, apesar da simplicidade e do local isolado, com um dos melhores sinais de internet da viagem toda. “Nossa, mas não é bom se desconectar quando assim na natureza?” – pergunta você, leitor mais inconveniente. Claro, é sim, mas se eu estiver morrendo devorado por um crocodilo uma internet boa é imprescindível para que eu conte o que está acontecendo para o mundo.

Enfim, nos adoramos o “pântano”.

Durante a tarde fomos para a cidade, almoçamos e fechamos tudo com a Am e o marido dela, o Tom. Eles são um casal batalhador e gente boa que além do hotel e da agência, ainda gerenciam um reggae bar no mesmo local do escritório, que também é a casa deles. Eles nos convidaram para voltar à noite e conferir mais essa faceta empreendedora deles, e foi o que fizemos. Mas antes de irmos tomar umas com nossos novos amigos locais paramos para jantar. E foi um jantar bizarro. Khura Buri não tinha muitas opções de restaurantes então fomos para o mesmo lugar em que almoçamos. Mas claro que o lugar era também a casa de uma família e acho que a dona só resolveu nos atender porque não poderia desperdiçar uns trocados. Comemos enquanto a família dela assistia tv. Quer dizer, enquanto o marido dela resmungava algumas coisas do sofá, o filho pelado (e o garoto não era novinho não) desfilava sua nudez pra lá e pra cá e uma novela muito peculiar, de vampiros tailandeses, passava na televisão. Foi um momento estranho.

Depois desse pulo na mente de um David Lynch asiático nos dirigimos pro bar. Os únicos clientes éramos nós e mais dois casais que também iam para Surin com os serviços do Tom e da Am. Foi divertido. Bebemos com os dois, conhecemos seus filhos e parte de seus amigos e comemos uma pimenta local que quase acabou com a minha boca. Estava tudo pronto para irmos pra Surin e ainda sairíamos de Khura Buri de forma “perfeita”.

Am e Tom

Mas claro que não foi isso que aconteceu.

O dia acordou chuvoso e feio, mais cinza que São Paulo em seus melhores (piores) momentos. Por isso resolvemos ficar mais uma noite na cidade. Dessa vez nos abastecemos de salgados e porcarias do seven eleven local (toda cidade na Tailândia tem um, por menor que seja) e evitamos as estranhezas dos restaurantes da região. A tarde o Tom levou a gente e um casal de alemães (que também adiaram em um dia a viagem deles) para uma cachoeira local. Não era nada demais, o que ele chamou de cachoeira era na verdade uma correnteza com pedras, mas demos uma nadada nas águas geladas do rio e foi gostoso. A caminhonete do Tom quebrou bem ali no meio do mato e ficamos mais de uma hora empurrando ela pra lá e pra cá tentando fazer pegar no tranco. Não deu.

Repara na minha chinela

O passeio foi interessante para vermos os entornos da cidade e perceber como a mata é fechada e tropical naquela parte da Tailândia. Khura Buri ainda é bem ao sul de Bangcoc, mas lá já dava pra sentir a mesma asfixia úmida que a capital propicia. Quase um gostinho de Brasil e suas florestas.

E esse foi nosso dia extra na cidade. Com comida ruim pra saúde mas boa pra alma, passeio meia boca e exercícios forçados. Continuamos gostando muito de Khura Buri, apesar de não ter nada de especial por lá.

E finalmente no dia seguinte conseguimos ir para Surin. Eu sei que não expliquei muito o que é Surin ainda, mas esse será o assunto do próximo post. Só vou adiantar que é um conjunto de ilhas e parque nacional que só abre em determinada época do ano, tem número limitado de visitantes e infraestrutura simples, por isso tivemos que acampar por lá. Foi nosso lugar favorito na Tailândia (um país que amamos) e onde peguei a Marina recebendo massagem de um coreano bem à beira mar (talvez por isso ela tenha gostado tanto). Mas como já disse, Surin será o tema do próximo post.

Beijos Quentes

Tailândia ou o capítulo da reabilitação no Jurassic Park

Amigos, amigas e fiéis leitores

Eis aqui mais uma dose do seu antídoto semanal para a escuridão da rotina e a solidão da vida moderna. Com esses textos você se sente melhor por 5 minutos ao perceber que existe alguém pior que você na Terra (eu). Mas cuidado, como qualquer coisa em excesso o consumo intenso do blog pode causar danos e levar a casos de diarréia crônica. Leia moderadamente.

Chega de enrolação. Como diria Gilberto Barros “Vaaaaai DJ”

No último relato eu e a intrépida Marina ainda estávamos no golfo da Tailândia, a parte leste da região sul do país. Nossa ideia era ir de Koh Tao até Railay Beach, lá do outro lado, na costa banhada pelo Andaman. Para isso fizemos uma pequena jornada que envolveu uma balsa noturna, uma van apertada e um Long Boat (aquele barquinho tradicional que você vê em 9 a cada 10 fotos da Tailândia). Começamos a viagem às 9 da noite na balsa, que balançava furiosamente e fez eu me arrepender de tentar jogar o Switch ali. Mais um episódio em que quase vomitei na viagem. Pelo menos era uma balsa leita, então a solução para não passar vergonha e derramar fluidos corporais nos outros passageiros foi dormir. Chegamos 5 da manhã no continente e aí foi a vez de ir suando na vanzinha do aperto por cerca de 3 horas. Ufa, aí sim finalmente estávamos em Krabi, do lado “certo” da Tailândia. Apesar de Railay ser no continente é uma região cercada por montanhas de calcário e um mangue traiçoeiro (não sei se é “traiçoeiro”, apenas quis adicionar emoção ao relato), por isso tivemos que pegar um Long boat para chegar até lá.

Chegando em mais um paraíso

Railay, mais um lugar incrível na Tailândia (já cansei de escrever a palavra “incrível” aqui no blog). Pense no lugar como que uma pequena península escondida no recorte litorâneo da Tailândia. Existem umas quatro praias na região de Railay, que é super pequena, mas apenas duas são interessantes: Raylay West e Phra Nang Beach. Railay tem uma aura selvagem, com grandes paredões de calcário se misturando com uma vegetação tropical densa, e um mangue fechado que corta as praias e parte da vilazinha que fica na área mais firme da pontinha de terra. Para seguir o padrão Tailândia a água lá era fantástica, não tão transparente quanto de outros locais e um pouco mais verde, até um pouco mais escura, mas ainda sensacional. Diversas formações rochosas que desafiam a lógica escapam com fúria do oceano para dar aquele toque especial no horizonte, como é de costume nessa parte do mundo. Se as outras ilhas lembravam constantemente filmes de pirata, Railay me lembrou um cenário que apareceria em alguma película do King Kong ou Jurassic Park. Na região ainda existem algumas cavernas interessantes de serem exploradas e os paredões são propícios para escalada, tudo para aumentar o nível de “selvageria” do lugar. Mas não se enganem, ainda é um local muito turístico, em boa parte do dia fica cheia de grupos de chineses que visitam praias lindas e não entram no mar não sei porque, mas normalmente as massas surgem em “one day trips” e nem todo mundo fica na vilazinha, ou seja, é um lugar mais calmo e bom pra descansar se comparado com outras praias e ilhas tailandesas, basta apenas saber onde ir e que horas ir.

Vista da caverna de Phra Nang

A vila de Railay merece um parágrafo a parte, pois lá é uma versão asiática da Jamaica. Sim, Railay é “legalize” e vi por ali uma coisa que não achei que existisse, tailandeses rasta. Vários bares e restaurantes interessantes e com temática reggae pipocam pelos cantos e pôsteres do Bob Marley dividem uma cerveja com os macacos selvagens que vira e mexe aparecem para dar um oi. Apesar disso Railay não ostenta o clima de festa desenfreada dos últimos locais que visitamos, graças a Deus, pois nós não aguentaríamos mais muita coisa. Claro, dá para se divertir e perder a dignidade, isso sempre é possível, mas é uma região mais suscetível ao “relax”.

Bob onipresente

Acho que já deu para sentir o clima do lugar né? Bom para relaxar, ler, contemplar, se aventurar um pouco e ainda para “buscar iluminação” (não disse como).

Essa foi uma parte importante da nossa viagem, acho que conseguimos descansar e ainda nos reconectarmos um pouco com as intenções iniciais da jornada. Não quero desvalorizar a parte da “festa”, que foi boa demais, mas tínhamos entrado em um modo “férias”, algo que não conseguiríamos manter a longo prazo. Pra começar precisávamos muito economizar, e em Railay unimos o útil ao (des)agradável e emagrecemos com a incrível técnica de passar fome. Isso mesmo, é simples e rápido, basta fazer apenas uma refeição por dia e ainda dividir ela com seu companheiro(a) e você verá resultado em seu corpo e no seu humor. Pelo menos funcionou para nosso bolso.

Claro que queríamos relaxar e economizar, mas tivemos uma recaída leve para nossos dias de farra e em certa noite consumimos mais álcool do que o necessário nas areias de Railay West. Não fomos para uma festa nem nada do tipo, éramos nós dois e algumas (várias) cervejas, o pôr do sol e..bem..o luar (a coisa se estendeu por mais tempo do que o previsto). Ok. Admito. Não foi uma recaída de leve, foi uma noite bem intensa de bebedeira, daquelas para acabar de vez com um ciclo, sabe? O importante foi que nos divertimos bastante.

Ficamos tanto tempo ali sentados que viramos aquela figura que existe em quase todas praias do mundo: o doidão da praia. Sabe aquela(s) pessoa(s) que fica o dia todo rolando no chão, gritando pro céu e é uma mistura triste de areia, suor e falta de prospecção na vida? Então, nós fomos essa figura por um dia. Acho que o clima hippie de Railay nos infectou. Foi divertido, mas assumir esse tipo de persona pode ser a droga de entrada para coisas mais pesadas, como por exemplo ser o maluco que faz parte de uma roda de violão a luz de fogueiras na praia. Deus me livre participar de rodinha de violão. Entendo que muita gente gosta, eu inclusive já fiz isso quando era mais novo e tenho amigos que ainda fazem, mas o excesso de Legião Urbana e Oásis que tive que aguentar acabaram com minha sanidade. Não desejo isso pra ninguém. Meus maiores medos, em ordem, são: ser chamado para o palco em uma peça de teatro interativa, participar de uma reunião de condomínio e ser o cara que canta em rodinhas de violão. Enfim, foi apenas uma noite de diversão em que a parte mais livre de nossos espíritos falou mais alto. Estou há 7 anos livre de rodinhas de violão, prometo.

Torrados na areia

Recuperados e purificados, curtimos Railay com mais calma e fizemos atividades mais saudáveis. Por exemplo, outro destaque da nossa estadia foi, no dia seguinte, ter alugado um caiaque e ter visto o pôr do sol no mar. Lá, diferente de Koh Tao e Phiphi, o pôr do sol era mais laranja, uma explosão no céu que sangrava em um degradê amarelado. Em outros locais a tela celeste era palco de uma briga entre um vermelho lavado e rosa, que era bonito também. Mas foi especial acompanhar os minutos finais da carruagem de Hélio do meio do oceano, perto de formações rochosas antiquíssimas e imponentes, onde tudo parecia perto e distante por um tempo. Um dos momentos para guardar com carinho dessa viagem.

Ainda sobre Railay, vale mencionar a Phra Nang Beach, a nossa favorita lá. A praia tem uma caverna sensacional, um rochedo com estalactites gigantes e uma ilhota que é a casa de um grande colosso de granito onde dá para chegar a pé (maré baixa) ou nadando. Visual estarrecedor, mas um lugar que fica bem cheio durante o dia.

Rolezinho tranquilo de caiaque

Nossos curto tempo de descompressão em Railay acabou e precisávamos seguir viagem. De lá fomos para Krabi. Um lugar que nenhum barqueiro queria nos levar pois não é necessariamente um ponto tão turístico, só uma cidade perto de vários lugares bacanas. Nossa ideia era pegar carona até uma ilha bem ao norte, e Krabi, uma cidade “grande”, era um bom ponto pra começar. Ficamos um dia por lá, em um hotel sujinho, mas bom (“sujinho mas bom” é o melhor combo de acomodação possível, sempre é barato porém super habitável), pois precisávamos planejar algumas coisas e foi lá o fatídico local onde despachei meu computador e parte do vídeo game pelo correio. Talvez uma das maiores cagadas da viagem, pois foi caro demais e obviamente que não obtive sucesso, mas é a vida. Mais um erro pro currículo.

No dia seguinte fomos até a rodoviária e decidimos subir um pouco mais a estrada antes de tentar pegar carona pro norte, por isso pegamos um ônibus de uma hora até Phang Nga, uma cidade bem pequena e sem nada notório pra falar. Quando chegamos andamos uma distancia nada saudável para a coluna com as mochilas, da rodoviária até a estrada principal que corta a cidadezinha. Tentamos pegar carona esse dia, mas não rolou. A chuva e a má vontade dos locais estragaram nossos planos. Comecei a desconfiar que minha cara de bad boy estava nos atrapalhando. Mais uma estadia em um hotelzinho “sujinho mas bom”.

Precisávamos planejar melhor todo esse processo de carona, afinal não tínhamos experiência nenhuma nisso. Coisa que fizemos, mas que vou contar com mais detalhes no próximo post. Spoiler: nossa carona foi com um grupo de rebeldes tailandeses que lutam contra o governo militar. Ou não. Você só vai descobrir se ler o próximo relato.

Beijos Quentes

Tailândia ou o capítulo etílico

Esse relato cobre os eventos de 21/10/2019 a 27/10/2019

Olá, sobreviventes desse chiqueiro fétido chamado internet. Eis aqui mais um capítulo de uma parte meio nebulosa da viagem, muito pelo excesso de álcool e falta de responsabilidade que esse pedaço abençoado (amaldiçoado) de terra, chamado Tailândia, imbui em nós pobres humanos.

Phi Phi é phoda (achei muito bom meu jogo de palavras)

Retomo o relato de onde tinha parado, uma madrugada semi-bêbado em Phi Phi.

Bom, no dia seguinte (sem ressaca) fizemos um passeio chamado “Barco do Pirata”, uma atividade recomendada para nós por um monte de gente. Antes de continuar a história, uma nota sobre esse passeio – o “Barco do Pirata” é uma das muitas opções que existem para fazer um “day tour” pelas praias de Phi Phi e pelas ilhas vizinhas, só que no caso o barco é todo estiloso e realmente parece um barco pirata (ponto positivo), tem uma baita infra-estrutura (ponto positivo) só que é um passeio caro (ponto negativo) comparado aos outros e bem badalado, a galera vai bebendo e tem até dj a bordo (ponto que eu achava que seria negativo) – por causa disso tudo ficamos um pouco relutantes, não estávamos a fim de badalação, mas acabamos escolhendo essa opção pois toda brasileirada que nos aconselhou falou muito bem do passeio (claro, a galera ama festa) e achamos que seria bom conhecer outras pessoas (algo necessário após quase 3 meses ficando 24 horas ao lado do mesmo ser).

Eu estava ainda mais reticente que a Marina, quem me conhece sabe que tenho preguiça desse tipo de atividade, ainda mais em um barco cheio de gente bêbada e possivelmente com um perfil meio “rei do camarote”. Quem me conhece sabe também que depois de umas duas Changs na cabeça (a opção mais barata de cerveja local) eu gosto bastante de uma baguncinha. Nada como um pouco de álcool e música latina para quebrar a sisudez de um homem.

O “Barco Pirata” foi muito legal no fim das contas. Afinal nem só de contato local e experiências transformadoras se faz uma viagem, é preciso ter um equilíbrio com a diversão inconsequente. Aliás, quer experiência mais transformadora que uma noite de embriaguez? Garanto que você não será a mesma a depois de doses cavalares de álcool.

Calma, amigos. Não virei o rei do camarote tailândes nem nada do tipo, mas como disse acima, às vezes uma zorra é bem vinda. Nesse passeio conhecemos uma galera do Brasil, todos muito gente boa. Um pessoal animado que curte fazer uma festa raiz. Tenho certa dificuldade em manter amizades novas, mas pulando de ilha em ilha, navegando pelo mar verde-esmeralda da Tailândia, foi fácil. Uma turma incrível que chamamos de amigos até hoje. Inclusive a intimidade veio fácil até demais, em dois dias a Marina já estava fazendo declarações alcoolizadas para a turma (isso durante um bizarro jogo de mímica que acontecia às duas da manhã durante uma tempestade). E afinal, por que estou dando tanta ênfase para essa galera e não para o passeio em si? Porque eles foram determinantes para os próximos dias da viagem, mas daqui a pouco eu explico, calma lá leitor afoito.

A turma

Enfim, voltando ao tour propriamente dito – o barco tinha tudo que eu já disse, alguns “frat boys”, uma galera gente boa, dj, parecia mesmo de pirata e passou por lugares incríveis. Sério, a região de Phi Phi é surreal. Você pode odiar festa, pode odiar a vida, sei lá, mas vá lá um dia. O mar é de um esmeralda transparente que gosta de mudar para jade ou turquesa de tempos em tempos (maluco, eu sei) e as formações de calcário que emergem de forma repentina no oceano são magníficas. Parece cenário de filme, sem sacanagem. Falando em filme, acho que já comentei sobre “A Praia” no texto anterior, mas nesse dia do Pirata passamos por Maya Bay, o local onde foi filmada a película. Não dava para entrar lá pois o governo fechou tudo pro “mar descansar” (ainda bem), mas tanto faz, porque nesse mesmo dia conhecemos Pileh Lagoon, possivelmente o lugar mais bonito que já vi com esses olhinhos que a vida me deu. É uma espécie de cânion inundado desenhado pela estranha formação da ilha que lembra um pouco uma ferradura, “dentro” descansa uma piscina natural gigantesca banhada por aquela água magnífica (juro que um dia paro de comentar sobre a cor da água por aqui) e cheia de pequenas cavernas em volta. Entramos ali de caiaque e parecia que estávamos explorando o local de descanso de alguma criatura esquecida pelo tempo no fundo do oceano. Por favor, para os que não foram, deem um Google aí.

O resto do passeio foi marcado por praias com macacos selvagens, outra ilha bem mais bonita que a Praia Grande, um pôr do sol rosa e azul e uns free shots no barco.

A entrada da Pileh Lagoon. Foto tosca mas é a única que eu tenho

O que merece destaque dos nossos dias restantes em Phi Phi são lugares como Long Beach e Nui Bay, que até já tínhamos visitado mas que ganharam uma segunda inspeção. As noites foram marcadas por festas na praia com a mesma turma que já mencionei, muito fogo, baldinhos de bebida e pizzas da madrugada. Como já disse no post anterior, até estendemos nossa estadia em Phi Phi, pois o astral do lugar é muito mágico. É cheio de turistas (estivemos lá na baixa temporada, não quero nem ver na alta) e cheia de festas/badalação, mas mesmo assim vale a pena demais. Parece uma terra do nunca encapsulada em uma ilha (a Terra do Nunca é uma ilha???), o tempo é diferente por lá. O povo é gente boa, o cenário é de cair o queixo e dá para ser feliz do jeito que mais te apetece, pode ser bêbado na praia, em alguma trilha perdida no meio da mata, pegando um táxi ou mergulhando em águas cristalinas. Encontramos vários brasileiros que estão morando por lá e vivendo de bicos, confesso que no começo achei meio estranho, mas no fim entendi a motivação dessa galera que se digna a bater corda com fogo pra turista maluco pular. Oras, eu quase me tornei um deles. Foi triste falar tchau pra um lugar desses, mas no fim estávamos nós lá, em frente a balsa de saída, só mais dois corpos no meio da fila indiana da tristeza, a fila daqueles que saem da ilha deixando um pouco mais do que os fluídos corporais expelidos durante crises alcoólicas – deixamos ali um pedaço de nossa felicidade (leve exagero para aumentar o impacto dramático).

Uma terra de aventuras

E aqui voltamos à galera que conhecemos durante o passeio. Eles foram determinantes para nosso roteiro na Tailândia, como estávamos nos divertindo demais toda noite decidimos continuar no bonde. E por isso alteramos nossos planos: nossa ideia era ficar apenas pelo lado da costa do Mar de Andaman, a parte oeste, mas como todos eles iriam pra Koh Phangan (ilha na outra costa, no Golfo da Tailândia) fomos juntos. Pra ser sincero eu fui um pouco resistente, pois o objetivo final nessa ilha era chegar até a Full Moon Party, festa que acontece todo mês durante, bem, a lua cheia. A mais famosa é a do ano novo, mas tem 12 dessas por ano. Enfim, acabei cedendo porque fui cativado pelas novas amizades e achei interessante a ideia de mudar algo planejado assim do nada. Para você, jovem normal e com a mente sã, isso pode não ser nada demais, mas no mundo de Rafael e suas planilhas sair um pouco fora do roteiro gera tanta adrenalina quanto conhecer o Vin Diesel. E também requer um esforço mental considerável. Lá fomos nós para a Full Moon.

Nós e todos que estavam em Phi Phi, aparentemente. Vou te falar, você entra em um redemoinho nessas ilhas tailândesas e não sai mais, parece que todo mundo está fazendo a mesma coisa que você. Teve gente que eu encontrei em todas ilhas que visitei. Acho que isso chama turismo né.

Um fato interessante que aconteceu foi que para chegar até a Koh Phangan pegamos uma série de balsas e ônibus, e em dada parte do percurso me separei da Marina. Não, ela não fugiu na garupa do primeiro tailandês bonitão que passou de moto (mas devia), o que aconteceu foi que durante uma parada na estrada ela foi pegar algo com um dos nossos amigos que estava em outro ônibus e o veículo saiu andando a toda, com ela dentro, me deixando ali desolado e sozinho na beira da rodovia. Foram minutos de intenso desespero e um silêncio acalentador, um verdadeiro pout pourri paradoxal. No final ficou tudo bem, pois todos iam para o mesmo lugar, mas que foi bizarro ver o ônibus partindo com a pequena Maris lá dentro, foi.

A Full Moon em si não foi nada demais. Nos falaram que seria a coisa mais louca de nossas vidas, que iríamos acordar em outro país sem algum membro e coisa do tipo… Mas é uma festa grande na praia, como uma festa de ano novo, só que com mais malabarismo com fogo (festa que é festa na Tailândia precisa ter pelo menos algum elemento pirotécnico, se nenhum turista se queimar eles consideram um fracasso). Talvez para quem esteja mais na pegada a experiência seja outra, talvez nós curtimos errado a festa. Quem sabe. Mas foi divertido sim, não posso dizer que a noite em que eu vi o corredor do hotel girar 90 graus e depois dissolver na minha frente tenha sido ruim. Também não posso dizer que a noite em que nós nos teletransportamos até o quarto do hostel sem saber como tenha sido ruim. Ok, foi legal. Carnaval ainda é melhor.

Ainda em Koh Phangan pegamos um dia para andar de motinho em grupo, foi um pouco bizarro, pois eram 13 scooters e, claro, eu liderava o grupo (apenas porque a Marina foi na minha garupa e ia olhando o mapa no celular). Era como uma versão bem mais triste de Sons of Anarchy desfilando pela ilha. Teve chuva, colisão e muita gente olhando para nós com um olhar que era misto de dó e curiosidade.

Fomos em duas praias bonitas, mas nada perto do que já tínhamos visto por esse país que é bonito além da conta. O outro dia na ilha foi dedicado a curar a ressaca da Full Moon e o momento mais emocionante aconteceu quando finalmente consegui comer meu misto quente da Seven Eleven (Seven Eleven é vida aqui na Tailândia, como é no Japão também) sem sentir que meu estômago me odiava por isso.

Abalando as estruturas de Koh Phangan

Ufa, foram dias de excesso. Excesso de belezas naturais e excesso de substâncias inebriantes. Acho que precisávamos disso, foi um momento importante de “abrir” nossa viagem para outras experiências e conhecer mais a fundo outras pessoas. Também esquecemos brevemente nossa idade e enfrentamos com extrema tenacidade as ressacas a que os nossos corpos nos submeteram. Depois de Koh Phangan fomos para Koh Tao, onde tivemos a pernada final (e mais bizarra) de nossa maratona etílica, mas isso é assunto para o próximo post.

Beijos Quentes