Turquia ou Limite vertical praiano

Pôrzão do sol lá pelas bandas de Ölüdeniz

Olá, amigos e amigas

Enquanto a pérfida luta contra a prisão da existência não termina, tentarei mais uma vez quebrar os grilhões da rotina e mostrar para vocês que o que está ruim pode sempre piorar. Já que a moda agora é queimar alguma coisa, bora lascar fogo no bom senso e na (minha) dignidade.

Depois de terminar nosso intenso quente e lotado mergulho ao passado, como relatado no post anterior, continuamos cruzando as planícies turcas em direção ao sol poente, buscando o laranja do céu e as praias do Mediterrâneo. 

Nossa primeira parada nessa empreitada litorânea foi na badalada cidade de Bodrum. Um lugar que não estava nos nossos planos, mas que incluímos para encontrar uma amiga da Marina. 

Bodrum é um lugar bonito, charmoso e cheio. Fantasmas de pele clara, bochechas rosadas e roupas que indicam pouca ou nenhuma familiaridade com uma divertida cidade de praia vagam aos montes por lá. Ou seja, Bodrum é lotada de turistas britânicos. Sim, é um lugar bem turístico, o que quer dizer que tem mais restaurantes, barzinhos, hotéis e loteamentos do que natureza. Não era o tipo de coisa que estávamos procurando, mas nos divertimos no período em que estivemos lá. Tomamos cerveja, comemos bem, observamos um belo pôr do sol e curtimos um dia interessante em uma das praias da cidade. Uma praia simpática, mas de pedra. Você deve estar se perguntando qual o problema, querido(a) leitor(a). Vou falar: praia de pedra é um negócio difícil de engolir. Os frágeis tecidos da realidade estão sempre instáveis em uma praia de pedra, como se o universo estivesse com sinal fraco e um chiado cinza dominasse nossas mentes. Percebemos que algo está errado. E isso acontece em qualquer praia de pedra, por mais bonita que ela seja. É como um andróide que não passa no teste Voight-Kampftt, no fim, por mais bem construído que seja, não é um ser humano. Não estou dizendo que a melhor praia de pedra do mundo é pior que a mais horripilante praia de areia que existe por aí, só estou dizendo que é complicado gostar desse negócio. E antes que alguém venha me dizer que pedra é bom porque não gruda e nem é invasivo como areia eu só tenho a dizer: você não sabe curtir uma praia, você não merece uma praia e você nem deveria pisar numa praia. Areia é o melhor denominador comum da sociedade, irrita e cola no corpo sem qualquer tipo de distinção, é o elemento que veio para nos mostrar que no fim somos todos iguais. Quem se dispõe a “enfrentar” a areia sabe que ela sempre vence, não importa quem você seja. E se não for para sair parecendo um frango à milanesa eu nem vou à praia. Enfim, desculpe o tom autoritário, mas esse é meu blog e o único ambiente no mundo em que eu posso exercer minha ilusão de poder, então me dê licença. 

Bodrum e suas via marítimas entupidas

Bodrum foi um ponto estranho no roteiro, mas divertido. Encontramos amigos e pudemos observar uma gama de personagens exóticos que rondam pela cidade, desde senhoras ricas e caricatas que andam com cachorrinhos birrentos a tiracolo e parecem saídas do desenho do Tintim a velhos bêbados que ficam aprisionados em seus pequenos barcos enquanto suas almas vagam livres por aí, esses saídos direto de uma obra Hemmingwayniana. O mais emblemático deles parou em uma mesa ao lado da nossa em um barzinho, sentou-se com os jovens que a ocupavam e começou a tocar a pior melodia que já saiu de qualquer violino do mundo. Tudo isso sem qualquer coisa parecida com um convite. No fim contou umas histórias, ganhou um sanduíche e minha admiração. Bodrum é um lugar estranho. 

Depois nos dirigimos para onde queríamos estar desde o começo, na região de Fethiye e Ölüdeniz. Para chegar lá foram cerca de 4 horas por estradinhas seguindo a costa turca, uma jornada extremamente agradável. Passamos por cidades minúsculas e belas, pequenas joias escondidas no Mediterrâneo. Foi uma pena termos um prazo de saída da Turquia (pois iríamos encontrar a mãe da Marina na Grécia), porque tenho certeza que dá para ir parando e explorando cada vilazinha à beira do mar. Enfim chegamos no nosso objetivo, um hotelzinho com clima caseiro que ficava na parte mais interiorana de Ölüdeniz. Fethye é uma cidade praiana de tamanho razoável, porém calma e gostosa. Ao seguir pela estrada principal e cortar as montanhas por cerca de 10 minutos é possível encontrar a vila de Ölüdeniz e caso continue na mesma estrada por mais uns 5 minutos chegará na praia de Ölüdeniz, um lugar popular nas férias de quem quer desfrutar o Mediterrâneo turco. Como estávamos de carro ficamos na vila que fica no meio do caminho, e apesar de ser uma região cheia de europeus descansando de suas rotinas, fica também perto de muitas prainhas mais reservadas e escondidas entre os vales que rasgam as montanhas que guardam o litoral daquela parte do mundo. Fomos lá para ficar 3 dias e acabamos ficando 7. Foram tempos relaxantes, daqueles momentos que praticamente fazem um carinho na alma. Todo dia exploramos praias diferentes, nossa hospedagem era ótima e barata, a comida nas redondezas era boa e o melhor, tínhamos café da manhã incluído na diária. E não, isso não é bobagem. Essa viagem me fez valorizar os cafés da manhã inclusos na diária como nunca antes, e o desjejum do nosso simpático hotel era fora de série. Queijos, diferentes tipos de azeitonas, pães, ovo, vários tipos de geleias, bolo e o melhor mel da história. Confesso que comia por duas ou três pessoas ali, o que é a melhor tática a se seguir para pular (e economizar) refeições ao longo do dia. Um homem com um bom café da manhã não quer guerra com ninguém. 

O Butterfly Valley e a praia lá embaixo – bela queda

Nesse período conhecemos praias incríveis, até porque a região era maravilhosa e facilitou nosso trabalho. Mais um lugar na Turquia em que eu ficaria mais de meses, tranquilamente. Uma mistura de montanhas, vales e praias perdidas entre pinheiros. Nunca achei que pinheiro combinasse com praia, mas ali eu entendi que areia branca e coqueiro não é o único combo possível para degustar de uma diversão marítima. Claro, existem lugares lotados e tomados pelas hordas estrangeiras, como a própria praia de Ölüdeniz, mas ali perto fomos em locais como Kabak e o Butterfly Valley, locais lindos e tranquilos. Kabak era o ponto mais afastado de onde estávamos e para chegar lá nos enfiamos no meio de estradas estreitas em um desfiladeiro e quase estacionamos no telhado de um pequeno barraco. Depois descobrimos que para descer até a praia do alto das montanhas (por lá é tudo desfiladeiro até o mar) é preciso pegar um ônibus especial ou andar por um tempo. Como estava quente e estávamos com aquela preguiça gostosa causada pelo excesso de sol e sal, optamos pelo ônibus/van apertado, uma opção sempre interessante para quem quer aliar o clima de praia com uma sauna. Kabak tinha um clima alternativo e místico, com muitos jovens turcos acampando por lá, daquele tipo de lugar em que as pessoas fazem yoga na praia e alguém se oferece para ler seus chakras. É um local lindo, na boca de um valezinho simpático e cercado por montanhas. Um defeito? Mais uma praia de pedra. Mas confesso que senti uma calmaria quase espiritual nas águas de Kabak. Ali pensei, “por que me estressar?” – Tudo estava tranquilo, nossos problemas eram pequenos perto da imensidão daquela natureza e eu estava viajando o mundo com a mulher que eu amo. Claro que esse estado mental zen não persistiu muito e logo na próxima baliza que precisei fazer já estava xingando até minha mãe. Ser iluminado não me cai bem, mas foi bom enquanto durou. 

Parte do rolêzinho para descer até a praia

O Butterfly Valley é um lugar que nem tenho capacidade léxica para descrever. Meu segundo lugar favorito na Turquia toda, com certeza (Capadócia ainda é rainha). Como diz o nome, é um vale, mas não é um vale como muitos outros que existem na região. Ele é estreito, íngreme, quase claustrofóbico. Como se fosse um corte fino nas montanhas feito pela espada de um deus durante a Titanomaquia. E ali embaixo, onde as montanhas finalmente terminam, fica uma prainha linda banhada por águas verdes transparentes. Dá para conhecer o vale pelo alto, a estrada dá a volta por ele e continua pelas montanhas, e a vista é embasbacante. Mas também dá para descer até o mar por uma trilha que beira os penhascos alaranjados. E que trilha. É um caminho quase vertical e que pode ser considerado complicado tecnicamente. Não é longo nem demanda muito esforço, mas deixa tenso. Em alguns momentos é necessário o uso de cordas para descer e subir as pedras. Sim, cordas. Coisa de quem é versado na aventura. Foi nossa versão particular do filme “Limite Vertical” e nós já podemos dizer que flertamos com os perigos da gravidade. Sim, logo eu que já ganhei o prêmio “mais tropeços que a média da população adulta de Itu 2017” consegui completar o nervoso percurso sem nenhum acidente, embora em dado momento eu tive que pular de um penhasco até outro no melhor estilo Missão Impossível. Não acredita? Azar o seu. Não preciso nem dizer que eu adorei descer e subir os precipícios, ainda mais porque fizemos tudo em um lindo dia agraciado pelo sol e eu pude limpar os baldes de suor que saíam de mim em um mar estonteante. Eu já falei da praia do Butterfly Valley, mas vale reforçar, que lugar incrível. Isolada, tem areia (e pedras), mar calmo, cor hipnotizante e um clima tranquilo, quase hippie. A paz de lá só é quebrada nos períodos em que as multidões pulam como pulgas dos navios de passeio que chegam nas ancoragens próximas, mas o caos dessa torre de babel convertida em tripulação só dura algumas horas – as infames “horas de visita”. Nos outros momentos a praia é dos malucos que acampam lá embaixo, de alguns locais e dos imbecis (como nós) que sobem e descem a trilha do desfiladeiro. Lá consegui dar mais um mergulho estilo “zen”. As águas da Turquia fizeram bem pra mim. Só as águas também, porque a trilha foi linda, mas nos deixou incapacitados no dia seguinte. A Marina parecia o cadeirudo (da novela A Indomada, lembra?) andando. O único ponto negativo foi não termos conseguido pegar a temporada de flores e das borboletas que lotam o vale, mas mesmo assim foi um dia de visões inesquecíveis.

Saudades das praias turcas (menos as de pedra)

Não vou detalhar aqui nossas peripécias em todas praias que visitamos, pois até que fomos bem ativos nesses dias baseados em Ölüdeniz, mas apesar das andanças pra lá e pra cá conseguimos relaxar e entrar em sintonia com a sensação de descobrir, algo importante nesse tipo de viagem. Alugar carro não é a opção mais barata e com certeza diminui as chances de encontros inusitados (graças a Deus*), mas em contrapartida aumenta a liberdade para explorar, mesmo que o carro seja um péssimo Peugeot 301 com um motor que mais parece um secador de cabelo. 

Foram alguns dias e logo já precisávamos voltar para Capadócia, devolver nosso carro, pegar um ônibus para Istambul e aí partir para a Bulgária, nosso próximo destino. Mas os detalhes dessa jornada são tema para a próxima newsletter.

Beijos quentes

*Ao contrário de 99% dos viajantes de longa duração, eu não sou grande fã de contato com os outros nem gosto de puxar assunto com qualquer um. Sei que é algo vital para várias coisas, inclusive para o conhecimento de mundo, e reconheço sua importância, assim como reconheço a importância da ingestão de beterraba mesmo odiando beterraba.

Publicidade

Maldivas ou o paraíso manchado

Vista comum pelas Maldivas

Olá, amigos e amigas da meia-noite. Enquanto estamos a espera da escuridão eterna que vai apagar a realidade como conhecemos, que tal curtir mais um capítulo deste humilde blog?

O capítulo anterior terminou quando estávamos prestes a sair de Rishikesh e da Índia e a caminho das praias paradisíacas das Maldivas.

Mas claro que o país de Shiva não nos deixaria sair dele sem uma última “provação”. Essa foi leve até: nosso ônibus de Rishikesh para Delhi atrasou algumas horas porque estava quebrado no acostamento da estrada. Tivemos que pegar um ônibus alternativo até a tal estrada e aí pegar o ônibus alternativo 2 até Delhi. O problema é que o ônibus alternativo 2 já estava bem cheio, então tiveram que acomodar os novos passageiros em um lugar em que novos passageiros não poderiam ser acomodados. Tudo bem, faz parte passar por esses momentos de extremo contato humano e até que após entrar no veículo com nossas mochilas colossais e esbarrar em vários indianos (sem querer), conseguimos uma “cabine” privada. Os ônibus leitos da Índia tem uma espécie de cabine com duas camas para os passageiros irem deitados e tranquilos, é bem bom, mas como o ônibus alternativo 2 já estava lotado tivemos que colocar nossas malas no compartimento junto com a gente e ficou tudo bem apertado. Aliás esse estilo de ônibus é maravilhoso para quem viaja em dupla, mas ficar com um estranho nessa cabininha do amor deve ser bem incômodo (ou bem gostoso, depende da sua disposição para se divertir).

Antes de continuar com o relato quero fazer um parêntese. Eu odeio minha mochila. Eu sei que uma mochila é tudo para um mochileiro e é quase um sacrilégio isso que estou dizendo, mas nós não temos uma boa relação. Claro, reconheço o quanto ela já me foi útil, quantos momentos gostosos dividimos e quantas barras já passamos juntos, mas a coisa toda ficou insustentável. E não é que a mochila é ruim, longe disso, na verdade o problema sou eu. Eu que imaginei que precisava de tantas coisas antes de começar a viagem e que peguei uma mala grande demais. Eu que não calculei que ficaria parecendo uma tartaruga ninja com ela nas costas. Ela é tão grande que parece que eu estou carregando um corpo pra lá e pra cá. E o tamanho irrita. Não só pela necessidade de despachar a mala quando pegamos avião, mas principalmente porque avião é o meio de transporte que menos usamos, nós “preferimos” vans apertadas, ônibus velhos, trens lotados e por aí vai. E juro, é horrível entrar nesses lugares com praticamente um baú nas costas. Eu me irrito e irrito os outros. Quero agradecer de coração minha cunhada que me emprestou a mochila, mas nosso relacionamento não foi dos melhores.

Terminada a sessão reclamação voltamos pro relato do ônibus apertado.

E foi numa colisão de corpos, bagagem e suor que fomos pra Delhi e finalmente chegamos ao aeroporto. Já era tarde da noite e passamos mais uma madrugada entre os rostos tristes que habitam o local nas horas mais escuras. Mas tudo bem, estávamos acostumados. E olhe só, o voo até saiu no horário. Nesse momento achamos que nosso azar com transportes estava terminando.  

Ledo engano, ledo engano.

Chegamos em Malé, capital das Maldivas, no período da tarde do dia seguinte. A ideia era passar uma noite lá e pegar uma balsa pública logo cedo. Isso porque as Maldivas são formadas por mais de 1000 ilhas e claro que os deuses, brincando com a gente, nos fizeram achar um hotel acessível em uma ilha bem longe da capital. Para chegar em qualquer outro lugar saindo de Malé existem algumas opções de transporte, como a balsa pública, a balsa noturna, speed boat e aviões pequenos. As duas últimas opções são as mais rápidas e mais usadas por turistas endinheirados. Elas funcionam quase todos os dias e chegar até uma ilha resort não vira uma epopeia. Não era nosso caso, usar uma lancha ou um avião acabaria com nosso budget, por isso optamos pela balsa pública que era 10 vezes mais barata. O problema é que essa balsa não serve todas ilhas todos dias, por isso calculamos nossa partida de Malé para segunda-feira de manhã, quando o rapaz do nosso hotel garantiu que sairia um transporte para Maamigili (nosso destino final). Conhecendo nossa sorte para esse tipo de coisa você já deve imaginar que o plano não deu certo. Não tinha balsa pública para Maamigili na segunda, só na quarta-feira, o que significaria que ficaríamos mais duas noites em Malé, onde a hospedagem é cara pra caramba. Já estava me preparando para dar tchau para um rim.

A alegria de ir na balsa noturna – pelo menos deu pra dormir bem

Foi aí que lembramos da balsa noturna, bem mais cara que nossa primeira opção, mas ainda acessível. Andamos a esmo no porto comercial a procura do tal barco e, apesar do cenário não ser convidativo, foi então que descobrimos a hospitalidade e desejo de ajudar dos maldivos. Que povo simpático. Estávamos um pouco com pé atrás em relação a proatividade alheia devido algumas experiências não tão bacanas na Ásia, mas lá a ajuda foi sempre sincera. Foi nossa primeira vez em um país de maioria muçulmana e isso me fez pensar na hospitalidade do Islã, coisa que já tinha ouvido falar. Enfim, achamos a tal balsa noturna e partimos às 23 horas para chegar apenas 6 da manhã em nosso destino. Ou seja, saímos de Rishikesh sábado cedo para chegar terça-feira aonde realmente queríamos estar. Entendeu porque às vezes cansa essa história de ir de um lugar pro outro? E olha que essa jornada foi bem tranquila perto do que já passamos ou de histórias que escutamos. 

Mas agora que mais uma saga dos transportes foi explicada (eu sei, sou repetitivo) chegou a parte interessante, a parte de falar desse “fundo de tela” da vida real que são as Maldivas, mais um lugar surreal que visitamos. 

Para explicar rapidamente, afinal não dei contexto nenhum, nosso hotel não era um resort ou algo do tipo, mas conseguimos um bom preço com refeições inclusas em uma hospedagem bacana em uma ilha local (Maamigili), ou seja, com uma vila funcional e não apenas tomada por um resort monstruoso. Mas, como descrito acima, não foi tão fácil assim chegar lá.

Começamos por Malé, que é uma cidade ajeitada e não tem nada de muito especial, mas fica em uma ilha (óbvio) e mesmo de lá, mesmo do caos urbano, já dá pra perceber que o mar na região é especial, transparente e convidativo. Aliás Male é daqueles lugares em que muitos pontos o que separa a terra do mar é uma simples muretinha. Cada vez que alguém fala em “aquecimento global” a população das Maldivas deve tremer. 

Foto aleatória pra quebrar um pouco o texto – Picnic Island

Depois fomos para Maamigili, a ilha em que ficamos hospedados. Ela fica há umas boas horas de barco da capital, em um atol distante. A praia de turistas (a em que estrangeiros podem nadar com roupas de banho e é limpa) tinha aquela cor de água de filme, um mar azul turquesa que parecia nos chamar para se banhar nele. Da areia conseguíamos ver o horizonte infinito com pequenas ilhas (e resorts) pipocando ao fundo. Tudo isso sob as sombras de coqueiros. Olha, não estava ruim não, mas por Maamigili ser uma ilha habitada por locais (e não só uma ilha resort) ela nos mostrou uma realidade diferente das Maldivas – mais disso a seguir. Além desses dois lugares fizemos passeios pelo atol onde fica Maamigili – para um resort e uma ilha deserta. E aí, meus amigos, aí foi só cenário de filme mesmo. Aquele mar que é ao mesmo tempo transparente e de um azul tão intenso que parece uma piscina translúcida de Gatorade, bancos de areia e coqueiros perdidos em uma imensidão aquática e uma vida marinha ativa que salpica essa tela azul de muitas cores diferentes. Eu sei que posso soar repetitivo, mas é impossível ficar fora da água nesses lugares. É tão bonito que não dá para não entrar. O oceano é uma sereia que atrai pelos olhos e não pelos ouvidos, sempre nos puxando para as profundezas. Para ser mais chucro: é foda. 

O resort típico das Maldivas – não, não ficamos hospedados aí

Agora falando sobre o resort – fizemos um passeio de um dia para um desses mega empreendimentos que tomam uma ilhota inteira e criam um paraíso hedonista para os afortunados. E sim, o lugar que visitamos era incrível e imagino que todos resorts devam ser. É a união de um cenário perfeito com luxo e conforto. Mas também é estranho frequentar algo assim vivendo tanto tempo os perrengues da estrada. Pessoas te levando pra lá e pra cá de carrinho de golfe, pessoas servindo comida e drinks, pessoas tomando conta dos seus filhos, pessoas secando suas costas com a língua (ok, eu exagerei e na verdade nem sei como esse exemplo funcionaria, afinal a língua só deixaria tudo mais molhado não é?). Eu não estou dizendo que esse tipo de coisa é ruim, nem que é boa, não vou mergulhar no abismo filosófico e discutir a moral e ética do tema. Só é tudo muito estranho, principalmente para quem veio, como a gente, da vivência de realidades com diferenças abismais para essa. E é tudo muito caro também, nossa única atividade por lá foi morrer nas belas praias da ilhota e, para não deixar passar em branco, consumir um drink no bar da piscina (que quase nos custou um órgão). Foi um belo dia. Para economizar até levamos marmita do nosso hotel all inclusive. 

Picnic Island

O outro passeio que fizemos foi para um ilhazinha bem perto de Maamigili chamada Picnic Island. Um lugar deserto, mas que provavelmente serve ou já serviu como fazenda de coqueiros. Enquanto explorava a ilha me deparei com diversas estruturas abandonadas. Me senti em Lost descobrindo as ruínas de complexos científicos ou algo do gênero. Não vou mentir – foi a volta daquele sentimento bobo de aventura ao se deparar levemente com o desconhecido ou o misterioso. Nessas andanças encontrei pedras que formavam diversas piscinas naturais e em um delas pude acompanhar uma moreia caçando caranguejos e foi um espetáculo incrível. Ela nadava ameaçadoramente, sempre a espreita, e quando percebia que um dos caranguejos tinha dado bobeira saía feito um míssil com metade do corpo para fora da água expondo seus dentes brancos e mordendo tudo que viesse pela frente. Foi uma cena feroz. Vida e morte no mundo selvagem. Parece que estou dramatizando demais um evento corriqueiro que demorou o total de uns 20 segundos, mas pensa só por um minuto, na escala dos caranguejos era a luta deles contra um infernal dragão aquático, praticamente a versão crustacea de Cadmo contra a serpente. No fim a moreia conseguiu arrastar um infeliz caranguejo para baixo de sua pedra favorita e a vida sobre as rochas voltou ao normal.

Não canso de colocar foto dessa ilha

A Picnic Island era incrível, como a maioria dos lugares nas Maldivas. Tínhamos acabado de vir de um cenário quase alienígena, as ferozes montanhas dos Himalaias e eu estava apaixonado por aquele visual, mas ali perto da água lembrei que para mim nada supera um mar azul, areia branca e uns coqueiros vistosos. O problema do lugar é que lá tinha muito lixo. Sim, lixo, uma tribulação recorrente nas Maldivas.

Já comentei que ficamos em Maamigili e que lá é uma ilha cidade, ou seja, é habitada por pessoas locais. Disse também que lá descobrimos um outro lado chocante da realidade do país, como diz a Marina “um tapa na cara”. Lá descobrimos como o lixo é tão parte do paraíso quanto o mar azul.

A cidade/vila de Maamigili não é suja, é inclusive bem organizada. Não testemunhamos nenhum ato que indique tamanho descaso ambiental para explicar o que vimos (já passamos por lugares que a população tinham pouca ou nenhuma consciência ambiental), mas fato é que ao nos aventurarmos para longe da praia dos turistas descobrimos um verdadeiro lixão a céu aberto nas areias da ilha. Esse lixo está lá por uma série de fatores: vem do mar que é cada vez mais um lugar de despejo das grandes nações (e isso é muito forte no sudeste asiático), falta de espaço e de soluções para o lixo produzido nas ilhas das Maldivas e também um pouco de falta de consciência das pessoas (turistas e locais). Fato é que vimos isso em Maamigili, vimos isso na Picnic Island e pelo o que pesquisamos acontece em várias outras ilhas que não sejam visitadas por celebridades.

Repara só no lixo na areia

Fato é que em uma tarde nublada nós resolvemos tentar melhorar minimamente a situação e ficamos umas boas horas catando tranqueiras da praia. Sabemos que  foi um esforço mínimo perto do que precisa ser feito, mas pareceu melhor do que apenas deitar com a barriga ao sol. Um fato curioso: após enchermos nosso primeiro latão de lixo um senhor que cuidava da praia de turistas veio nos ajudar e, com sua carriola, insistiu em levar o latão para um lugar apropriado. Nós o seguimos e vimos que o tal do lugar apropriado era um lixão improvisado em meio à vegetação bem pertinho do mar. Não serviu de muita coisa nosso suor inicial. Acho que esse foi mais um fato triste do que um fato curioso, mas a vida é assim, mais triste do que interessante. 

Resultado do nossa coleta de lixo

Além de pegar lixo das praias e torrar em cenários extravagantes também curtimos muito nosso quarto. Não, não é isso que você está pensando leitor de mente mais tórrida, é que no pouco tempo que ficamos lá choveu bastante. Mas foi bom, conseguimos relaxar e colocar séries, livros e filmes em dia. Uma hora até nos enchemos o saco e nadamos na chuva mesmo.

Outra coisa interessante que aconteceu foi que estávamos no país bem na época do Ramadã, quiçá a celebração religiosa mais importante do islã. Como o Ramadã exige uma série de sacrifícios e tem regras bem específicas, ele muda completamente a rotina de um país muçulmano, algo interessante de vivenciar em primeira mão. De dia não pode, entre outras coisas, comer ou beber água, então a noite é um período de encontros, confraternização e comida. Parecia uma rave de muitos dias, pois sempre quando íamos dormir escutávamos a vida acontecendo lá fora. 

No fim nossa estadia cumpriu seu papel e ainda nos acordou (finalmente) para mais uma realidade dura desse planeta. Mas havia chegado hora de sair desse paraíso maculado e seguir viagem.

Curtindo um sol

Foram mais algumas boas horas de balsa pública até Malé, onde pegamos um avião com destino para Délhi, mas que sabíamos que não seria nosso ponto final. Isso mesmo, não iríamos ficar na Índia, mas poucas horas antes de nosso voo não tínhamos ideia para onde prosseguir. Aliás o processo todo de decisão foi bem caótico e muito estressante, mas isso eu conto na próximo post.

Beijos Quentes

Austrália e o capítulo da exploração oeste – parte 3

Passamos por lugares isolados e pouco bonitos

Olá, sobreviventes. 

Pegue um café, chá ou de preferência algo que deixe seus neurônios um pouco mais entorpecidos. Mais um bocado de bobagens está prestes a ser despejado em você.

Esse é mais um capítulo sobre a Austrália e nossas aventuras rodoviárias por lá. E é o último, juro, depois deste o próximo relato será sobre o Nepal e as andanças pelos Himalaias. Muito mais frio e aventuroso.

No capítulo anterior estávamos em Perth, usufruindo de um Airbnb em um bairro asiático e prestes a começar uma nova viagem de carro. Foram poucos dias parados, pois nos despedimos do companheiro Paulo e logo na manhã seguinte fomos pegar nosso incrível veículo na locadora para começar uma nova aventura.

Faríamos uma road trip menor, de oito dias, por isso optamos por “estilo” invés de “funcionalidade”. Alugamos uma campervan, pois queríamos ter a experiência de “viver no nosso carro”, a epítome do espírito livre que é inerente às road trips. 

Mas não foi qualquer campervan. Não foi nem ao menos uma boa campervan. Eu não diria nem que era uma campervan “média”. Não. Foi um furgão Suzuki saído direto do Japão feudal, apenas levemente modificado e com uma pintura externa singular. Ele tinha compartimentos de madeira acoplados em sua parte traseira e alguns equipamentos, como colchonetes, fogareiro, panelas, pia, etc… tudo bem simples. Caso você busque por “van life” no YouTube vai achar diversos vídeos sobre carros incríveis e ajustados de forma magnífica, com modificações inteligentes que criam um senso de conforto e autonomia. Não era o nosso caso. Basicamente alugamos uma “rape van” com 140 mil kms rodados e com colchonetes velhos embutidos, mas foi divertido. Pelo preço esperávamos algo melhor, mas a vida nos fez de otários de novo. Ao menos fomos otários felizes por alguns dias (assim que aprendemos a lidar com os mosquitos). 

Importante lembrar – campervan são diferentes (e bem mais simples) do que motorhomes e trailers.

Um último ponto importante sobre nosso veículo, além de ele estar sempre na iminência de perder alguma peça vital na estrada, não conseguir ultrapassar 90km/h sem capotar e ter um cheiro peculiar – ele também não era nada discreto. Alugamos ele na Wicked Campers, uma empresa toda modernosa que serve a jovens “rebeldes” que ainda não sentem dores nas costas e gostam de ficar nus por aí (no escritório da empresa tem um monte de fotos de clientes nus perto dos carros, não entendi o porquê até agora). Os carros da Wicked Campers tem pinturas interessantes e engraçadas, como por exemplo um motorhome que é igual a van do Scooby-Doo. O nosso furgão tinha um trabalho estético mais peculiar, algo meio urbano e ameaçador, que não era nem bonito nem legal. Sabe aquele tipo de carro que você olha e pensa “olha lá o imbecil chegando”, então, esse era o nosso. Parecia um carro de gangue, mas ao invés de figuras amedrontadoras quem descia dele eram dois turistas desajeitados. Os observadores deviam imaginar que estávamos escapando do nosso cativeiro ou algo assim. 

Nosso veículo do amor

Pode parecer que eu não gostei do nosso furgãozinho, afinal foram dois parágrafos apenas criticando ele, mas eu gostei sim. Eu não adorei logo de cara e esperava algo muito mais legal, mas com o tempo criei um certo carinho por aquela coisa estranha. Acho que é mais ou menos assim que minha mãe deve se sentir em relação a mim. 

Nosso plano era explorar a parte sul da Austrália ocidental dessa vez, indo até Esperance e voltando por alguns locais interessantes ao longo da costa. Foi uma viagem curta em dias, mas quase tão longa quanto a anterior em distância, cerca de 2.100 kms rodados. 

Já adianto aqui, essa foi mais uma viagem incrível. Impossível não comparar o sul com o norte da costa oeste. Fomos de uma área praticamente deserta e isolada para locais mais verdes e mais populosos, na medida do possível, claro.

 Saímos de Perth e cortamos parte do interior para chegar direto à Esperance, no litoral. Foi um dia longo e em que atravessamos uma paisagem parecida com o meio oeste americano (ou pelo menos parecido com o que eu vejo nos filmes): cidades de uma rua só, imensos campos dourados se estendendo até o horizonte, poeira e árvores pequenas e retorcidas. Foi uma passagem por uma Austrália bem interiorana, até mais isolada que as minúsculas vilas que vimos ao norte. Como nosso carrinho não conseguia cobrir muita distância acabamos dormindo no meio do percurso, em uma cidadezinha esquecida pelo mundo chamada Lake King. 

Mais um foto de Esperance e eu ainda nem falei disso no texto

Claro, como qualquer lugar na Austrália que tenha mais do que três pessoas, Lake King tem um caravan park (camping). Para ficarmos lá precisávamos pagar a estadia na taverna local, que fica ao lado do camping. Vou falar, quando entrei na taverna me senti em um filme – sabe aquele tipo de cena em filmes de faroeste em que todos param de falar e encaram o forasteiro entrando no saloon? Foi isso que aconteceu. No momento em que todos no bar olharam pra mim me preparei para sair na mão com quem fosse necessário, mas eles foram todos bem gente boa e nada aconteceu, para sorte deles.

E foi nessa primeira noite que nos deparamos com um problema que seria uma dor de cabeça nos próximos entardeceres: os mosquitos. Dormíamos na parte de trás do carro e ele ficava um forno sem nenhuma abertura (sem falar que não é muito indicado dormir com as janelas fechadas), mas qualquer frestinha era um portal para uma horda sanguinolenta de mosquitos. Foi uma péssima noite de sono. Apenas dias depois, após algumas gambiarras mal feitas (inclusive usando papel de embrulhar presente), uma chacina de insetos e poucas horas descansadas que chegamos à conclusão definitiva para esse problema: como não achamos mosquiteiros próprios para carros improvisamos panos de cozinha, daqueles coloridos, presos nas janelas. Eles eram arejados na medida certa e uma bela rede de proteção contra os minúsculos arautos do inferno. Uma solução digna de MacGyver de dona Marina. 

Mas voltando à estrada – no dia seguinte seguimos cortando o interior e finalmente chegamos até Esperance. A vegetação ficou mais verde, até mais árvores apareceram, e de repente estávamos em uma costa com diversas praias de areia branca, mar azul, violento e frio. Esperance é uma cidade interessante, tem certa estrutura e praias lindas ao redor. Com certeza moraria lá por um tempo. É longe de tudo, mas de um jeito bom. 

Fizemos a Great Ocean Drive (não é Great Ocean Road), um passeio curto por inúmeros pontos locais, e paramos em uma praia belíssima e “nude friendly”. Não tinha ninguém pelado lá. Quer dizer, tinha sim, um tiozão que usava apenas um chapéu e parecia uma estátua sentado em umas rochas dentro do mar congelante. Ele realmente não se movia, estava comprometido com a nudez de um jeito transcendental, porque eu não teria aguentado dois minutos ali com os escrotos afundados em água congelante. O melhor de tudo é que ele ficava bem no limite da área “nude friendly” da praia, fazendo um contato visual estranho com todos que ousavam entrar em seus domínios. Era o guardião dos peladões. Passamos pelo olhar julgador do colosso nu e andamos mais para dentro da área onde era legal ficar nu, longe dos olhares do tio indiscreto e, bom, tiramos as roupas. Ou melhor, a Marina tirou tudo e ficou muito feliz. Foi uma baita experiência de libertação para ela, algo intenso e importante. Eu consegui ficar um total de dois minutos nu, mas aí minha neurose e repressão tomaram conta da mente e logo já estava de shorts novamente. Esse negócio de ficar pelado é pros bêbados e pros corajosos, e eu que nem alcoolizado ganho coragem já sei que isso não é pra mim. 

No dia seguinte continuamos em Esperance e visitamos o Cape Le Grand National Park, um parque nacional que fica pertinho da cidade e tem praias surreais. Passamos a maior parte do dia em Lucky Bay, um paraíso de água azul turquesa que os humanos dividem com cangurus. Lugar incrível. Ainda visitamos Thistle Cove, Hellfire Bay (que tem o nome mais legal do mundo) e o Frenchman Peak.

Lucky Bay

Depois de dois dias de gracejos estéticos demos adeus à Esperance e partimos em direção a área de Margaret River. Para isso cortamos de novo o interior da região sul, dessa vez em direção a oeste, e de novo nos enfiamos nos infinitos campos planos e poeirentos do “meio oeste” australiano. Nesse dia fomos em direção a uma poderosa tempestade, enfiamos o carro num mar de nuvens negras e raios intimidadores, me senti no filme Twister. Dormimos em uma cidadezinha bem interiorana chamada Kojonup. O povo de lá é daqueles com olhar desconfiado e eram mais reservados do que o australiano médio, algo típico de cidades menores e pouco visitadas. Ficamos em um caravan park sinistro, com diversos moradores “fixos”. Uma turma bem estranha que poderia ter sido parte do elenco do “Massacre da Serra Elétrica”. Eu não me surpreenderia se alguém nos atacasse durante a noite, mas como já disse na newsletter anterior, estou preparado para esse tipo de situação. 

Conforme nos aproximamos de Margaret River os povoados ficaram maiores e com mais estrutura. A paisagem mudou de novo, voltando a ficar mais verde e até mesmo mais “temperada”, com bosques de pinheiros mesclados ao bush australiano. Essa é uma região muito bonita e charmosa, e bem mais turística do que outros pontos que visitamos (até por ser próxima de Perth). É uma espécie de Campos do Jordão com praia – e eu sei que sempre uso Campos do Jordão como comparação, mas é que meu repertório de cidades é baixo, desculpe. 

Ali perto existem diversas vinícolas, fábricas de queijo, fábricas de chocolate e bons restaurantes. E também a alguns poucos quilômetros ficam praias lindas. É um canto bem feliz da Austrália. 

Aliás o que eu chamo aqui de Margaret River é uma região que engloba várias pequenas cidades e vilas, inclusive a própria cidade de Margaret River, como também Dunsborough e Yallingup (que visitamos). Passamos três dias por ali e: comemos sorvete, chocolate, degustamos vinho, fomos a uma feira de orgânicos, conhecemos praias absurdamente bonitas, escalamos rochas e nos divertimos muito.  Apesar de tudo já mencionado, diria que o ponto alto das atividades foi assistir a uma mulher que estava falando ao telefone e comendo pizza derrubar uma parte de sua pizza na calçada, parar, colocar a outra parte da pizza que ainda estava em condições de consumo também na calçada, pegar a parte que caiu e colocar em cima da parte que não caiu mas que agora também estava suja e continuar com sua vida e com sua conversa como se nada tivesse acontecido.

Se você reparar bem me verá ali em cima das rochas

O ponto baixo dessas andanças automotivas foi que durante essa terceira road trip foi quando sofremos nosso primeiro e único furto da viagem. Bem na Austrália. Nunca se sabe quando alguém vai precisar de um adaptador de tomada. Paciência. 

E assim foi nossa terceira e última road trip na Austrália. Todas foram incríveis e eu já escrevi sobre a mágica desse tipo de viagem. Essa foi especial pois acho que nunca tinha ficado tanto tempo na estrada (dirigindo) com apenas a Má. Até ao nosso carro nos apegamos, mas confesso que fiquei feliz de devolvê-lo e sair de trás do volante.

O bicho mais legal do planeta e um quokka

Voltamos para Perth no dia 25/03 e até o dia 06/04 ficamos em um Airbnb em um bairro um pouco afastado, só recarregando energias para enfrentar nossa próxima empreitada, um trekking no Nepal. 

Foram dias gostosos em que nós cozinhamos muito e estabelecemos uma rotina, algo raro na vida de viajante. Foram também dias importantes para aprendermos várias coisas, mas eles não foram dos mais emocionantes, por isso não vou me alongar aqui sobre esse período.

Um ponto de destaque porém: visitamos uma ilha belíssima que fica muito perto de Perth, a Rottnest Island. Lá é o lar de milhares de quokkas, o bicho mais figura que existe. Se você viu um quokka de perto já pode morrer feliz.

É isso aí

E assim acabam os relatos da Austrália, um lugar que com certeza eu gostaria de chamar de casa por um tempo.

Sim, isso quer dizer que o próximo relato já será sobre o Nepal e nossa trilha até o Everest. 

Aguarde. E fique bem até lá.

Beijos quentes.

Filipinas ou a beleza do apocalipse

Olá, leitor(a) persistente.

Agradeço pela sua resiliência em não desistir desses textos quando eu mesmo já desisti de quase tudo. Você faz esse país ir para frente. Prometo por aquilo que me resta de bom e decente (não muito) que agora o blog terá atualizações mais constantes. Quero terminar logo de contar sobre essa jornada esquisita pelo mundo.

Kalanggaman

Para quem não lembra estávamos perdidos em uma ilhota no meio das Filipinas.

Kalanggaman, ou a ilhota da sedução, como gosto de chamar, é um pequeno ponto no mapa que fica a umas duas horas de distância de Malapascua e é o passeio mais famoso por lá. Kalanggaman é provavelmente o lugar mais bonito que visitamos nas Filipinas, e isso não é pouca coisa. É um lugar de filme, com mar tão azul que parece Gatorade. A água é a mais transparente que já vi, a areia a mais branca e os coqueiros vastos. Para completar existem dois bancos de areia na ilhota, um em cada ponta, que funcionam como caudas e dão um charme especial pro lugar. Um paraíso. E essa foi, tirando quando descrevi Bulog Dos, a única vez que usei a palavra “paraíso” sem exagero nesse blog. 

E o mais legal, acampamos nesse cenário cinematográfico por uma noite. 

Complicado…

Normalmente os passeios até Kalanggaman são bem básicos, os barcos chegam, ficam algumas horas e voltam antes do fim da tarde. Mas se você pagar a taxa da barraca e do pernoite pode capotar por lá. Foi o que fizemos e, graças a isso, presenciamos o melhor pôr do sol que já vi até hoje. Eu sei que tenho uma fixação em falar sobre pôr do sol, mas juro que esse foi emocionante. 

O dia nem estava bonito, o céu estava nublado e ostentando aquele “cinza tédio” que amargura o mais feliz dos humanos quando aparece de domingo. E a chuva também estava quase dando as caras, para terminar de arruinar o dia. Foi assim o tempo todo, mas bem no momento em que o sol descia rumo a oeste as nuvens abriram-se parcialmente e a luz atravessou a densa barreira acinzentada feito um holofote e iluminou bem a ponta de um dos bancos de areia da ilhota, como se indicando que ali seria o local ideal para apreciar o espetáculo que estava por vir. O jogo de luz, água e sombras já estava interessante e para melhorar tudo ao fundo passou, como quem não quer nada, uma baita tempestade empurrada pelo vento, o que formou um caos celeste surreal. Um emaranhado de azul, cinza, vermelho, amarelo e vermelho tomou conta do céu. O visual era ameaçador, mas deslumbrante. A tempestade ao fundo era digna do fim dos tempos e eu já estava preparado para cair na porrada com alguns dos cavaleiros do apocalipse, mas pelo menos estava tudo bem bonito.

Não dá para ver nem 1% do que realmente estava acontecendo

Alguns dos visitantes resolveram se aventurar até a ponta do iluminado banco de areia para ver tudo de mais perto, o que deu a impressão que eles estavam indo em direção ao arrebatamento ou dar as boas vindas para um ser alienígena prestes a descer dos céus. Uma cena que ficou marcada para na minha mente e que nenhuma foto que tirei conseguiu fazer justiça.  

Outra foto ruim de um momento incrível

E esse não foi o único espetáculo de Kalanggaman. Mas não mesmo. Pois ao anoitecer veio a lua, e não era qualquer lua chinfrim que você vê de Jandira ou Cesário Lange não, era noite de super lua. Ela estava tão grande e brilhante que parecia quase tocar a ilha. Uma pintura em tons escuros e prata.

Passamos momentos especiais nesse lugar perdido no Pacífico e tudo ainda coincidiu com nosso aniversário de casamento. Pensa em uma comemoração bacana.

Apesar dos tais momentos especiais nem tudo na nossa estadia foram flores. Aliás longe disso, até porque nem teve flor nenhuma. Para começar nossa única fonte de alimentos eram os salgadinhos radioativos comercializados na vendinha local. Isso mesmo, nossa preparação para acampar foi zero e nem um mísero sanduíche levamos. Por isso nosso almoço, nosso jantar, nosso café da manhã e nosso outro almoço teve como base um cardápio de variados snacks vindos direto de Chernobyl. Também dormimos no chão da barraca (sem proteção térmica ou algum tipo de colchão), que era bem vagabunda, e eu descobri que não tenho mais idade pra isso. Acordei com a coluna em um formato que até hoje desafia os ortopedistas. 

As vantagens de acordar sem a coluna

Mas esses contratempos não foram nada perto dos momentos marcantes que passamos na nossa ilha da sedução, que aliás tem esse nome porque ela seduziu a gente. Eu não tive condições de seduzir ninguém, Deus me livre fazer qualquer coisa naquele chão duro. Como já disse, não tenho mais idade.

Depois de Kalanggaman ainda voltamos pra Malapascua, onde ficamos mais dois dias. Sempre naquela mesma dinâmica que já descrevi anteriormente – praia do norte, encoxada de algum local na moto e restaurante gostoso na vila. Também conhecemos um casal de brasileiros muito gente boa, o Thiago e a Gabi.

É isso aí

Relaxamos, comemos e finalmente chegou o dia que eu achei que nunca chegaria. Em 22 de fevereiro começaríamos a nossa maratona para sair das Filipinas e do sudeste asiático. Estávamos cansados e precisávamos da Austrália, mas bateu um aperto no coração ao sair de um cantinho tão especial do planeta. 

E agora eu prometo que no próximo relato o nosso cenário já será outro. Esperem churrascos, porres, ressacas e muitas road trips nos próximos capítulos.

Beijos quentes

Filipinas ou o capítulo do pôr do sol que não brinca em serviço

Como faz tempo que não posto vou colocar uma foto bonita para começar

Olha só, são eles mesmo, o grupo de corajosos leitores que decidiram dar mais uma chance para esse endereço virtual após um longo e tenebroso hiato. Gosto como vocês enfrentam a vida de frente sem deixar as amarguras tomarem conta da alma. Se fosse eu já estaria com minhas roupas de baixo estatelado no sofá curtindo a última bobagem qualquer na Netflix. Ainda bem que vocês gostam de ler. 

Esse é mais um post sobre as Filipinas e para quem não lembra, post sobre as Filipinas sempre começa com uma reclamação sobre transporte e deslocamento. Os mais memoriados vão lembrar que no último relato estávamos saindo de Cebu City até Maia, uma pequena cidade bem ao norte da ilha de Cebu. Bem, para fazer esse trajeto pegamos um (bom) ônibus local. O problema foi o trânsito infernal. Foram 5 horas para andar cerca de 130 km em estradinhas de qualidade duvidosa. Isso mesmo. Pelo menos tinha uma TV com filmes pirateados no busão, então fui curtindo um Mad Max tranquilo em meu canto. Ou quase, pois perto de nós sentou um israelense que não parava de puxar papo e, se vocês acompanham o blog , devem saber que nós não estávamos no clima para conhecer ninguém. Até gosto de pessoas, mas longe de mim. 

Chegamos em Maia no fim do dia e apesar do nosso destino final ser Malapascua, uma (outra) ilha que fica a cerca de uns 30 minutos de barco de onde estávamos, já não tinham mais balsas navegando devido ao horário. Resolvemos então seguir uma dica de nossos parceiros brasileiros, Ed e Enzo, que já tinham passado por aquele canto das Filipinas, e nos hospedamos em um dos pouquíssimos lugares possíveis em Maia, o Skip. Um hotelzinho escondido no fim de uma viela de terra/areia que parece não querer ser encontrado, pois nem site tem, mas que contrário às expectativas é um lugar agradável e organizado. Ficamos sozinhos no dormitório para oito pessoas, de tão isolado que estávamos por lá. Além de nós o hotel tinha como hóspedes apenas alguns europeus que me pareceram alemães, amigos do dono, o Skip (não sei se ele chama Skip mesmo, mas é como eu chamava ele). Lá foi onde tomamos um dos pouquíssimos banhos quentes que encontramos nas Filipinas e comemos bem, muito bem. Gostaria de falar em especial de um prato chamado “Bruce Lee Chicken”, que teoricamente segue uma receita do próprio Bruce Lee, pois o pai do Skip foi aluno do lendário ator/lutador (tinha até foto deles na parede). Além do prato ser muito bom, degustá-lo foi o mais próximo que eu já cheguei de “conhecer” o Bruce Lee, um dos meus ídolos. Eu gosto muito do Bruce Lee e acho que é o dever de todo ser humano assistir Enter the Dragon. Sim, um dos meus ídolos é um maluco que enfiava porrada nos outros em frente a uma câmera, desculpe. Pensando bem eu não sou a melhor pessoa para avaliar o “Bruce Lee Chicken”, pois um prato com esse nome poderia ser até coração humano com molho de alcaparras que eu acharia delicioso. Enfim, foram bons momentos no Skip e por causa da chuva alegremente estendemos nossa estadia para dois dias. Aproveitamos para comer bem, relaxar e arranjar umas brigas (uma das informações anteriores é falsa).

Após esses dias de puro relax partimos de Maia para o ponto alto da nossa viagem Filipina, a ilha de Malapascua, o lugar onde o pôr do sol nunca decepciona. 

Um dos portos de Malapascua

Saímos cedo do Skip e pegamos um ônibus local, bem mais barato que os tuktuks, até o porto, uma pontinha no extremo norte da ilha. Porto esse que era na verdade um amontoado de pedra, barcos e gente. Apesar da falta de preocupação com a segurança dos passageiros e a latente desorganização até que o local funcionava direitinho a sua bizarra maneira, como quase tudo no sudeste asiático.

Após um tempo mínimo de espera pegamos nossa balsa, junto com locais e outros turistas, até a pequena ilha que fica entre Cebu e Ormoc que também são ilhas, mas são ilhas grandes. Não se confunda. Malapascua é uma ilha pequena. Toda vez que faço um texto sobre as Filipinas eu canso de escrever “ilha”. 

Malapascua é um pequeno paraíso árido, com vegetação rasteira e muitas rochas. Tudo isso banhado por águas azul turquesa. 

Da uma sacada no lugar

A maior cidade, quer dizer, a maior concentração de gente fica na parte sul da ilha, que é cheia de hotéis, resorts e restaurantes. A parte norte é mais deserta e tem as melhores trilhas e praias. Demora mais ou menos meia hora de uma ponta à outra da ilha a pé. Sei que repito muito isso por aqui, mas amigos, que lugar incrível. Não estava muito cheio, as praias eram lindas, o clima tranquilo e ainda tinham bons lugares para comer e beber.

Outro ponto importante – estávamos energizados e com a sensação de liberdade em alta. 

Ficamos 6 dias por lá, por isso não vou detalhar o nosso itinerário senão gastarei a sua paciência e meus dedos descrevendo inúmeras horas em que passei imóvel sob o sol, refletindo se o barulho que vinha do meu estômago era fome ou algum tipo de indisposição. Não, não vou fazer isso com vocês. 

O que tenho para dizer e merece destaque é (e aqui vou correr o risco de ser redundante) Malapascua é fora do comum. Passamos a maioria dos nossos dias na praia bem ao norte chamada de… na verdade acho que ela chama North Beach mesmo. Baita lugar lindo. Areia branquinha, água transparente (parecia de filme), pouquíssimas pessoas e um clima relaxado. Ficamos muito tempo lendo e jogando cartas à beira daquele lindo mar. Inclusive venho aqui dizer que tranca é um jogo injusto e criado com o exclusivo intuito de me irritar, pois perdi QUASE todas as partidas para a Marina. Digo “quase” pois ganhei a partida mais importante, a que valia tudo. Me recuso a comentar sobre os supostos chiliques que dei durante os jogos, inclusive se a Marina falar disso saiba que é mentira. 

Para chegar à praia do norte nós tínhamos que andar um pouco ou usar o meio de locomoção oficial da ilha, o mototáxi clandestino. Alguns moradores locais tem moto e, por alguns trocados, estão dispostos a te levar na garupa para qualquer lugar. E era isso que acontecia. E o melhor, como somos pão duros usávamos apenas um “mototáxi” para nós dois, então íamos até o nosso pequeno paraíso em um sanduíche do amor formado por mim, Marina e um filipino sortudo. Tempos gostosos demais. 

E um último ponto sobre esse cantinho abençoado de Malapascua. Ao lado da ilha fica uma vila, então ali podíamos ver os moradores aproveitando a praia, o que é algo meio único no sudeste asiático (vimos mais isso nas Filipinas). Normalmente os pontos turísticos são sempre povoados apenas por turistas gringos.

ruínas de um resort abandonado perto da praia norte

Basicamente todos os nossos dias em Malapascua foram gastos procurando algum lugar pra comer nas praias do sul e aproveitando o norte para relaxar. Ficamos em dois hotéis, pois fizemos reservas “picadas”. No primeiro e mais caro nosso quarto parecia um cativeiro. Era todo feito de bambu, pequeno, quente, sem banheiro e com uma quantidade absurda de areia no chão. Eu estava esperando o grupo Tigre da polícia civil arrombar a porta a qualquer momento achando que tinha uma situação com reféns acontecendo ali. Nosso segundo hotel era bem mais barato e gostosinho, mas eu não tenho nada de engraçado pra falar sobre ele, então mil perdões. 

Uma coisa peculiar sobre a ilha é que as crianças locais treinam cantar para turistas, mais especificamente a música tema do Titanic, esperado algum tipo de gorjeta, claro. Até aí tudo bem, o problema é que elas surgiam do nada, surgidas da areia em momentos inesperados. Certa vez estava eu lá curtindo o clima de uma pequena baía perto de uns restaurantes e do nada surgiram 4 crianças e começaram a cantar. Fiquei desesperado porque, bem porque eu sou eu, tenho problemas em chamar atenção e não sabia o que fazer, já que meu único pertence no momento era o shorts que eu estava usando, pois a Marina tinha ido comprar alguma coisa. Tentei avisar a molecada, mas eles continuaram a música e, ao acabar, ficaram bravos com as míseras moedas que eu achei no bolso. A vida é injusta.

A noite passeamos pela vila e descobrimos as crianças treinando a cantoria delas (com a mesma música, claro) em um karaokê local, a Marina até entrou na onda, cantando junto da janela do estabelecimento. 

Pôr do sol visto da trilha do farol (rimou)

Fora relaxar e comer, andamos muito por lá. Fizemos uma trilha rápida, conhecemos as vilazinhas da ilha e eu fiquei sem chinelo. E por que essa informação é importante? Oras, pois meu chinelo resolveu morrer no primeiro dia por lá, mas como sou brasileiro (e pão duro), me neguei a comprar um chinelo local que era bem ruim e resolvi andar descalço até chegar na Austrália, onde um amigo vindo do Brasil iria me trazer um novo par de Havaianas. O problema é que passamos por trilhas com pedras afiadas, locais com cacos de vidros e mais todo tipo de chão acidentado, e a Marina ficava bem brava que eu estava descalço, principalmente porque eu andava devagar. Mas até aí tudo bem, afinal meu pé é calejado, certo? Não. Eu pensava que era, mas a vida tá aí pra desmentir as verdades que contamos para nós mesmos. Uma noite saindo de um restaurante dei uma topada num degrau maldito, mas continuei andando, pois achei que nada tinha acontecido. Isso até sentir meu dedo um pouco molhado. Olhei pra baixo e ele estava inteiro vermelho, tinha conseguido arrancar um belo bife do meu dedão. E o melhor (ou pior), como lá o chão era 90% areia meu pé já estava a milanesa. Isso foi um saco , pois com medo de infeccionar a ferida eu andava igual o batoré da “Praça é Nossa” ou tinha que usar o pequeno chinelo da Marina, o que a deixava brava e me xingando a cada cinco minutos. Era melhor ter perdido o dedo.

Comecei esse texto falando sobre o pôr do sol em Malapascua e agora preciso me aprofundar no assunto, mas o problema é que não tem muito o que falar (ou eu não sei o que dizer), só que todo dia lá é um fim de tarde mais espetacular que o outro. É a combinação sublime daquele céu que fica inteiro rosa alaranjado com uma bola de fogo perfeita que se põe no mar. Todos os dias foram sensacionais, não dá pra falar “o pôr do sol do segundo dia foi mais caidinho”. Não. Confie em mim ou viaje até Malapascua e veja você mesmo. O mais legal é que sempre estávamos em lugares diferentes durante esse momento mágico do dia: em uma praia de pescadores locais, no meio de uma trilha perto de um farol, na incrível praia norte, na legal mas nem tão incrível assim praia sul, no restaurante italiano que tinha uma pizza barata e boa de dividir e em Kalanggaman. Kalanggaman? O que é isso?

Vila de pescadores

Kalanggaman é uma ilhota mágica que fica perto de Malapascua e com certeza é um dos lugares mais bonitos que conhecemos na viagem. Mas como já escrevi demais e ainda tem muito para falar sobre nosso acampamento a base de salgadinhos radiativos por lá vou dividir esse post em 2, fique esperto e não deixe de perder. 

Beijos Quentes