
Olá, sobreviventes.
Pegue um café, chá ou de preferência algo que deixe seus neurônios um pouco mais entorpecidos. Mais um bocado de bobagens está prestes a ser despejado em você.
Esse é mais um capítulo sobre a Austrália e nossas aventuras rodoviárias por lá. E é o último, juro, depois deste o próximo relato será sobre o Nepal e as andanças pelos Himalaias. Muito mais frio e aventuroso.
No capítulo anterior estávamos em Perth, usufruindo de um Airbnb em um bairro asiático e prestes a começar uma nova viagem de carro. Foram poucos dias parados, pois nos despedimos do companheiro Paulo e logo na manhã seguinte fomos pegar nosso incrível veículo na locadora para começar uma nova aventura.
Faríamos uma road trip menor, de oito dias, por isso optamos por “estilo” invés de “funcionalidade”. Alugamos uma campervan, pois queríamos ter a experiência de “viver no nosso carro”, a epítome do espírito livre que é inerente às road trips.
Mas não foi qualquer campervan. Não foi nem ao menos uma boa campervan. Eu não diria nem que era uma campervan “média”. Não. Foi um furgão Suzuki saído direto do Japão feudal, apenas levemente modificado e com uma pintura externa singular. Ele tinha compartimentos de madeira acoplados em sua parte traseira e alguns equipamentos, como colchonetes, fogareiro, panelas, pia, etc… tudo bem simples. Caso você busque por “van life” no YouTube vai achar diversos vídeos sobre carros incríveis e ajustados de forma magnífica, com modificações inteligentes que criam um senso de conforto e autonomia. Não era o nosso caso. Basicamente alugamos uma “rape van” com 140 mil kms rodados e com colchonetes velhos embutidos, mas foi divertido. Pelo preço esperávamos algo melhor, mas a vida nos fez de otários de novo. Ao menos fomos otários felizes por alguns dias (assim que aprendemos a lidar com os mosquitos).
Importante lembrar – campervan são diferentes (e bem mais simples) do que motorhomes e trailers.
Um último ponto importante sobre nosso veículo, além de ele estar sempre na iminência de perder alguma peça vital na estrada, não conseguir ultrapassar 90km/h sem capotar e ter um cheiro peculiar – ele também não era nada discreto. Alugamos ele na Wicked Campers, uma empresa toda modernosa que serve a jovens “rebeldes” que ainda não sentem dores nas costas e gostam de ficar nus por aí (no escritório da empresa tem um monte de fotos de clientes nus perto dos carros, não entendi o porquê até agora). Os carros da Wicked Campers tem pinturas interessantes e engraçadas, como por exemplo um motorhome que é igual a van do Scooby-Doo. O nosso furgão tinha um trabalho estético mais peculiar, algo meio urbano e ameaçador, que não era nem bonito nem legal. Sabe aquele tipo de carro que você olha e pensa “olha lá o imbecil chegando”, então, esse era o nosso. Parecia um carro de gangue, mas ao invés de figuras amedrontadoras quem descia dele eram dois turistas desajeitados. Os observadores deviam imaginar que estávamos escapando do nosso cativeiro ou algo assim.

Pode parecer que eu não gostei do nosso furgãozinho, afinal foram dois parágrafos apenas criticando ele, mas eu gostei sim. Eu não adorei logo de cara e esperava algo muito mais legal, mas com o tempo criei um certo carinho por aquela coisa estranha. Acho que é mais ou menos assim que minha mãe deve se sentir em relação a mim.
Nosso plano era explorar a parte sul da Austrália ocidental dessa vez, indo até Esperance e voltando por alguns locais interessantes ao longo da costa. Foi uma viagem curta em dias, mas quase tão longa quanto a anterior em distância, cerca de 2.100 kms rodados.
Já adianto aqui, essa foi mais uma viagem incrível. Impossível não comparar o sul com o norte da costa oeste. Fomos de uma área praticamente deserta e isolada para locais mais verdes e mais populosos, na medida do possível, claro.
Saímos de Perth e cortamos parte do interior para chegar direto à Esperance, no litoral. Foi um dia longo e em que atravessamos uma paisagem parecida com o meio oeste americano (ou pelo menos parecido com o que eu vejo nos filmes): cidades de uma rua só, imensos campos dourados se estendendo até o horizonte, poeira e árvores pequenas e retorcidas. Foi uma passagem por uma Austrália bem interiorana, até mais isolada que as minúsculas vilas que vimos ao norte. Como nosso carrinho não conseguia cobrir muita distância acabamos dormindo no meio do percurso, em uma cidadezinha esquecida pelo mundo chamada Lake King.

Claro, como qualquer lugar na Austrália que tenha mais do que três pessoas, Lake King tem um caravan park (camping). Para ficarmos lá precisávamos pagar a estadia na taverna local, que fica ao lado do camping. Vou falar, quando entrei na taverna me senti em um filme – sabe aquele tipo de cena em filmes de faroeste em que todos param de falar e encaram o forasteiro entrando no saloon? Foi isso que aconteceu. No momento em que todos no bar olharam pra mim me preparei para sair na mão com quem fosse necessário, mas eles foram todos bem gente boa e nada aconteceu, para sorte deles.
E foi nessa primeira noite que nos deparamos com um problema que seria uma dor de cabeça nos próximos entardeceres: os mosquitos. Dormíamos na parte de trás do carro e ele ficava um forno sem nenhuma abertura (sem falar que não é muito indicado dormir com as janelas fechadas), mas qualquer frestinha era um portal para uma horda sanguinolenta de mosquitos. Foi uma péssima noite de sono. Apenas dias depois, após algumas gambiarras mal feitas (inclusive usando papel de embrulhar presente), uma chacina de insetos e poucas horas descansadas que chegamos à conclusão definitiva para esse problema: como não achamos mosquiteiros próprios para carros improvisamos panos de cozinha, daqueles coloridos, presos nas janelas. Eles eram arejados na medida certa e uma bela rede de proteção contra os minúsculos arautos do inferno. Uma solução digna de MacGyver de dona Marina.
Mas voltando à estrada – no dia seguinte seguimos cortando o interior e finalmente chegamos até Esperance. A vegetação ficou mais verde, até mais árvores apareceram, e de repente estávamos em uma costa com diversas praias de areia branca, mar azul, violento e frio. Esperance é uma cidade interessante, tem certa estrutura e praias lindas ao redor. Com certeza moraria lá por um tempo. É longe de tudo, mas de um jeito bom.
Fizemos a Great Ocean Drive (não é Great Ocean Road), um passeio curto por inúmeros pontos locais, e paramos em uma praia belíssima e “nude friendly”. Não tinha ninguém pelado lá. Quer dizer, tinha sim, um tiozão que usava apenas um chapéu e parecia uma estátua sentado em umas rochas dentro do mar congelante. Ele realmente não se movia, estava comprometido com a nudez de um jeito transcendental, porque eu não teria aguentado dois minutos ali com os escrotos afundados em água congelante. O melhor de tudo é que ele ficava bem no limite da área “nude friendly” da praia, fazendo um contato visual estranho com todos que ousavam entrar em seus domínios. Era o guardião dos peladões. Passamos pelo olhar julgador do colosso nu e andamos mais para dentro da área onde era legal ficar nu, longe dos olhares do tio indiscreto e, bom, tiramos as roupas. Ou melhor, a Marina tirou tudo e ficou muito feliz. Foi uma baita experiência de libertação para ela, algo intenso e importante. Eu consegui ficar um total de dois minutos nu, mas aí minha neurose e repressão tomaram conta da mente e logo já estava de shorts novamente. Esse negócio de ficar pelado é pros bêbados e pros corajosos, e eu que nem alcoolizado ganho coragem já sei que isso não é pra mim.
No dia seguinte continuamos em Esperance e visitamos o Cape Le Grand National Park, um parque nacional que fica pertinho da cidade e tem praias surreais. Passamos a maior parte do dia em Lucky Bay, um paraíso de água azul turquesa que os humanos dividem com cangurus. Lugar incrível. Ainda visitamos Thistle Cove, Hellfire Bay (que tem o nome mais legal do mundo) e o Frenchman Peak.

Depois de dois dias de gracejos estéticos demos adeus à Esperance e partimos em direção a área de Margaret River. Para isso cortamos de novo o interior da região sul, dessa vez em direção a oeste, e de novo nos enfiamos nos infinitos campos planos e poeirentos do “meio oeste” australiano. Nesse dia fomos em direção a uma poderosa tempestade, enfiamos o carro num mar de nuvens negras e raios intimidadores, me senti no filme Twister. Dormimos em uma cidadezinha bem interiorana chamada Kojonup. O povo de lá é daqueles com olhar desconfiado e eram mais reservados do que o australiano médio, algo típico de cidades menores e pouco visitadas. Ficamos em um caravan park sinistro, com diversos moradores “fixos”. Uma turma bem estranha que poderia ter sido parte do elenco do “Massacre da Serra Elétrica”. Eu não me surpreenderia se alguém nos atacasse durante a noite, mas como já disse na newsletter anterior, estou preparado para esse tipo de situação.
Conforme nos aproximamos de Margaret River os povoados ficaram maiores e com mais estrutura. A paisagem mudou de novo, voltando a ficar mais verde e até mesmo mais “temperada”, com bosques de pinheiros mesclados ao bush australiano. Essa é uma região muito bonita e charmosa, e bem mais turística do que outros pontos que visitamos (até por ser próxima de Perth). É uma espécie de Campos do Jordão com praia – e eu sei que sempre uso Campos do Jordão como comparação, mas é que meu repertório de cidades é baixo, desculpe.
Ali perto existem diversas vinícolas, fábricas de queijo, fábricas de chocolate e bons restaurantes. E também a alguns poucos quilômetros ficam praias lindas. É um canto bem feliz da Austrália.
Aliás o que eu chamo aqui de Margaret River é uma região que engloba várias pequenas cidades e vilas, inclusive a própria cidade de Margaret River, como também Dunsborough e Yallingup (que visitamos). Passamos três dias por ali e: comemos sorvete, chocolate, degustamos vinho, fomos a uma feira de orgânicos, conhecemos praias absurdamente bonitas, escalamos rochas e nos divertimos muito. Apesar de tudo já mencionado, diria que o ponto alto das atividades foi assistir a uma mulher que estava falando ao telefone e comendo pizza derrubar uma parte de sua pizza na calçada, parar, colocar a outra parte da pizza que ainda estava em condições de consumo também na calçada, pegar a parte que caiu e colocar em cima da parte que não caiu mas que agora também estava suja e continuar com sua vida e com sua conversa como se nada tivesse acontecido.

O ponto baixo dessas andanças automotivas foi que durante essa terceira road trip foi quando sofremos nosso primeiro e único furto da viagem. Bem na Austrália. Nunca se sabe quando alguém vai precisar de um adaptador de tomada. Paciência.
E assim foi nossa terceira e última road trip na Austrália. Todas foram incríveis e eu já escrevi sobre a mágica desse tipo de viagem. Essa foi especial pois acho que nunca tinha ficado tanto tempo na estrada (dirigindo) com apenas a Má. Até ao nosso carro nos apegamos, mas confesso que fiquei feliz de devolvê-lo e sair de trás do volante.

Voltamos para Perth no dia 25/03 e até o dia 06/04 ficamos em um Airbnb em um bairro um pouco afastado, só recarregando energias para enfrentar nossa próxima empreitada, um trekking no Nepal.
Foram dias gostosos em que nós cozinhamos muito e estabelecemos uma rotina, algo raro na vida de viajante. Foram também dias importantes para aprendermos várias coisas, mas eles não foram dos mais emocionantes, por isso não vou me alongar aqui sobre esse período.
Um ponto de destaque porém: visitamos uma ilha belíssima que fica muito perto de Perth, a Rottnest Island. Lá é o lar de milhares de quokkas, o bicho mais figura que existe. Se você viu um quokka de perto já pode morrer feliz.

E assim acabam os relatos da Austrália, um lugar que com certeza eu gostaria de chamar de casa por um tempo.
Sim, isso quer dizer que o próximo relato já será sobre o Nepal e nossa trilha até o Everest.
Aguarde. E fique bem até lá.
Beijos quentes.
Hahaha… n sei o q foi melhor: a Campervan ou os nudes… mas, hj foi bom substituir meu sudoku… (hehehe)