Esse post cobre os eventos de 27/08/2018 a 01/09/2018
Olá sofredores da nação. Como vejo que vocês têm uma pitada de masoquista, vou colocar aqui mais um texto para quem quiser flagelar a alma.
Apesar de ter sido uma passagem rápida, a Mongólia foi um dos países que mais marcou nossa viagem até o momento. É também uma de nossas respostas padrão quando vem a inevitável pergunta “qual o país favorito de vocês?”. Sim, amigos, é isso mesmo. A Mongólia é especial. Um país bagunçado, selvagem e com um povo e uma história incrível. Vale a pena ir até lá, mesmo que não seja fácil chegar.
Chegamos em Ulan Bator de trem, a última parte da nossa já mencionada jornada Transiberiana. Era um dia frio e cinza, apesar de ainda ser fim de verão. Não sei se foi o clima, o trânsito ou nosso cansaço, mas não tivemos uma boa impressão da cidade. Meio espalhada e desorganizada, me lembrou uma São Paulo bem menos coesa.
Enfim, foram poucas horas ali. Tivemos apenas tempo de comprar alguns suprimentos, tomar um sonhado banho e nos organizar para o dia seguinte, quando nosso tour começaria.
Antes de falar sobre o tour apenas um comentário rápido sobre o hostel em que ficamos: é um lugar que recebe pessoas do mundo todo em busca de aventura. A cada hora chegavam e saíam grupos para passeios e o clima ali era muito legal, como se fosse uma fraternidade de desbravadores, um hub de exploradores. Claro que ninguém ali era um Marco Polo moderno, na verdade estávamos mais para versões pioradas do adulto de meia idade e acima do peso que faz cosplay de Indiana Jones, mas todo o clima do lugar ajudava a criar essa aura de aventura. E isso é importante, pois é coisa que a Mongólia faz constantemente, cria esse clima apenas para te mostrar, momentos depois, que você é apenas mais um turista perdido naquela imensidão selvagem.
E foi logo cedo, na madrugada do dia seguinte, que partimos para nossa jornada mongol.
Fechamos o pacote para explorar o Gobi com um itinerário de 5 dias que cruzava o país do centro-norte até locais perto de sua fronteira sul, onde começa a parte arenosa e mais quente do deserto. Passamos por estepes, montanhas, desfiladeiros e planícies amareladas até chegar nas grandes dunas que ficam na parte meridional da Mongólia, verdadeiros paredões guardando parte da fronteira com a China.
Aliás, para detalhar melhor, nossos pontos de parada foram:
White Stupa: antigas formações de calcário no meio de uma planície gigantesca. Uma primeira impressão interessante dos mistérios do país, pois foi onde encontramos nosso primeiro santuário xamã e onde vi (sem querer) uma senhora francesa urinando ao pé das colinas.

Yolun Am: um vale incrível que fica entre montanhas imponentes. Verde, frio e muito bonito. O acesso ao local já é meio precário e as chuvas ainda fizeram o favor de piorar tudo, tivemos que andar uma boa parte do caminho até o parque nacional, pois nosso motorista não quis arriscar o carro na estrada traiçoeira. Aqui foi um dos momentos em que fui da alegria extrema até a tristeza da realidade, pois fizemos um rápido passeio a cavalo pelo vale, momento em que me senti a reencarnação do Gengis Khan. Porém o cavalo insistia em me desobedecer e a cela fez uma ferida no meu cóccix (deixou em carne viva), incidentes que me lembraram que eu estou mais para um pobre camponês que perdeu a sua ovelha favorita do que para um conquistador mongol.

Khongorun Els: a parte em que chegamos até as incríveis areias do Gobi. Um complexo que se estende por mais 180 kms e tem dunas de até 400 metros de altura. Inclusive a nossa principal atividade foi subir na maior duna da bagaça toda. Pulmão e panturrilha quase pediram arrego, mas depois de uma hora atingimos o topo do colosso de areia. Ficamos lá até o pôr do sol e foi uma das coisas mais especiais da viagem. Também tomamos uma vodka local enquanto lá em cima, como nosso motorista aconselhou, e depois descemos correndo desde lá o topo, emoção pura e embriagada. Pra melhorar jantamos ao pé do paredão arenoso, sob a luz da lua e com a companhia de ratos e cobras, o que deu um certo medo (não em mim, pois sou aventureiro). A parte negativa de nossa estadia nessa parte da Mongólia foi nosso passeio de camelo, que não foi nada demais, só machucou mais meu cóccix, me lembrou das minhas fraquezas e o nosso condutor ainda ficou encantado pela Marina. Confesso que fiquei um pouco inseguro ali, afinal naquele momento era um mongol selvagem e bronzeado contra um brasileiro com uma ferida no cofrinho. Mas tudo deu certo e nosso casamento continua de pé.

Bayanzag ou Red Flaming Cliff: uma formação rochosa que surge perto de um desfiladeiro em uma planície desértica, um cenário que lembra Marte e um pouco do cerrado brasileiro. Assistimos outro pôr do sol incrível, que deixou o lugar ainda mais vermelho. Outro ponto interessante é que lá foram descobertos diversos fósseis, inclusive ovos (fossilizados, claro) de dinossauro. O lugar perfeito para o Indiana Jones moderno começar uma aventura, mas invés de dinossauros encontrei hordas de adolescentes coreanos.


Baga Gazriin Chuluu: mais uma série de penhascos, vales e formações rochosas que desafiam o comum, em uma parte bem mais fria e verde do país, pois já estávamos voltando para o norte. Ali foi incrível ter conhecido restos de antigos templos budistas que ficavam nessas colinas perdidas. Também vimos as cavernas apertadas que os monges usaram para se esconder dos oficiais comunistas algumas décadas atrás.

Esse é o roteiro explicado de forma “rápida”. Foram muitas horas dentro de um carro, pois a distância coberta não foi pouca, mas acompanhar a mudança de clima e cenário foi incrível.
E agora vocês podem estar se perguntando “Mas nossa, precisava fechar tour? Não sai mais barato alugar um carro por lá?”
E eu respondo:
Não, camaradas. Não dá para conhecer a Mongólia sem algum guia ou tour. Quer dizer, até dá, mas uma parte muito limitada do país, talvez a capital e algo perto dela. O resto não. Digo isso pois as estradas são bem precárias, isso quando existem. Perdi a conta do número de vezes que nosso motorista jogou a van pra fora do asfalto e seguiu não sei quantos kms na terra, grama ou areia, sem seguir nenhum tipo de placa ou trilha. Sério, os motoristas de lá devem ser guiados por algum espírito ancião ou algo do tipo, pois eu tinha certeza que na maior parte do tempo o nosso piloto estava escolhendo direções aleatórias para tocar o carro. Mas o pior é que chegávamos no nosso destino. Como, eu já não sei. Só sei que meros mortais como nós não conseguiríamos fazer igual.

Outro ponto importante de fechar um tour é garantir acomodação com as famílias nômades que estão em cada região, pois não dá pra chegar nos pontos e procurar um hotelzinho ou hostel.
Mas a descrição de nossos locais de estadia, a decrepitude dos banheiros que encontramos, a falta de banho, nosso motorista e nosso guia e o contato humano incrível que tivemos são tópicos para o próximo post da Mongólia.

Por enquanto eu apenas queria descrever nosso trajeto e parte dessa terra linda em que a natureza parece mais selvagem do que em outros lugares. Um lugar de mistérios, que te faz sentir sempre como um explorador, mas ao mesmo tempo te lembra da sua incapacidade, seja com uma ferida na região das nádegas, um cavalo rebelde, animais silvestres que insistem em te fazer companhia e turistas que quebram a sua fantasia particular e jogam a realidade na sua cara. Não, Rafael, você não é diferente da senhora chinesa de 87 anos.
Esse, amigos, é o coito interrompido da aventura.
Conheçam a Mongólia.
Beijos Quentes
Amando cada relato, cada foto!!!
Obrigada por compartilhar