Índia ou a parada (forçada) em Agra

Chegando em Agra e vendo o bichão

Amigos e amigas, eis aqui mais um episódio da sua perda de tempo periódica. Eu não tenho mais nada de interessante ou engraçado para escrever nas introduções. Imagine aqui o seu non-sense de agrado e fique feliz, por favor. 

Os leitores amaldiçoados com uma memória mais potente vão se lembrar que o último relato parou quando estávamos prestes a sair de trem da deliciosamente maluca Varanasi.

Não quis o destino que nós deixássemos um solo tão sagrado de maneira fácil. Chegamos na estação cerca de 8:30 da manhã, correndo igual loucos pois achávamos que perderíamos o nosso transporte. Para nossa alegria não perdemos nada, pois não havia nenhum transporte. Vimos o horário errado e o único trem que sairia para o nosso próximo destino, Agra, só deixaria a estação às 18:30. Como estávamos meio longe da parte mais interessante da cidade e estava um calor de belzebu, resolvemos ficar pela estação mesmo, afinal gastar tempo em hubs de transporte é nossa maior habilidade. Uma coisa curiosa e ainda não bem resolvida (para mim) aconteceu nesse dia. Descobrimos uma área designada apenas para turistas, um lugar amplo e confortável, com vários sofás e ar-condicionado. Bom, não? Sim, mas ao mesmo tempo uma multidão de indianos tinha que esperar pelos seus trens do lado de fora, com o conforto sufocante do chão duro e do clima escaldante. E o pior, o espaço de turistas estava vazio, ficamos apenas eu e a Marina a maior parte do tempo lá. Não, o pior não foi isso, o pior foi que estou aqui criticando essa divisão, mas me aproveitei dela, a hipocrisia nunca foi tão sedutora quanto um sofá aconchegante e um clima refrigerado. Não sei o que eu poderia ter feito para mudar aquilo, mas a verdade é que me acomodei ali no canto e nem pensei muito sobre. Com certeza o espaço era amplo o suficiente para abrigar vários locais. Um canadense que passou brevemente pela sala comentou comigo sobre a estranheza da situação, mas se resignou ao dizer “life is not fair” como um mantra da desigualdade. Talvez ele seja mais verdadeiro consigo mesmo do que eu, que não concordo com o mote triste, quer dizer, a vida não é justa mesmo, mas não acho deveríamos nos acostumar com isso, então concordo com a frase mas não como foi usada. Eu, mesmo incomodado, aproveitei até mais dos peculiares benefícios dessa maldita sala que ele e o máximo que eu fiz por essa situação foi desabafar aqui neste espaço tão visitado quanto a biblioteca municipal de Itu. A viagem serviu também para abrir as cicatrizes de nossas contradições e nos assolar com momentos que parecem pequenos, mas que vira e mexe assombram a consciência. O que resta é fazer algo com esse sentimento.

E depois dessa descida nos recantos mais escuros da minha mente, volto ao relato. Esperamos o dia inteiro na salinha dos turistas e no momento correto fomos para o esperado trem. Como compramos de última hora só tinha lugar no vagão leito sem ar-condicionado, que é no geral piorzinho que sua versão mais cara. Foi uma viagem tranquila, mas longa, mais de 12 horas (o trem atrasou) para percorrer cerca de 600 quilômetros e o nosso vagão não era o lugar mais limpo do planeta. Chegamos sem sono, mas não descansados em Agra. 

Agra Fort ao fundo

Uma breve visão do Taj Mahal, ainda do trem, já nos mostrou a grandeza do mausoléu, o negócio é bonito mesmo, mas mal sabíamos que nossa visita até ele que parecia tão próxima se adiaria por uns bons dias. Era manhã quando o trem nos largou na estação de Agra Fort e só iríamos no Taj na madrugada do próximo dia, tática para evitar o calor e as multidões. Aliás o calor foi o primeiro a nos cumprimentar na cidade, ali era mais abafado e mais insuportável que em Varanasi. No tuktuk a caminho do hotel fuleira de número 3442 da viagem já conseguimos notar como a influência muçulmana criou uma cidade com uma arquitetura bem diferente do que vimos em Varanasi, uma diversificação muito interessante. Deu para reforçar também a (acertada) impressão de que o clima de Agra estava semelhante ao de Mercúrio, o cabisbaixo planeta que fica perto demais do sol. Pense em um lugar quente. 

Agra foi uma cidade de uma grata surpresa, pois lá conhecemos o Caio (@caindopelomundo), outro viajante gente boa demais com quem fizemos amizade. Mas foi só isso mesmo, porque de resto foi só desgraça.

No mesmo dia em que chegamos saímos para desbravar alguns pontos turísticos locais e almoçamos em um lugar chamado Sheroes, um café com um propósito incrível. Ele é organizado e operado por mulheres que sofreram ataques com ácido, algo ainda muito comum na Índia. As mulheres contam suas histórias para os visitantes e percebemos que os ataques têm os mais diversos (e idiotas) motivos, claro que todos pautados em um machismo muito inerte a sociedade local. Sabe uma das maiores lutas dessas mulheres? Que esse ácido não seja vendido de forma tão livre como é. Isso mesmo, no país uma substância que é notoriamente usada com propósitos violentos ainda pode ser comprada por qualquer maluco com ódio no olhar. Enfim, o lugar é muito interessante de ser conhecido e você ainda paga o que quiser, ou seja, você come e faz uma doação para a causa. Nós estávamos meio quebrados e não pagamos nada. BRINCADEIRA, claro que deixamos lá uma quantia que achamos justa e que era condizente com nossa realidade. 

O resto do dia em Agra foi pautado pelo calor (sim, vou falar dele de novo), por nossa tentativa de ver o Taj Mahal de um ângulo diferente ao pôr do sol e pelos milhares de golpes que tentaram nos aplicar. Acho que por ser uma cidade muito turística, Agra é um antro de golpes e pedintes. Entendo que a realidade da população média indiana é bem diferente da nossa e ao verem um turista eles vêm uma forma de sobreviver, mas enche o saco ser enganado toda hora. Agra acabou com nossa paciência para isso. Chegou ao cúmulo de pessoas pedirem para tirar foto com a gente e depois cobrarem. Claro que não caímos na maioria dos golpes, mas toda saída na rua era uma batalha contra contatos não solicitados e maliciosos. Só para reforçar, isso foi muito específico em Agra. Varanasi e Rishikesh foram locais mais tranquilos em relação ao tema. 

O dia foi desgastante, mas pelo menos a noite terminou com risadas e um vinho indiano que o Caio compartilhou conosco. Depois era só dormir embalado pelo álcool, conhecer o Taj na madrugada e ir para o próximo destino. Ou era isso o que a gente planejava. A vida tem uma maneira engraçada de dizer “você não está no controle”. Dessa vez a maneira escolhida foi uma violenta intoxicação alimentar que me acometeu. 

Acordei no meio da noite suando, com muito frio (lembra de quantas vezes falei como estava quente?) e com aquela vontade visceral de sentar no trono. Sim, foi feio, até 40 graus de febre eu tive. Sabe quando você passa mal e sabe exatamente o que causou? Então, eu sei o que foi nesse caso. Foi o que comi no Sheroes, um prato local e gostoso, mas que não conversou legal com meu sistema. Até o momento eu estava comendo apenas comida local sem nenhum problema, mas acho que a sobrecarga de temperos acontece uma hora ou outra. Talvez tenha sido alguma vingança ”carmática” das mulheres do café pelas vezes que já fui escroto na vida. 

O negócio é que eu fiquei em uma condição bem precária, quase a ponto de fazer uma participação em The Walking Dead. Não foi negócio de um ou dois dias, por isso tivemos que ficar mais umas 5 noites em Agra e mudar de hospedagem, nosso primeiro hotel era mais indicado para quem quisesse pegar tétano do que se curar de uma intoxicação alimentar. Inclusive fomos para um lugar muito melhor quase pelo mesmo preço. Foi bom ser “bem tratado” por alguns dias. 

Aliás esses foram dias de repouso e de nada muito emocionante. A não ser que você considere emocionante a queimação interna que tomou conta das minhas entranhas.

Uma das mesquitas que flanqueam o Taj Mahal

A boa notícia é que no fim eu me recuperei. É pelo menos uma boa notícia para mim, espero que para você também. E, depois de recuperado, finalmente fomos ver o maldito Taj Mahal (a essa altura eu já estava com raiva da cidade e tudo que tem nela). Realmente é lindo, uma obra magnífica, um empreendimento humano sensacional feito (provavelmente) às custas de um monte de gente sofredora (como toda grande obra de uns bons anos atrás). Posso ficar aqui falando sobre a simetria, a grandiosidade ou as cores do lugar todo, mas vocês já devem ter lido esse texto umas mil vezes. Basta dizer que é bonito, mas não fiquei emocionado ou embasbacado pelo lugar como muitos ficam. Acho que ver coisas como as montanhas do Vale do Khumbu (Everest), as serras do Vietnã, o mar das Filipinas ou o deserto australiano te deixam mais calejados no quesito “emocionado com visões bonitas”. 

Finalmente tínhamos cumprido nosso objetivo em Agra e era hora de ir embora, mesmo que ainda segurando as tripas no corpo de forma capenga. 

O bichão – visita pós escabrosidades intestinais

Pegamos um ônibus leito “a lá Índia” (veja os stories do @sejogaai para entender) e claro que algumas boas horas, uns atrasos e umas sacolejadas depois estávamos em Rishikesh. 

Mas esse será o assunto do próximo post.

Beijos Quentes

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Do Nepal para Índia com umas paradas no caminho

Dos nosso dias de calmaria em Katmandu

Olá desbravadores de palavras alheias, bem vindos a mais um capítulo do seu nonsense favorito (espero).

Você deve se lembrar que no último post tínhamos acabado de vencer um dos maiores desafios da viagem, tiramos onda no topo do mundo e voltamos para contar história. Bom, acontece que após as aventuras Himalaias ainda ficamos mais um tempo no país das maiores montanhas do planeta. 

O resto dos nosso dias no Nepal foram de pura preguiça e recuperação física. Comemos muito, encontramos amigos antigos e fizemos amigos novos. Até ao cinema fomos. Não ficamos apenas em Katmandu, fomos também para Pokhara, uma cidade muito gostosa que rodeia um grande lago. Lá descobri que é possível passar o dia inteiro comendo no mesmo local e não se sentir mal por isso (sempre com a companhia de Daniel e Babi). O ápice de nossa visita à Pokhara foi numa noite em que recebemos o convite especial para beber com alguns locais, amigos de amigos. Nos embriagamos com um aguardente que mais lembrava água sanitária, enchemos a barriga com uns petiscos de qualidade duvidosa e ainda fomos sacaneados no fim da noite pelos nossos supostos companheiros nepaleses. Mesmo assim é inegável que existe algo de memorável em beber com pessoas de moral questionável em um beco escuro e misterioso. Foi uma noite interessante.

Após a estadia da preguiça em Pokhara seguimos viagem, ainda no Nepal, pois era hora de nos movimentarmos de novo, quebrar a aura de torpor e gula que tinha tomado conta de nós, e, para a tristeza dos restaurantes da região, saímos de lá em direção à Lumbini. 

Pokharam, a cidade do lago em que ficamos 1 semana comendo

Foi mais uma daquelas viagens de poucos quilômetros e muitas horas. Mais um ônibus sacolejante e quente no Nepal, daqueles que sugam as energias de qualquer viajante. Depois de um tempo considerável, uma paisagem linda e uns bons litros de suor derramados chegamos ao nosso destino.

Lumbini fica bem ao sul do Nepal, já em terreno plano, seco, quente e fora da influência vertical dos Himalaias. Sim, existe uma parte do Nepal tomada por selva e clima quase tropical, não são só montanhas geladas que formam o país. Lumbini também fica perto de um dos pontos mais populares de passagem terrestre para a Índia e não estávamos lá por coincidência, afinal depois de visitar a cidade o plano era cruzar para o país onde as vacas são sagradas. 

Paramos em Lumbini porque lá é o local de nascimento de Siddhartha Gautama, o Buda. Achamos que pela história envolvida seria um local interessante de conhecer, mas vou dizer, Buda poderia ter nascido em Cesário Lange que seria melhor viu. Baita experiência infernal que passamos na cidade. Claro, existe um complexo budista interessante na cidade em que é possível visitar templos budistas de diversos países do mundo e todos são muito lindos. Nesse mesmo complexo fica a casa (hoje um museu) onde Buda nasceu. Intrigante e importante. Mas é “só” isso. Lumbini não oferece muito mais que essa atração que pode ser visitada em algumas horas, só uma horda de motoristas de tuktuk que ficam com os olhos brilhando ao avistar algum turista. Oras, mas até aí a cidade não ter grandes atrações não é problema nenhum, afinal fomos ver algo específico e procurar um teto antes da nossa troca de países. O problema é que estava calor demais em Lumbini. Um calor seco e infernal que nunca senti antes. Pior até que a baforada úmida de lugares como Bangkok e Manaus. Mas não era só isso, antes fosse. Ficamos em um quarto simples em um hotel simples (do jeito que a gente gosta) que foi planejado especificamente para ser quente. Acho que durante a construção o empreiteiro do lugar pensou  “qual seria o equivalente imobiliário a um forno gigante?” E aí foi e criou nosso quarto. Ele ficava na esquina do prédio que tinha formato em L, recebia sol o dia todo e tinha uma ventilação pífia. Para melhorar tempestades castigaram a região quando estávamos lá, por isso a luz vacilou mais do que já vacila normalmente no Nepal, ou seja, nosso ventilador, nosso único amigo, apenas tinha pequenos soluços de vida. Mas calma, você acha que acabou? Claro que não, eu não brinco em serviço na hora de reclamar de alguma coisa. Pense em todo cenário que já descrevi até agora: calor extremo, atmosfera sufocante e desconforto. Sabe o que pode melhorar tudo? Mosquitos. Sim, além de tudo o nosso quartinho dos infernos ainda era um portal para uma dimensão habitada apenas por mosquitos. Vocês podem estar pensando que estamos frescos, que o lugar deveria ser tranquilo e nós que não aguentamos o tranco, mas digo o seguinte: já dormimos em diversos “buracos” nessa viagem, já cansei de descrever quartos como “cativeiro” e mesmo assim esse foi pior, sendo que ele era até bonitinho (aparência não é tudo). Foram duas noites complicadas e sem descanso.

Um dos templos do complexo

O complexo de templos e o museu, como eu disse, são interessantes e apesar de não ser um lugar grande, também não é possível fazer tudo a pé. Lembra que falei que estava um calor infernal? Sabe como exploramos tudo? De bicicleta. Isso mesmo. As vezes eu e a Marina temos umas ideias tão boas quanto quem achou que Fanta Uva era algo digno de existir. Apesar de quase termos derretido sob sol do meio dia até foi um passeio bacana. Na casa do Buda está demarcado o ponto exato onde ele nasceu, o que achei interessante, pois uma coisa é saber o local de nascimento (como a cidade), outra é o ponto exato de onde o jovem saiu do ventre. E pior que um monte de gente faz preces e oferendas ali, mas vai que o rapaz que fez a demarcação errou por alguns metros e todo mundo está adorando o local onde, sei lá, dormia o cachorro do Buda. 

Quintal do Buda

Brincadeiras a parte, foi impactante conhecer um lugar com tamanho peso histórico e importância espiritual (para esse lado do mundo principalmente). Aliás, achei a mistura de hinduísmo com budismo do Nepal incrível. Alguns nativos nos disseram que tem como religião, como guia espiritual, o hinduísmo, mas que seguem o budismo como modelo de pensamento. “Good thinking” foram as palavras deles, achei interessante. 

Profundo, impactante, importante… Posso usar o termo que quiser, mas a verdade é que não gostamos da maior parte do nosso tempo em Lumbini e finalmente tinha chegado a hora de ir embora. Não só ir embora da cidade, mas também do Nepal. Mal sabíamos que estávamos prestes a começar uma das maiores epopeias da viagem.  

O dia começou cedo, antes das 6 da manhã. Precisávamos pegar um ônibus até um cidade vizinha e depois outros ônibus até a fronteira. A ideia era pegar o primeiro transporte disponível do dia, mas assim que arrumamos tudo uma tempestade tomou conta dos céus e tivemos que esperar. Lá pelas 8 da manhã conseguimos sair e entramos em um ônibus que tinha cara de “vou quebrar”. E ele quebrou. Esperamos por outro no meio de uma estradinha triste e enlameada. Demoramos quase duas horas para andar 20 quilômetros, mas enfim chegamos na cidade vizinha. Mais um transporte público de 15 minutos e estávamos em Sunauli, a movimentada fronteira. Eram milhares de caminhões e ônibus de um lado e do outro. Nós atravessamos a pé, passamos na sinistra imigração do Nepal e depois, quando chegamos na imigração indiana, tivemos que esperar sentados por uma hora pois o aparelho de scanner deles estava quebrado. Era um daqueles dias. Nesse meio tempo conhecemos outros viajantes e decidimos dividir um táxi com eles, afinal nossa jornada estava longe de terminar. Não era só passar para a Índia e pronto. Tínhamos que ir até Gorakhpur e de lá pegar um trem até Varanasi, nosso destino final. Mas da fronteira para Gorakhpur o ônibus leva umas 3 horas e o trem até Varanasi mais umas 6 horas. Era muito chão para andar ainda.

O ônibus para sair de Lumbini. Aquele que ia quebrar e quebrou.

Para ganhar tempo invés de ir de ônibus rachamos o táxi com outros turistas, como já disse, até Gorakhpur. Chegamos de tarde, mas ainda em tempo de pegar o último trem do dia. A estação estava abarrotada, parecia um mar de pessoas estiradas, era difícil ver o chão. Finalmente estávamos na Índia. Compramos o bilhete de trem mais barato que já vi na vida e logo depois descobri porque ele era tão barato assim. Quer dizer, logo depois nada, pois caiu um aguaceiro sem precedentes e o trem atrasou mais de uma hora. O que foi juntando de gente na nossa plataforma semi alagada não foi brincadeira, comecei a ficar nervoso, pois não sou o maior fã de multidões e fluídos corporais alheios. Quando o bendito trem resolveu dar as caras no horizonte a multidão pulsava. Estavam todos cientes do que iria acontecer e sabiam o que era necessário fazer, menos eu e a Marina, duas baratas tontas no meio de um formigueiro. O trem foi se aproximando e mesmo sem parar as pessoas já corriam para subir nos vagões ainda em movimento. Quase fomos atropelados umas três vezes. Corremos junto com a boiada, mas em ritmo muito mais lento, por isso em todo vagão em que entramos todo espaço físico possível já estava tomado. Éramos como dois touros numa loja de porcelana, com as mochilas gigantes nas costas batendo em todo mundo. Depois de alguns infernais minutos de luta em que eu xinguei muito o universo e transpirei em quantidades olímpicas achamos um vagão menos lotado, em que dava pra guardar as malas e ficar em pé pelo menos. Logo dois indianos muito simpáticos abriram espaço pra gente sentar, então não foi tão ruim. Foram seis horas cansativas, ora com o trem cheio, ora com o trem vazio, pois paramos em várias cidadezinhas pelo caminho. Um bom aquecimento para a claustrofobia indiana.

Nosso companheiros de viagem por algumas horas

Chegamos em Varanasi quase às 23 horas, dois vestígios do que um dia tinham sido seres humanos. Depois de muito negociar um tuktuk e acordar um preço que eu tenha certeza que foi caro demais ele nos deixou em frente a uma rua fechada e disse que dali em diante não poderia seguir, teríamos que andar o último quilômetro restante do trajeto.

Foi aí que realmente caiu a ficha que de onde estávamos. Para os que ainda não foram apresentados a esse maravilhoso lugar, Varanasi é uma das cidades mais antigas da Índia (quiçá a mais antiga) e um local sagrado para os Hindus, um lugar especial para morrer. A relação da cidade com o Ganges é íntima, afinal é o rio mais importante para o hinduísmo e ela fica situada na sua margem oeste. E ainda, Varanasi é intensa, como que um microcosmo intensificado de vários características da Índia – muita gente, muita cor, muita sujeira, muita espiritualidade, muita vaca na rua e muita coisa diferente. Diversos viajantes acham que é o lugar mais maluco de um país já maluco para nós ocidentais, e eu não posso negar. 

Imagens de um trem indiano

Quando o tuktuk nos largou no meio da rua  ficamos meios desnorteados, a cidade ainda pulsava apesar de ser quase meia noite. Mas era uma pulsação decadente, daquele estilo fim de noite. Pessoas pareciam voltar para suas casas e os que ainda perambulavam de um lado pro outro pareciam procurar alguma coisa. Passamos por fogueiras no meio da rua, desviamos de lixo e restos animais e quase fomos atropelados por uma vaca desgovernada (era só o que me faltava). O clima era estranho, mas em nenhum momento me senti inseguro. Seguimos o mapa e chegamos até os ghats (escadarias) que dão para o rio. Fui à cometido pelo clima de grandeza e antiguidade do lugar, mas não deu para absorver quase nada, pois já era quase meia noite e a prioridade era conseguir se limpar e ficar um pouco na horizontal. Andamos pelo rio e nada. Não achava a guest house. Resolvi subir por um beco escuro e cai em um labirinto de vielas estreitas, o que eu acho que deva ser a cidade antiga que beira o rio. Perambulei por uns 20 minutos a esmo e no fim só achei nosso hotelzinho porque Vishnu quis. Resgatei a Marina, que tinha ficado me esperando no Ganges e ufa, finalmente chegamos. Pensa num dia longo. Agora pensa num dia longo em que várias coisas dão errado. O nosso foi mais ou menos assim, mas o importante é que atingimos nosso objetivo. 

Chegar na Índia não foi fácil, mas rendeu uma boa história (acho). 

Mas chega, que fiquei cansado só de lembrar desse dia. Depois conto mais sobre Varanasi.

Beijos Quentes

Tailândia ou capítulo de Bangcoc e que fomos feitos de otários

Esse relato cobre os eventos de 12/11/2018 a 19/11/2018

Olá, colegas do abismo. Para os poucos que ainda torturam-se visitando esse blog eis aqui mais uma dose de masoquismo virtual. Como um Christian Grey de quinta categoria vou agora flagelar sua alma e, no final, ainda vou arrancar um sorriso desse rostinho lindo. A vida é assim, um teatro do absurdo e nós gostamos de coisas bizarras mesmo, não tenha medo.

Sobre o relato.

Sim, esse é mais um texto sobre a Tailândia. Peço paciência para você leitor(a), mas ficamos dois meses no país, por isso para seguir fielmente os passos da nossa jornada preciso registrar todos os capítulos da aventura no antigo Sião. Calma, tem algumas coisas interessantes que ainda serão relatadas, como nosso retiro de meditação, travessias malucas de fronteira e o torneio secreto de Muay Thai em que eu me inscrevi para vingar meu irmão. Uma dessas coisas é falsa, mas não vou falar qual.

O interior da Tailândia

O último capítulo foi todo dedicado ao nosso momento “lagoa azul” em Surin, isso se no filme a Brooke Shields tivesse recebido massagem de um Adonis coreano de frágil estabilidade mental, mas tudo bem, são águas passadas.

Saímos daquele pequeno paraíso e voltamos para nosso pântano favorito, Khura Buri. Ainda estávamos a uns 700 quilômetros de Bangcoc e já há mais de um mês na Tailândia, por isso decidimos apressar o passo ao norte e chegar logo na capital. Quer dizer, não apressamos tanto assim, senão teríamos pegado um avião ou ônibus direto para Bangcoc, mas queríamos viajar de forma barata e local, por isso primeiro fomos de lotação para Chumphon e de lá embarcamos, no dia seguinte, em um trem até nosso objetivo final.

Foi o trem mais lento que já andei na vida. Eu, de bicicleta, conseguiria ir mais rápido que o trem. Oras, acho que minha avó de andador conseguiria ir mais rápido que aquele trem, e olha que minha avó nem é boa com o andador. Mas mesmo assim foi uma experiência incrível. Cortamos florestas tropicais, pequenas e charmosas vilas e plantações de seringueiras. Durante todo o caminho estávamos rodeados de senhoras simpáticas, senhores de aparência dura e um mar de vendedores ambulantes que forneciam de tudo para os passageiros. Frutas, doces, bebidas, salgados, órgãos do mercado negro…tinha realmente de tudo. O que não tinha (ou quase não tinha) eram turistas, o que foi reconfortante.

E assim que cortamos o país em ritmo de internet discada de forma deliciosa. Mas após mais de 12 horas de viagem chegamos exaustos em Bangcoc, com um certo cansaço acumulado de uma série de translados e excessos anteriores. Aliás, quando nos aproximamos da cidade o visual bucólico deu lugar a vilas cada vez mais sujas e pobres. Passamos por lugares em que pessoas pareciam morar em mangues formados por chorume e lixo. Esses momentos são importantes para nos lembrarmos que a imagem que criamos na nossa cabeça de lugares que visitamos é, obviamente, só nossa. A realidade costuma ser muito mais mordaz que uma brochura de turismo ou o Instagram alheio, mas é fácil se esquecer disso.

A menina e a janela

Enfim, Bangcoc. Uma das grandes cidades que eu queria conhecer. Achava que iria encontrar algo claustrofóbico, energético e quase cinematográfico, como Hong Kong foi para mim. Uma cidade com aquela eterna aura de “algo proibido”, onde negócios escusos são feitos em um submundo perverso, mas interessante. Uma cidade que seria o cenário ideal para um filme noir ou cyberpunk.

Infelizmente não foi essa minha relação com o lugar. Muita gente ama Bangcoc, mas acho que eu tinha expectativas demais. Não desgostei de lá, longe disso, mas não foi memorável como é para tantos outros viajantes.

Para ser justo também não aproveitamos a cidade direito.

De dia estava um calor digno de satanás, que começava derretendo o corpo, depois queimava lentamente a vontade de existir e aí incinerava o restante da alma. Pensa numa pessoa que transpirou em Bangcoc, fui eu. Sim, eu transpirei mais que aquele alemão branquelo de quase dois metros e levemente pançudo que tem em toda viagem.

De noite as ruas ficavam apinhadas de gente animada e agitação, afinal ficamos no coração da pseudo mochilagem, a Khao San Road. Mas nossos tempos de estripulias e perdição alcoólica já tinham passado (pelo menos na Tailândia) e estávamos em um momento mais calmo e contemplativo. Até tentamos forçar umas cervejas goela abaixo para entrar forçosamente no clima, mas nunca uma Chang desceu tão desgostosa na garganta de um homem. Estávamos em uma rotação diferente de toda aquela gente visitando Bangcoc.

Vida noturna

Obviamente que fizemos coisas bacanas lá. Conseguimos visitar apenas um templo de destaque, o Wat Pho, devido ao calor e a preguiça, e o lugar é impressionante. Cheio de gente, mas impressionante. Conseguimos também cair em um dos golpes mais conhecidos da cidade, aquele em que um sujeito simpático te aborda na rua, comenta sobre um feriado que não existe, diz que os templos estão fechados e oferece um tuktuk especial que vai fazer um tour maravilhoso por uma preço bacana. Coisa boa e barata demais é quase sempre bom demais para ser verdade, pelo menos por onde já tínhamos passado. E mesmo assim engolimos esse papo e visitamos um templo do elenco religioso coadjuvante da cidade, mais caído que paleteria mexicana hoje em dia, e uma malévola fábrica de ternos (onde ficaram muito decepcionados comigo quando eu não quis nenhum, logo eu que usei terno 3 vezes na vida) e foi nesse momento que percebemos a burrada e caímos fora. Nossas perdas foram mínimas, mas o golpe poderia ter feito um rombo gigante no orçamento caso não tivéssemos percebido. Enfim, depois dessa podemos já dar tchau pra cidadania brasileira, foi uma falta de instinto tremenda ter acreditado naquele jovem sorridente na rua. Inclusive não sei como estamos vivos até hoje nessa viagem.

Além de derreter em templos e levar golpes também visitamos um dos mercados flutuantes da cidade, muito interessante, mas seria mais interessante ver toda aquela dinâmica sem um milhão de estrangeiros por lá. Eu sei que também sou um deles e todo mundo só está curioso para conhecer o local (como eu), mas que seria mais bacana ver a versão “virgem” de um mercado desses, a isso seria. Mas o que vimos teve que bastar e gostei de conhecer o mini caos que se criou em cima de umas madeiras bambas boiando num rio. Comemos coisas boas, comemos coisas estranhas e eu vi uma senhora alimentando peixes como se estivesse alimentando cachorros, valeu a pena.

As peculiaridades do mercado

Só fomos parar no mercado flutuante pois antes, no mesmo dia, levamos um bolo do nosso free walking tour. Isso mesmo, pelo visto somos tão indigestos que nem a pessoa que faz o tour de graça pela cidade quis nos conhecer, imagina ela falando pro chefe “não, não, não… de graça com esses dois aí eu não faço”. Enfim, sei que ficamos um bom tempo plantados no porto onde deveria acontecer nosso encontro e nada. Acordar cedo dá nisso.

O programa mais legal de Bangcoc, para mim, não foi feito em Bangcoc. Foi nossa rápida visita à Ayutthaya, cidade capital do reino de mesmo nome, que foi uma força poderosa no sudeste asiático entre os séculos 14 e 17. Antes mesmo do Brasil ser “descoberto” ali pertinho de Bangcoc já existia uma cidade com construções quase alienígenas para nossos olhos ocidentais. As ruínas de Ayutthaya são incríveis, um misto de diferentes influências da região, principalmente Khemer, mas com personalidade própria. Visitar esse lugares, ou como a Marina diria “um amontoado de pedra antiga” é demais para mim. Gosto muito de ver ruínas, de imaginar a vida funcionando em arquiteturas e planos distantes e nessa altura da viagem ainda não tínhamos conhecido o Angkor, por isso as de Ayutthaya foram as primeiras ruínas bacanas que vimos. Foi um dia gostoso, em que pedalamos muito e eu tirei fotos ruins achando que estava arrasando. Apenas o sol que foi inclemente, como de costume, e eu perdi cerca de 43,7% da água do meu corpo enquanto estava em cima da bicicleta. Mas valeu a pena ter a liberdade de ir pra lá e pra cá como queríamos, sem depender de tour ou algum tuktuk. Apenas gostaria que inventassem uma bicicleta que não deixasse as nádegas doloridas.

Aliás, falando em Ayutthaya, impossível não lembrar do Sagat ao ver o Buda deitado de lá. Quase arranjei briga com um americano que estava de bobeira inspirado pela minha infância regada a Street Fighter. Eu ia dar meu golpe fatal nele, o “abraço do suor”, mas a Marina impediu.

Ruínas

Fomos e voltamos de lá com um trem quase tão lento quanto o que usamos para chegar em Bangcoc. Acho que é proibido que trens sejam rápidos na Tailândia. Mas, ao contrário do primeiro, esse não foi um transporte agradável, pois estava apinhado de gente do mundo todo. Muito agradável poder conhecer os odores únicos de cada canto do planeta.

Bangcoc foi isso para nós: muito calor, momentos altos, momentos baixos e sermos feitos de otários. Ainda que na nossa última noite por lá demos uma injeção de adrenalina na estadia ao fazer aquela bobagem de turista de comer os insetos repulsivos que uns locais vendem em toda Khao San. Pude degustar uma larva maravilhosa, com toques de noz moscada e um recheio parecido com mel. Perfeito. A Marina se aventurou com um escorpião, uma escolha bem pior ao meu ver, mas ela disse ter sido um dos pratos mais refinados que já provou na vida, e leve em conta que quem falou isso é a maior sommelier de McDonalds da América Latina.

E após a noite do referido banquete demos tchau para uma cidade que nos agradou, mas que eu esperava muito mais. Partimos de ônibus para Chiang Mai, onde chegamos (sem querer) para o famoso festival das lanternas.

Mas isso é tema do próximo post.

Beijos Quentes

Japão 2 ou o capítulo das muitas cidades visitadas

Esse relato cobre os eventos de 23/09/2018 a 02/10/2018

Olá, aflito leitor(a). Pode acalmar seu coração e alegrar a alma, o bálsamo de cada dia para combater as mazelas da realidade e a dureza chamada vida está de volta. Espero que o capítulo de hoje não o faça desistir de tudo. Calma, alguma coisa ainda vale a pena. Eu espero. Pelo menos hoje eu conto como já quase vomitei em restaurantes japoneses, então viva o suficiente para ler sobre isso.

O último relato tratou apenas de Tóquio, mas a partir de agora vou acelerar um pouco as coisas, ou terei que escrever sobre essa viagem para sempre.

Nosso próximo destino no Japão foi Kyoto, um lugar que curtimos demais. Calma, tradicional e animadinha ao mesmo tempo. O melhor jeito de classificar Kyoto, para mim, é dizer que é uma baita cidade gostosinha.

Demais ver a vida da cidade florescendo as margens do Shirakawa. A melhor coisa que fizemos lá foi alugar umas bicicletas e se perder, se perder foi legal (de novo). Passamos pelo templo dourado, pela floresta de bambus (não encontrei o Silvio Santos lá), pelo magnífico rio cor de jade até chegar, já a noite, em uns bairros residenciais afastados, onde vi uma molecada jogando baseball a beira do rio. Perguntei se eles assistiam Super Campeões e ninguém me deu moral. Fui chamado de Gaijin por uma senhora e ainda comemos em um restaurante local. Um belo dia.

Kyoto foi isso pra mim, uma cidade incrível com vários templos fascinantes e cenográficos, mas que ao mesmo tempo não se resumia apenas a cultura, pois consegue mesclar isso com diversão e comida (que é um sinônimo de diversão). E falando nisso, quase ia me esquecendo, rolou mais um momento de leve euforia emocional – visitei, sem querer, um templo pertíssimo de uma das batalhas mais famosas do Musashi (foi o Sanjūsangen-dō). É aquela em que ele acaba de vez com o clã Yoshioka. Aliás, o templo em si era bem legal, tinham 1001 estátuas de uma mesma entidade budista, e não era qualquer estátua mequetrefe não, posso dizer com segurança que a empreitada deu trabalho viu. Só estátua TOP (me perdoem o uso da palavra). Se você não sabe quem é Musashi desculpe a menção aqui, mas a sua história foi parte integral da minha adolescência e também culpada em me viciar em assuntos nipônicos e fazer eu pensar que um dia poderia ser o samurai estrangeiro que chega do nada no Japão e começa a quebrar todo mundo na porrada. Eu. Que mal sei andar sem escorregar. Enfim, em um momento da minha vida essa fantasia foi intensa e real.

A tradição em Kyoto

Ainda em Kyoto fizemos uma viagem bate e volta pra Nara, que tem vários templos, um parque bacana, uns veados e mais uma porção de turistas. Legal mesmo lá. Talvez o local mais cenográfico do Japão, um país extremamente cenográfico. E também com o melhor “Big Buda” de todos os Budas gigantes que já vi pela viagem. Mas o mais bacana foi ter ido lá, sem querer, no dia em que estava acontecendo um festival local. Era em homenagem a uma mulher da corte do imperador (Nara já foi capital do Japão) que foi rejeitada por ele e se afogou num laguinho local (rapaziada intensa né). Enfim, o festival consiste no lago ser enfeitado com lanternas (bem bonito) e gelo seco enquanto uns barcos ficavam passando com atores cantando e encenando a história toda. Foi bem interessante, mas fiquei decepcionado. Digo isso pois: sei lá por qual razão enfiei na cabeça que no fim da encenação eles colocariam fogo nos barcos. Ia ser uma baita visão, já estava escuro, seria legal de tirar fotos. Imagina o barco pegando fogo em contraste com a luz das lanternas? Mas porra, fiquei esperando, esperando e nada das chamas surgirem. Quase fui eu lá encher tudo de gasolina e jogar um fósforo. Nara me agradou, mas não satisfez minhas fantasias piromaníacas. 

Telas de Osaka

Depois disso fomos para Osaka, cidade em que não fizemos nada e foi demais. Quer dizer, SOBREVIVEMOS a um tufão lá (que no fim foi só uma chuva forte). E comemos. Muito. Porra, achei Osaka demais para comer. Tem um centrinho animado, (de novo) a beira do rio, tudo iluminado, beira o ataque epilético. Mas é bacana. Ficamos dormindo em Osaka e fizemos algumas viagens de 1 dia para cidades “próximas”. Fomos para Miyajima, Hiroshima e Himeji. Miyajima é a Ilhabela japonesa, viraria um pescador lá com certeza, muito bonito. Em Hiroshima só visitamos o Memorial da Paz – pesado, intenso e algo que todo mundo deveria conhecer.

O Tori

Himeji é uma é baita cidade legal, parece moderna, mas é calma. E aí no meio dos Predio tem um PUTA castelão bonito. Um colosso branco pairando sobre a cidade. Entrar lá foi uma experiência bem interessante, ainda mais para quem jogou muito Tenchu quando jovem. Tentei fazer um desenho do castelo uma hora que sentei em um de seus terraços, sabe, dar uma de artistão que puxa o caderninho no meio do rolê para desenhar algo? Então, queria ser assim, mas eu sou reprimido demais. Qualquer pessoa que passava atrás de mim quase me causava um infarto. Não preciso nem dizer que o desenho ficou tão bom quanto o plantel das últimas eleições no Brasil. Ficou ohh. Show. Depois visitamos o jardim anexo ao castelo. Amigos, que mágica que tem os jardins japoneses né? Uma capacidade de acalmar a alma impressionante, sem brincadeira. Um tanque com carpas no quintal faz toda diferença, pode providenciar um agora.

Vista do castelo em Himeji

Em Himeji também experimentei um dos pontos baixos da minha vida. Entramos em um game center (lugar dos sonhos com um milhão de fliperamas legais, mas os japoneses só escolhem os mais estranhos de música para jogar) e perdi para Marina no Mario Kart (após ganhar uma, claro). Não perdia no Mario Kart desde 1997 – podem procurar essa informação que tem na internet. 

O castelo

Ainda em Osaka aconteceu um fato bizarro. Tinha um francês muito chato no nosso hostel, e ele não era apenas chato, ele era maluco. Sabe aquele personagem bem estereotipado do doidão que ficou mais maluco ainda por causa do uso de drogas? Que é tão caricato que você nem acha real? Era ele. O cérebro do cara devia ter derretido já, sem falar que o sotaque (ao falar inglês) era puxado demais pro francês. Não dava para entender nada do que ele dizia e ainda dava vontade de rir. O cara me pediu dinheiro, me pediu meias (??), queria me mostrar umas músicas que ele fazia. Ele grudou em mim. Até ai tudo bem, eu fugia dele pelo hostel e ele parecia bonzinho. Até um dia em que fomos cedinho pegar nossas roupas no topo do prédio (estavam secando, pois tínhamos lavado) e quem estava lá, dormindo ao relento como um escoteiro de meia idade que abusou da bebida nos últimos anos? Nosso amigo francês. E não, ele não estava dormindo, que erro, ele estava MUITO acordado, a mente a um trilhão por hora enquanto eu tinha acabado de abrir os olhos. Sei que ele falou, falou, falou e quando olhei o rapaz estava pendurado no parapeito do prédio (perninhas balançando pra baixo e tudo), olhando pra mim e perguntando “Será que eu morro se cair daqui?”. Sim, ele morreria.

Eu estava tão entorpecido que só pensei “Ah pronto, agora o cara vai morrer e vai fuder nosso passeio do dia”. No fim deu tudo certo, ele não caiu, conseguiu se puxar de novo pra cima e eu pude sair de lá o mais rápido possível. Quando voltamos para o hostel ele tinha ido embora, mas depois vimos ele andando em uma avenida em Osaka, em direção ao horizonte. Lendas dizem que ele anda até hoje procurando alguém para encher o saco. Vá com deus meu doce príncipe.

E agora que eu já falei sobre todas essas cidades, posso contar das vezes em que eu quase vomitei nelas. Uma em Tóquio e outra em Hiroshima. Ambas ao comer algo que não consegui processar direito no restaurante. Mas quero tirar uma coisa da frente – adorei a comida no Japão, mesmo. Não sou o maior admirador de peixes e frutos do mar e mesmo assim gostei muito, mas tem algumas coisas que não me descem. O primeiro causo aconteceu quando tentei comer um okonomiyaki de frutos do mar. Um jeito rude de descrever o okonomiyaki é dizer que ele é uma espécie de omelete, e nesse restaurante em que fomos (como em outros vários), o garçom prepara o prato na sua mesa, que é na verdade uma chapa quente. Então ele joga tudo ali: peixes, camarão, ovo, outros bichos estranhos e faz a massa. Bom, comecei a comer, estava até que curtindo, mas aí me deparei com um gosto intragável pro meu paladar. Dei aquela leve arqueada pra frente, sabe o semi movimento estomacal que seu corpo faz para avisar que algo vai sair pela boca? Me segurei, respirei fundo e tentei de novo. Opa, quase regurgitei tudo de novo. Foi nessa hora que a Marina percebeu o que estava acontecendo e invés de me ajudar começou a gargalhar histericamente. Eu ali tentando vomitar com discrição e ela estragou tudo. Bom, respirei mais uma vez e pensei “agora vai”. Não foi. Quase que um okonomiyaki desconstruído voltou a mesa, e pior que era uma chapa, então ia virar omelete de novo. Vendo o absurdo da situação e não aguentando mais as risadas de minha amada mulher resolvi cuspir de forma discreta o maldito pedaço de comida.

A outra vez em que quase passei vergonha no restaurante foi em Hiroshima e essa nem tem nada a ver com frutos do mar. Eu singelo e com fome resolvi não errar e pedi um arroz frito com frango. Mas, meus amigos, veio o frango mais vivo e triste da história no arroz. Eu quase podia ouvir ele implorando “não me coma”. De novo resolvi encarar, de novo não deu certo e de novo a Marina riu de mim. Dessa vez fui mais rápido em desistir do prato.

Essas foram minhas desventuras gastronômicas no Japão, espero que elas não tenham estragado o apetite de alguém. E sim, eu sempre consigo introduzir algum detalhe escatológico nos textos. Desculpe.

Bom, por hoje é isso.

Beijos Quentes

China 4 ou o capítulo dos “perdidos no parque”

Esse relato cobre os eventos de 14/09/2019 a 19/09/2019

Olá companheiros de jornada.

Peço perdão pela demora para atualizar o blog, mas estava enfiado em umas trilhas cheias de neve no meio dos Himalaias. Isso mesmo, nada demais, só arriscando minha vida perto das maiores montanhas do mundo, e você o que andou fazendo? Como foi a aula de pilates essa semana? (Desculpa, eu acho horrível esse sentimento de “minha vida é mais legal”, até porque não é, mas esses últimos dias foram especiais demais – vou “me achar” um pouco).

Mas esse relato aqui é sobre a China, não sobre o Nepal, então vou voltar até o ponto onde o último texto terminou. Após o final feliz da desastrosa estadia em Xangai embarcamos em um trem para Zhangjiajie, uma cidade que fica próxima de um parque nacional de mesmo nome. Um lugar que eu também nunca acerto a grafia, por isso perdoem os possíveis erros nesse humilde escrito.

Enfim, Zhangjiajie é uma cidade bem mais ao sul que Pequim e também um pouco mais ao interior/oeste do que todas que tínhamos visitado (mas ainda naquela faixa perto da costa onde praticamente a China inteira vive), se eu disser que está no sudoeste chinês seria bem errado.

A cidade é bem sem graça, cinza e em construção – aliás, a China parece um país em construção, todo lugar que íamos tinha obra, obra, obra…talvez um reflexo dos saltos econômicos das últimas décadas. O interessante é que a região em volta da cidade é sensacional. Montanhas sagradas, grandes lagos, parques nacionais e até vilas antigas e super tradicionais. Se algum de vocês for para lá um dia use Zhangjiajie apenas como base e conheça os arredores.

Os leitores mais fiéis devem se lembrar que Xangai foi uma cidade marcada pelo descanso e a falta de saúde intestinal, algo que deu uma desanimada geral na viagem e para com a China. Zhangjiajie foi uma cidade de perrengues, mas foi também sensacional, reabasteceu nosso ânimo. Aaaa China, sua grande montanha-russa.

No nosso primeiro dia visitamos a Montanha Tianmen, um complexo de escarpas com um pico bem bonito que fica bem colado a cidade. Para chegar lá (ou descer de lá) vale pegar o teleférico – é o maior caminho de teleférico do mundo e bacaninha de usar. O dia estava nublado, o que limitou a visão, mas ao mesmo tempo cortamos as nuvens com nosso bondinho super vitaminado. O ruim foi ter esperado 2 horas na fila, pois na China tudo é fila (quando a fila existe). O topo da montanha é incrível, normalmente acima das nuvens e o clima lá é sempre de “mistério e sagrado”. Também tem umas passarelas de vidro para você andar na beira da montanha e olhar para o precipício abaixo. Achei bem sem graça, mas tinha uma galera com medo. Acho que nem todo mundo pode sustentar a(s) alcunha(s) de: Nathan Drake BR, Wolverine Brasileiro e Indiana Jones Brasuca. Por enquanto as únicas coisas que me colocaram medo na viagem foram os desarranjos intestinais e o medo de ser um fracasso constante apenas fingindo pro mundo que sei fazer algo que presta. Acho que talvez o segundo ponto deveria ser debatido com um psicólogo, não com vocês aqui.

Voltando.

O teleférico gigante

Subimos o teleférico e descemos por umas escadas até a base da montanha, onde pegamos um ônibus de volta para o ponto de saída do bondinho. Na base fica um negócio chamado “Porta do Céu”, que é uma abertura gigante entre as rochas e para chegar lá você sobe (ou desce) uma escada de 999 degraus. É incrível porque realmente parece que você está indo em direção a algo divino, mas ai um batalhão de pessoas cuspindo ao seu lado te lembra que é só uma atração turística.

A porta pro céu anda um pouco congestionada

Voltamos de ônibus pela estrada das 99 curvas (tudo tem “9” pois é um número sagrado para o Taoísmo chinês), um caminho bem bonito e bem propício para agitar as entranhas dos mais frágeis.

A montanha Tianmen é um lugar especial, mas como a maioria dos locais na China, estava bem cheia. Gostaria muito de conhecer o lugar com calma e silêncio, deve ser uma experiência quase espiritual.

Estrada das 99 curvas

O segundo dia foi um dia de burrices e perrengues. Fomos até o Parque Nacional de Zhangjiajie, que tem muita coisa, mas a atração principal é uma cadeia de montanhas que parecem pilares saindo da mata (erosão devido ao vento e chuva). Sim, são aquelas montanhas do filme Avatar. Uma vista incrível.

Chegamos ao parque pelo portão errado, pois pegamos o ônibus quase errado (digo “quase errado” porque erramos o portão, mas chegamos aonde queríamos) graças a maravilhosa rodoviária da cidade e nossa falta de capacidade para acertar o transporte. Logo percebemos que tínhamos um parque todo para atravessar durante o dia, pois a atração que queríamos ver era perto da entrada contrária à nossa e era lá também onde deveríamos pegar a van mais barata de volta até a cidade.

Parece uma tarefa simples, mas lá dentro a locomoção é feita por uma frota de ônibus própria e não da para entender muito onde eles vão parar. Não ajudou o fato de não termos um mapa ou tradutor. Andamos a esmo até que chegamos em um ponto que tinha um elevador gigante que parecia o único jeito de acessar aonde queríamos chegar. Só que o elevador era muito caro, ficaríamos com o dinheiro contado após ele (a entrada do parque já tinha sido bem cara). Provavelmente existia um outro jeito de chegar até nosso objetivo, mas estávamos cansados e pelo o que vimos as atrações chinesas funcionam assim: sempre existe o jeito “fácil” e caro de fazer as coisas (como chegar em um lugar por teleférico ou elevador) e o jeito difícil, que normalmente é mais barato e pouco divulgado. Optamos pelo jeito fácil e a vida nos deu uma rasteira.

Para acelerar a história – pegamos o elevador, nos perdemos na parte “de cima” do parque, achamos o caminho para o portão que queríamos sair, era longe, tínhamos que pegar um teleférico mas o dinheiro havia evaporado. Para melhorar era cerca de 4:30 da tarde e a última van para cidade saia às 18h.

Por sorte encontramos um casal de canadenses (únicos outros gringos no local) que conhecia uma trilha para evitar o teleférico. Economizamos o dinheiro que não tínhamos, mas não chegamos em tempo de pegar o transporte. Estávamos longe do nosso hotel, sujos e sem dinheiro. Mas é nessas horas que a mágica acontece.

Ficamos no mesmo hostel que os canadenses, pois era dentro do parque, só que não tínhamos dinheiro para pagar. Eles pagaram pra gente e minha irmã conseguiu transferir grana via paypal para eles. No fim terminamos a noite imundos, sem nossas coisas, sem dinheiro, mas trocando ideia com uns canadenses ao pé de umas montanhas chinesas. Eles ainda pagaram várias cervejas para nós. Foi bizarro e sensacional, como a vida consegue ser às vezes.

Única foto que temos dos nossos salvadores

No dia seguinte conseguimos voltar ao nosso hotel – eu de ressaca e ambos quebrados, por isso me premiei com uma coca e um McDonald’s da vitória. Nada como comida de baixa qualidade e alto teor de gordura para agradar um homem simples.

Aaaa mas e o parque, vocês estão se perguntando – Sim, o parque é foda. Bem cuidado e com uma floresta fechada, que parece quase tropical, é inundado de montanhas e elevações de granito. As montanhas Avatar são surreais, vale conhecer. Vou colocar algumas fotos aqui mas elas não fazem jus ao que é ver aquele complexo de pilares gigantescos que pairam sobre um mar verde. É uma visão quase onírica.

Avatar mountains com uma intervenção minha

Parece cenário de Jurassic Park

E o parque ainda tem outras atrações, como uma floresta de macacos, alguns monastérios, um lago… A entrada vale por 4 dias, então da para ir e voltar e conhecer tudo com calma (algo que não fizemos pois somos BURROS). Aliás vale ficar mais tempo em Zhangjiajie, ficamos 3 dias completos, mas gastamos o último dia no hotel resolvendo algumas coisas que explicarei a seguir.

Ponte natural

Último adendo antes de prosseguir – já falei isso lá em cima, mas vou desenvolver melhor o pensamento agora: as atrações na China tem boa estrutura e acesso fácil, e normalmente esse acesso fácil é o modo easy e tranquilo para conseguir informações e etc… e eles deixam o jeito “alternativo” mais difícil de encontrar/acessar. É elevador e bondinho em tudo quanto é trilha. Se cortassem metade dessas engenhocas dava para diminuir em uns 60% o número de velhos e famílias turistando por ai. Eu quando for velho vou querer ficar jogando video game em casa, que se dane o mundo. (É uma piada gente, calma).

Enfim, nosso último dia em Zhangjiajie foi de pesquisa e tranquilidade. Tranquilidade porque estávamos quebrados e ficamos a maior parte do tempo na horizontal e pesquisa pois em dois dias pegaríamos um voo para o Japão de Hong Kong, e sabe o que estava prestes a acontecer em Hong Kong e o resto do sul da China? O Tufão mais maligno dos últimos anos 🙂

Ficamos domingo analisando nossas possibilidades e vimos que o melhor seria esperar a tempestade e observar a situação depois. Nosso trem sairia às 15h de segunda-feira para chegar terça-feira de manhã em Shenzhen, de onde passaríamos para HK. O tufão veio, passou e não fez muita coisa por lá, porém O ÚNICO trem cancelado do dia sabe qual foi? Isso mesmo, o nosso. Não dava para atrasar nossa chegada para HK pois o avião iria partir quarta-feira de manhã, ou seja, chegaríamos lá terça a tarde para só dormir e ir pro aeroporto. Qualquer trem de Zhangjiajie para Shenzhen tem mais de 15 horas de duração e todos estavam lotados. Enfim, na correria maluca da estação de trem onde ninguém falava inglês conseguimos, segunda de manhã, passagens para um trem que partia no mesmo dia mas só tinha lugar no vagão em que você vai sentado. 18 horas. Sentados (antes íamos no vagão leito). E não, não são assentos tipo de avião ou de trem bala, eram umas cadeirinhas de plástico mais tristes que a vida de um mágico de festas infantis. Duras e apertadas. Foram 18 horas em um vagão lotado, com todo mundo se espremendo e fazendo malabarismo para dormir. Foi complicado, mas pelo menos assisti Blade Runner 2049 nesse trem! Meu deus que filme maravilhoso. Quase mostrei pro chinês ao meu lado, pois todo mundo tem que conhecer.

O trem antes de encher – ainda dava pra deitar

Dito isso, conseguimos chegar vivos em Shenzhen e finalmente HK. Ficamos pouco tempo lá, pois voltaríamos pós Japão, mas gostei do clima de “cidadezona proibida”. Um lugar global, mas ainda com personalidade. Nada glamuroso como uma Nova York da vida, mas com aquele clima de “porto de filme noir”. Acho que eu assisti filmes demais de Jackie Chan, Bruce Lee, John Woo e cia, mas HK tem uma aura muito bacana pra mim. Algo suspeito sempre parece estar acontecendo.

Depois de toda essa jornada partimos pro Japão, um dos meus países mais aguardados da viagem. Um pequeno spoiler, eu amei aquele lugar.

Tóquio é meu paraíso e onde salvarei o mundo da invasão Kaiju, mas Kyoto é onde morarei após ser idolatrado pela humanidade.

Mais do Japão no próximo post.

Beijos Quentes